30 de junho de 2021
Conversas sobre o Tempo #03 - Aquele em que pisamos o pé no freio
O inverno chegou, o que significa, entre outras coisas, encarnar a Anna e sair por aí irritando as pessoas cantando “você quer brincar na neve?” Ou talvez só ficar em casa, relaxando com sua bebida quente de preferência, ouvindo o vento frio assobiar do lado de fora.
Aqui vamos de capuccino caseiro, e para quem quiser, a receita está atualizada no blog depois de algumas experiências de dona mãe com açúcar e chocolate para afinar o dulçor.
Pessoalmente, sou fã da ideia do inverno, da imagem romântica - lareira, chocolate quente, campos branquinhos como nuvens sob o gelo -, mas não tanto da coisa real. As vezes em que viajei para lugares que tinham invernos reais e rigorosos, não posso dizer que tenha me sentido realmente confortável (nada como uma ponta de nariz gelada e pingando para quebrar a ilusão, e o frio que parece penetrar por todas as frestas da montanha de casacos e touca-cachecol-luva-o-que-mais-houver-que-possa-me-esquentar), mas eu talvez mude de opinião de novo no dia em que puder brincar na neve.
Sou uma pessoa friorenta. Mas sei que é uma questão de costume. Não tinha tantos problemas com o frio quando morava em estados que realmente vivem o inverno. Se voltasse, conseguiria me readaptar. Mas, morando na região dos trópicos, qualquer coisa na casa dos 20⁰C é razão suficiente para se agasalhar.
Costumava achar que cá em Recife não havia muita diferença nas coisas com o solstício. Certo, tem a parte da noite mais longa do ano, algo que acho completamente mágico e fascinante e repleto de simbolismo. E, de fato, anoitece mais cedo, e amanhece mais tarde, mas a diferença é muito pouca, talvez uma meia hora de cada lado. A temperatura cai um pouco, mas não tanto. No final de junho já estamos bem estabelecidos no período de chuvas, a temperatura não cai tanto assim, e há mais sentido em investir em galochas (talvez até um bote, a depender do lugar da cidade em que você more) que casacos de frio.
Mas aí, por conta da quarentena, criei um novo hábito, que foi de caminhar no entorno do condomínio no final da tarde (uma hora de caminhada são seis voltas, o que dá cinco quilômetros); ou, pelo menos, caminho quando a chuva me deixa caminhar (nos últimos dias ela sempre acha de começar na hora em que estou calçando o tênis). Tem uma área verde muito grande aqui no entorno e passei a prestar mais atenção nas plantas no correr dos dias. Tem várias árvores que perderam a folhagem; outros arbustos deixaram cair todas as flores. Alguns arbustos têm o verde mais esmaecido ou trocaram de cor para um quase completo desbotado.
Nunca tinha me importado ou enxergado o que estava bem debaixo do meu nariz. Mudanças óbvias do inverno, mas que me passavam batidas porque estava mais concentrada na selva de pedra do que no verde que ainda nos cerca dentro da cidade. Agora, tenho saído do meu caminho para ver flores caídas, que trago para casa e pesquiso para descobrir o nome. Descobri, por exemplo, que a árvore que tem na frente do prédio se chama “pata-de-vaca” (conhecida também como capa-de-bode, casco-de-burro, casco-de vaca, ceroula-de-homem, miroró, mororó, pata-de-boi, pata-de-veado, unha-de-anta e unha-de-vaca. Estou tentando descobrir ainda de onde se tirou a semelhança com ceroulas); e que o arbusto mais comum em toda a extensão do prédio (comum em todo canto, na verdade) é o danado do hibisco, o mesmo que faz o chá.
Também desviei da calçada para desvendar “o que é aquilo brilhando na casca daquela árvore???”. Essa eu ainda não descobri ainda o nome da planta (o tronco é branco e está sem folhas, você tem alguma ideia para me dar?), mas reconheci a seiva. Claro que depois de enfiar o dedo na seiva ambarina endurecida, voltei a caminhar e passei o resto das voltas todas conjecturando sobre a possibilidade de deixar marcas de DNA no âmbar e ser clonada daqui uns milhares de ano por alguma espécie mais evoluída que a dos seres humanos - talvez aliens -, num esquema Jurassic Park. Seremos o Parque do Antropoceno.
Talvez eu devesse guardar essa ideia para um conto? Mas antes terei que descobrir uma maneira de preservar meu DNA dentro daquela seiva... Algumas das coisas que tenho notado não têm a ver exatamente com a mudança da estação, mas vão para a minha lista de observações invernais aleatórias porque essa é a primeira vez que as verifico. Não por eu achar que elas não merecessem atenção, mas porque, normalmente, há uma infinidade de outros estímulos brigando para nos absorver.
Às vezes desço com fones de ouvido, para escutar música enquanto caminho. Por vezes vou com meu pai, e vamos conversando o tempo inteiro. Já desci com o celular algumas vezes, especificamente para tirar fotos de coisas que me chamaram a atenção no dia anterior. Mas, no geral, tenho feito um esforço de tornar minha caminhada um período em que me desligo de tudo, em que tento até aquietar a mente (respira fundo, Lulu, e pára de se preocupar com as duzentas outras coisas que você ainda precisa fazer essa semana!) - e isso acaba abrindo espaço para outras percepções. Bem, não vou virar uma naturalista em nenhum momento neste século, mas gosto da ideia de estar mais atenta para o mundo. É bom desacelerar e simplesmente respirar de vez em quando. E o inverno, com sua quietude filosófica em compasso de espera para que novas coisas germinem, parece-me a estação perfeita para isso.
Pergunto-me agora se devo começar um herbário com as plantas secas que tenho recolhido nos últimos tempos...
No Escaninho. Recomendo o artigo Decolonizing your bookshelf, do Book Riot, que fala sobre diversificar suas leituras; e também a reportagem do The Guardian sobre os esforços para manter na Grã-Bretanha e disponíveis para o público tesouros de uma biblioteca particular que irão a leilão em breve - incluindo manuscritos de Jane Austen, das irmãs Brontë e Sir Walter Scott.
No The New York Times tem um brilhante ensaio do Salman Rushdie sobre como os livros que amamos impactam nossa maneira de enxergar o mundo. E no Valkirias, um artigo bem legal com uma defesa apaixonada das comédias românticas.
Para terminar, uma notícia que me deixou muito feliz: Good Omens vai voltar para uma segunda temporada! Embora o Pratchett não esteja mais entre nós, confio no Gaiman e ele observou que o roteiro seria baseado em ideias que ele chegou a discutir com sir Terry. Eu gostei do que foi adicionado na primeira temporada - inclusive o Gabriel - então quero crer que, o que quer que venha por aí, manter-se-á fiel ao espírito dos personagens.
Previsão do Tempo para Hoje. Lewis Carrol, em Alice Através do Espelho:
"Está ouvindo a neve contra as vidraças, Kitty? Soa tão agradável e suave! Como se alguém estivesse beijando a janela toda do lado de fora. Será que a neve ama as árvores e os campos que beija tão docemente? Depois ela os agasalha, sabe, com um manto branco; e talvez diga: 'Durmam, meus queridos, até o verão voltar.'"
A Coruja
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