12 de julho de 2021

Dois Livros (três novelas e um conto) de Connie Willis


Hoje vamos de resenha dupla, dois livros da Connie Willis, sendo o primeiro uma novela natalina lançada no final do ano passado e outro uma coletânea com três histórias de ficção científica que exploram a ideia de terras desconhecidas!

Começamos com Ori, a protagonista de Take a Look at the Five and Ten, que é parte de uma família costurada pelos casamentos e divórcios de seu ex-padrasto, Dave. Aliás, um padrasto que deve ter sido mesmo fenomenal, já que ela passa todas as festas de fim de ano com ele e a mãe sequer dá as caras em qualquer ponto da narrativa. Junto com ela há uma tia resmungona e vovó Elving repetindo eternamente a história de um mesmo natal, bem como a atual esposa e enteada de Dave (ambas intragáveis). Para completar o elenco, temos Lassiter, o novo namorado da mais recente enteada.

Lassiter é estudante de medicina e participa de uma pesquisa sobre memória; especificamente, algo chamado TFBM (traumatic flashbulb memory), uma lembrança traumática capturada como se pelo flash de uma câmera, que se imprime de forma indelével na mente de quem a vivenciou. Ela se traduz como uma recordação vívida e recorrente, assombrosa em seu nível de detalhes, como uma fotografia estampada no cérebro, algo muito parecido com o pensamento fixo da vovó Elving, no natal que passou trabalhando numa loja de departamentos, a Woolworth, em 1950.

Lassiter chega à conclusão de que a vovó é uma perfeita candidata a participar de sua pesquisa. Ori, cooptada a cuidar dela enquanto o rapaz faz seus testes, acaba se apaixonando - o que é terrível, a se considerar que Lassiter já é o troféu (!!!) de sua irmã postiça. Entre idas e vindas tentando desvendar qual exatamente foi o evento traumático que teria feito a vovó Elving se fixar naquele momento, há vários encontros e desencontros entre os personagens, mas considerando que estamos diante de uma comédia romântica, é claro que tudo se resolverá satisfatoriamente.

A essa altura dos acontecimentos não sei dizer se estou adiantada ou atrasada para uma noveleta natalina… mas o que importa? É Connie Willis e isso me basta como boa razão para ler Take a Look at Five and Ten independente da época. Daqueles contos que você lê de uma sentada e termina sorrindo como boba para o vazio.

Outro da Connie Willis para a conta desse ano (tenho planos de aumentar, porque estou com vários títulos dela há tempos esperando no reader), Terra Incognita reúne num único volume três histórias: mais duas noveletas e um conto, completando minha soma de hoje.

A primeira história é a novela Uncharted Territory, em que dois intrépidos exploradores de um planeta ainda praticamente desconhecido têm de lidar com seu guia alien ambicioso e a chegada de um novo cientista para a equipe. Eu fiquei um pouco perdida no começo, até entender qual realmente era a dinâmica entre Findriddy e Carson e perceber que toda aquela discussão de hábitos de acasalamento era mais que ruído branco no enredo.

Depois disso, finalmente compreendi a brincadeira que ela queria fazer, a forma como ela brinca com gêneros e diferenças entre espécies, e acabou sendo minha história favorita das selecionadas para esse volume. A Willis sempre é muito boa em trabalhar romance, mesmo quando ele não parece ser realmente um romance (eu sei, parece confuso, mas quando você se acostuma com o estilo dela, faz sentido).

Seguimos com Remake e, confesso, foi o que menos gostei. Aqui visitamos uma Hollywood no futuro, onde a tecnologia evoluiu de tal maneira que se deixou de fazer novos filmes, em vez disso recortando atores do passado e colando-os em novas películas ou simplesmente trocando atores e alterando finais (você quer um Casablanca com final feliz? Gostaria de ver Fred Astaire como Indiana Jones no lugar de Harrison Ford? Tudo é possível).

Uma jovem obcecada por dançar em musicais e um técnico especialista em fazer a manipulação de software se aproximam. Tom fica fascinado por Alis, mas ela só consegue pensar em dançar de verdade num filme - uma ambição impossível na indústria do momento. Correndo por fora temos outra garota que é muito mais legal e passei o tempo inteiro querendo estapear Tom por não enxergar o óbvio e ver Hedda bem ali do lado dele.

Remake é uma distopia que parece bem próxima de acontecer, com a evolução do CGI. Há questões interessantes exploradas no enredo: a degradação da arte em indústria, a substituição de emoções reais por experiências virtuais. Mas falta um pouco do tempero e ritmo dos melhores trabalhos da Willis; eu realmente não consegui gostar do Tom e fiquei perdida nas referências a filmes das décadas de 50 e 60.

A última narrativa, D.A. é mais um conto que uma novela, bem curtinha em comparação com os outros dois e me fez lembrar demais de O Jogo do Exterminador. Theodora é uma adolescente que acaba de ser selecionada para um prestigioso e extremamente competitivo programa de cadetes interestelares. O único problema é que Theodora não ingressou no programa e não faz ideia de como pode ter sido selecionada para ele.

Com a ajuda da melhor amiga, ela tem de descobrir como foi parar ali e se há como escapar do programa - ou se ela quer realmente escapar dele. Teorias da conspiração abundam, mas D.A. é bem divertido e acerta na mosca em seu debate sobre questionar autoridades estabelecidas e não se conformar com respostas fáceis.


A Coruja


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