3 de dezembro de 2018

360º: Uma Jornada Muito Esperada || Parte I - Kolory à Francesa


Uma introdução…

Em outubro de 2016, uma tia muito querida adoeceu. Lembro de ir visitá-la, antes ainda de sabermos o diagnóstico, e ela me cobrou “você ainda me deve aquela viagem à França”. Fazia pouco mais de um ano que eu tinha prometido que viajaria com ela. “Pode deixar, tia Marilu, assim que a senhora estiver boa, vamos começar a planejar”, foi minha resposta. Já tínhamos viajado juntas antes e ela sabia que eu gostava de organizar roteiros e passeios e que eu acabaria me responsabilizando por resolver tudo o que houvesse para resolver durante também. Ela já fora à Europa com uma excursão, mas queria dessa vez que fôssemos por conta própria, para ter tempo de fazer tudo o que quiséssemos fazer.

Não tínhamos ideia da gravidade de seu estado. Nas semanas seguintes, a condição dela foi deteriorando; a doença já estava muito espalhada e o tratamento que havia era apenas paliativo. Três meses depois daquela promessa, tia Marilu faleceu. Mas até a última semana no hospital, ela ainda me lembrava: “quando eu ficar boa…”.

A ideia de cortar uma mecha de cabelos e guardar para fazer a viagem surgiu quando ela entrou em coma. Lembro de pedir à minha mãe que fizesse isso: estávamos jantando, e ela ia ficar no hospital enquanto meu pai se reuniria com os irmãos para resolver questões práticas… mas o telefone tocou e veio o aviso. Quando chegamos ao hospital, foi literalmente a última coisa que fizemos antes de levar o corpo - minha mãe entrou no quarto com a tesoura e eu dobrei um post-it como envelope.

Então, estava decidido: eu faria aquela viagem de uma maneira ou de outra, levando comigo a lembrança e um pedacinho da minha tia aventureira e companheira para deixar na terra da Marselhesa. Como eu estava de férias naquele janeiro, ficava muito em cima para conseguir resolver tudo para 2017 e assim é que adiei (de novo…) para esse ano.

Pelo meio do caminho do meu planejamento inicial a Dynha - uma amiga mais de uma década, com quem também já viajei antes - perguntou se eu ia mesmo à França e se ela poderia ir comigo. Como quanto mais melhor, inclusive para dividir as despesas e poder tirar foto uma da outra, concordei. Afinal, essa era para ser uma viagem de celebração, não de luto, e que maneira melhor de fazê-lo do que partilhando os momentos com alguém querido?


Estendemos o roteiro para ir além da França. Minha tia queria ir à Inglaterra também, porque não tivera oportunidade antes, então decidi aproveitar a deixa para voltar à terra da Rainha e fazer duas cidades que estavam no meu roteiro e eu ainda não conseguira visitar. A Bélgica entrou na história porque eu queria ir a um país que ainda não tivesse visitado. E Portugal apareceu na história porque quando fomos comprar as passagens - em novembro do ano passado - descobrimos que saía mais barato fazer o stopover em Lisboa pela TAP (mesmo pagando hotel!) que seguir direto de volta para o Brasil. E isso me daria oportunidade de ir a Sintra comer travesseiros (mais explicações quando chegar no capítulo de Portugal).

Tivemos um ano para planejar, de forma que fomos decidindo com mais vagar para onde íamos, o que queríamos ver, reservando hotéis, comprando passagens de trem, ingressos, adiantando ao máximo o que podíamos pagar aqui do Brasil - o que foi uma sorte, porque dólar começou a subir depois de termos resolvido muita coisa, e no cartão de crédito todas as moedas são convertidas primeiro para o dólar…

Claro que a Kolory foi comigo...

Tudo resolvido ou encaminhado, malas prontas, documentos conferidos e à mão, saí do Recife no dia 29 de outubro pensando com meus botões: ‘vou passar o dia das bruxas num lugar onde se comemora o dia das bruxas!’. É, eu sei, eu e meus botões temos prioridades estranhas… E foi assim que começou essa jornada muito esperada (não havia hobbits ou anões pelo caminho, mas muitas aventuras se seguiram).

- Por organização e para tentar refrear minha prolixidade, vou dividir meu diário de viagem em tópicos em vez de seguir, por ordem cronológica, tudo o que fui fazendo durante esses dias que passei fora. Comecemos… -

Paris: Uma História

Considerando que essa foi minha terceira vez em Paris, bater a cidade não era exatamente minha prioridade - embora houvesse alguns lugares que, em memória da minha tia, estavam na lista para passar. No entanto, para a amiga que foi comigo, era a primeira vez dela na Europa e Paris era um sonho pessoal. Por isso, eu me voluntariei como guia turística para acompanhá-la nos primeiros dias pela cidade, de forma a apresentá-la a alguns dos meus lugares favoritos e também contar um pouco da história dessa que é umas das capitais mais famosas do mundo.

Por essa precisa razão, organizei uma lista de forma cronológica, ainda que não a tenhamos seguido exatamente à risca, fosse por que um determinado monumento era próximo do outro, embora de épocas diferentes, fosse pela chuva ou mesmo pelo cansaço. Dois dias, a Dynha passou sozinha, visitando os museus maiores e também Versalhes - que eu já tinha visitado das outras vezes -, enquanto eu explorava a Normandia. Por isso, lugares como o Louvre e Sacre Couer não vão aparecer aqui hoje.

Eu queria muito, muito mesmo, ter começado a apresentação pelo Museu Carnavalet, que conta a história da cidade e tem alguns achados arqueológicos ainda mais antigos que a própria fundação da comunidade - fora que ele mesmo fica num prédio histórico belíssimo. Contudo, o museu está em reforma, creio que até o fim do ano que vem, e por isso não deu… Então, em vez de um estudo prévio de tudo junto no mesmo lugar, tivemos de confiar na minha memória.

Começamos assim pela França galo-romana, assim chamada porque remonta os tempos em que os Romanos dominavam a região e o país se chamava Gália. Há três lugares em Paris que são ruínas preservadas dessa época: as Arenas de Lutèce (nome romano de Paris), construída, provavelmente, entre os séculos I e II d.C., que serviram como anfiteatro e arena de gladiadores à época; as termas que ficam no subterrâneo e na parte de fora do Museu de Cluny e os achados da cripta arqueológica de Notre Dame.

Kolory foi para as arquibancadas, querendo assistir os gladiadores

Nossa ‘viagem no tempo’ começou cedinho pelas arenas. Tivemos alguns problemas de orientação espacial para conseguir descobrir se deveríamos subir ou descer a rua, mas pelo meio do caminho apareceu uma placa e daí por diante foi mais fácil se encontrar no mapa. Quando chegamos ao lugar, o parque estava vazio e tivemos tempo para percorrer tanto a própria arena quanto as arquibancadas.


Eu imaginei que seria um pouco como estar no Coliseu, mas as arenas de Lutèce são menores e estão hoje cercadas de prédios pequenos, além do próprio parque em que ele se encontra. Mas é possível ter uma ideia, um lampejo de como tudo aquilo foi no passado. Boa parte do prédio original, que chegava a abrigar mais de 15 mil pessoas, foi destruído pelas invasões bárbaras e meio que se ‘perdeu’ com o crescimento da cidade. Redescoberto no século XIX, foi escavado e restaurado; o célebre escritor Victor Hugo foi um nomes que advogaram pela preservação do local.


Não muito longe - é possível ir caminhando, passeando junto ao Panteão e à Sorbonne - está o Museu de Cluny. Pessoalmente, esse era um dos meus museus favoritos e é uma mistura de épocas curiosa: o palacete que abriga o museu é do século XV; foi construído sobre o edifício da Abadia de Cluny, que data do século XIII e em seu interior se escondem as termas romanas do século I. O Museu é dedicado à Idade Média, sendo repleto de tapeçarias, objetos cotidianos, cabeças de mármore decepadas pelos sempre mui simpáticos bárbaros - um monte de coisas curiosas, interessantes e estranhamente familiares.

Só faltou a água para um banho relaxante nas termas...

Minha primeira vez em Cluny provocou-me enorme sensação de déjà-vu. Foi só depois de um tempo que descobre porque: vários dos livros de História pelos quais estudei na escola tinham fotos de objetos que estão na coleção deste museu - incluindo as tapeçarias da Dama e o Unicórnio. Essa série de seis imagens não tem autor certo, e acredita-se que tenham sido feitos por volta de 1490, encomendados em Flandres (lugar que ainda voltará a aparecer nesse diário…). Costumam ser interpretadas como referências aos cinco sentidos, mais um “extra”: o único dos tapetes que traz um título tecido, “À mon seul désir”, ou ‘a meu único desejo’.


Fiquei um pouco frustrada com minha vista dessa feita, porque tive a impressão de que o museu… diminuiu. Ele agora se especializou em organizar exposições temporárias, exceto pela sala dedicada à coleção das misteriosas imagens da Dama e seu Unicórnio. Tudo bem, ainda tem as termas, e várias estátuas descabeçadas e ‘desnarizadas’ (qual era o problema dos bárbaros com narizes???), mas muitos objetos interessantes deixaram Cluny. Tive, porém, uma bela compensação ao retornar à cripta arqueológica de Notre Dame, última parada em nossa viagem à Paris romana.


Embora normalmente associamos criptas com túmulos, essa daqui não é um mausoléu, mas uma escavação arqueológica no pátio em frente à Catedral, que descobriu fundações de prédios e objetos antigos nos subterrâneos da cidade. Aqui é possível ver não apenas vestígios do porto romano da então Lutéce, mas também um muro que data do século IV, traços de ruas do período medieval, da era renascentista e até de períodos mais recentes, fruto das políticas de saneamento de Haussmann.

Sabe aquelas histórias de fantasia onde você tem uma cidade construída em cima de outra cidade? Gaiman, Pratchett e Miéville são três autores que me vêm à mente que usaram essa imagem. Pois bem: na cripta arqueológica de Notre-Dame, é possível enxergar muito bem como cada período foi construindo por cima das fundações do período anterior.


Pensando bem, Recife tem trechos assim também. No bairro do Recife Antigo, há várias escavações que mostram o nível original da rua, as fundações de muralhas e do porto.

O que torna a visita à cripta algo muito legal é toda a estrutura montada não apenas para ver as ruínas, mas para que o visitante consiga visualizar como tudo aquilo era quando no tempo em que foram erguidas. Há quadros mostrando as arenas e as termas, mas para além disso, há uma série de painéis e telas interativas nas quais se pode explorar essas construções por diferentes ângulos, acompanhar sua construção e entender como as comunidades se serviam delas. Isso para não falar das mesas sensoriais, nas quais você pode sentir a maquete daqueles lugares (ampliando a acessibilidade da exposição).


Nada disso existia quando fui pela primeira vez à cripta em 2012 e me deixou muito impressionada; eu já tinha achado as ruínas interessantes, mas o quão legal é você estar diante delas e enxergar projetada na parede o nível do Sena numa rua; ou mesmo uma arte completa mostrando o ponto de vista de um soldado que observa por cima dos muros, e muros que resistem, bem diante de você, há mais de um milênio? Esse investimento em tecnologia e estrutura para melhorar, aproximar quem está ali da História é uma coisa fenomenal e não pude deixar de comparar na minha cabeça com a forma como tratamos os museus e a nossa História aqui no Brasil: deixando que se torne fumaça.


A ironia fica pelo fato de que, enquanto filas com centenas de pessoas serpenteiam na frente da Notre Dame, muita gente nem se percebe do tesouro que tem bem sob seus pés. Não há uma sinalização tão clara da cripta como outros monumentos - talvez esse seja o meu único senão no assunto. Em compensação, há folhetos explicativos específicos para crianças (coisa, aliás, que tem na maioria dos museus pelos quais passei), que não apenas apresentam o museu e sua importância, como convida os pequenos a interagir, participando de uma ‘caça ao tesouro’ por objetos que fazem parte da exposição. Moedas antigas, éfiges, vasos, tudo pode aparecer. Ao final, ainda se convida a criança a deixar sua arte sobre o que viu - e há um projeto para juntar esses desenhos e expor no Carnavalet quando ele for entregue de volta.

Quão bacana é isso?

Mas, continuemos… terminando a cripta, dizemos adeus aos conquistadores romanos e partimos para o segundo período histórico dessa visita: a Idade Média, que em Paris poderia ser sinônimo para a Era das Catedrais.

Pela proximidade de caminhada, Notre-Dame foi a primeira catedral que visitamos, mas se seguirmos a linha temporal, começamos o roteiro da França medieval pela Basílica de Saint-Denis, que, com o crescimento da cidade, hoje fica nos subúrbios da Grande Paris - e pode ser alcançada sem maiores problemas de metrô, embora seja mais de quarenta minutos de viagem a partir do centro da cidade.


Não conhecia Saint-Denis - nem de viagens anteriores, nem de ouvir falar. Foi lendo Paris sobre Trilhos que descobri a existência da basílica e sua fascinante história. Esse livro, aliás, foi que me inspirou a organizar um roteiro cronológico de visita, então… recomendo bastante a quem estiver organizando uma visita à França.

A igreja existia desde o século VII, sendo local de peregrinação pelo túmulo de São Dinis, um dos santos padroeiros do país. Mas foi no século XII que o fascinante abade Suger resolveu transformar a abadia num monumento como nenhum outro - fortalecendo a monarquia e criando a primeira catedral em estilo gótico no mundo - reforma que durou de 1137 a 1144 (com várias adições posteriores). Ainda hei de encontrar uma biografia do Suger para ler, porque o homem era realmente à frente de seu tempo pelo pouco que estudei…

Para além de seu peso histórico, Saint-Denis também é o lugar onde repousam os mausoléus de praticamente todos os reis da França, até a definitiva abolição da monarquia, no século XVIII. Muitos dos túmulos foram vandalizados na Revolução Francesa, mas ainda é uma visita fascinante, que vale muito à pena.


Devo dizer que não esperava muito de Saint-Denis. Não é um monumento tão conhecido, fica meio fora de mão e cheguei a pensar que seria uma decepção. A verdade, contudo, é que o número menor de turistas torna a visita bem mais agradável que em Notre-Dame; o peso histórico de todos os nomes ali enterrados não diminui a leveza da pedra branca e da iluminação permitida pelos vitrais. Mais que qualquer coisa, porém, tenho de concordar que minha experiência com Saint-Denis foi mágica, quase se poderia dizer divina.

O plano inicial era ter ido à basílica logo no primeiro dia de caminhada; contudo, aquele foi um dia de garoa fina e vento gelado, e terminamos por adiar. No dia seguinte, seguimos para Saint-Denis perto do meio-dia. Estava meio nublado, mas nada como o dia anterior. Descemos à parte da cripta da igreja sem que notássemos algo diferente, mas quando subimos, o sol tinha saído e filtrava através dos vitrais numa profusão de cores. Foi ali que entendi porque se dizia que Saint-Denis era uma igreja ‘em estilo gótico flamejante’, porque parecia de fato haver chamas dançando em suas colunas e abóbadas.


Foto nenhuma é capaz de emular a experiência que é ver esse espetáculo ao vivo e não nego que, quando finalmente deixamos a basílica, estava bastante emocionada. Esse talvez tenha sido o primeiro dos muitos momentos durante essa jornada em que algo parecia ter dado errado (a chuva nos impedindo de ir logo) para então se revelar espetacularmente certo (dificilmente teríamos visto as luzes com o dia nublado).

A Notre-Dame de Paris começou a ser construída em 1163, já influenciada pela gótica Saint-Denis. Deve ser a catedral mais famosa do mundo e não apenas por causa do romance de Victor Hugo ou da adaptação da Disney ou mesmo dos musicais: seus vitrais, sua grandiosidade, toda a mística que envolve sua história, das relíquias aqui guardadas, fazem parte de seu glamour.

Não tivemos tempo de fazer uma visita guiada, nem de ver os chamados tesouros de Notre-Dame, mas assistimos uma missa lá. O plano inicial era comparecer para a missa de finados, mas só descobrimos ao chegar lá que as solenidades se concentram não no dia 02, mas em 01 de novembro, o dia de todos os santos. Contudo, por essas coincidências quase inexplicáveis, haveria uma missa fúnebre naquele dia, para um ex-reitor da própria catedral, que falecera há pouco. Assim é que vimos a missa do monsenhor, rezada pelo Arcebispo de Paris, e cercadas por uma quantidade inesperada de padres, bispos e cardeais. Acho que esvaziaram o seminário, nunca tinha visto tantas batinas juntas.

Imagino que a experiência de ver uma missa numa língua que você não domina de todo seja mais ou menos como era antigamente, com ela celebrada em latim. Deu para acompanhar o serviço pelo papel, entender muito pelo caráter ritualístico, fórmulas que aparecem de memória. Mas foi uma missa bonita, toda cantada, com acompanhamento dos imensos órgãos da catedral.


E sim, não posso negar que todas as vezes que entramos em Notre Dame, God Help the Outcasts estava tocando dentro da minha cabeça. Gostaria de observar que quando finalmente li O Corcunda de Notre Dame e vi o verdadeiro final de Victor Hugo, senti-me trapaceada. Eu não sabia que era uma tragédia!


Continuando na Idade Média, mas já colocando um pé na Revolução, seguimos para a Conciergerie, parte do que sobrou do antigo palácio da família real francesa entre os séculos X e XIV, convertida em prisão do Estado em 1392 e que hoje divide espaço com o Palácio da Justiça. Em uma de suas esquinas, a chamada Quai de l’Horloge, está o mais antigo relógio de Paris. Encomendado por Charles V em 1370, foi instalado em 1371, e até hoje está ali a dar as horas. São quase 650 anos dando as horas.


Embora seu início esteja na Idade Média, a Conciergerie é realmente lembrada por ter servido como prisão de gente famosa no período da Revolução Francesa: ali ficaram antes de perder a cabeça tanto Maria Antonieta quanto Robespierre. Eu me lembro dele como ser um lugar de dar calafrios, especialmente com seus bonecos de cera em celas recriadas do período. Mas, como a cripta arqueológica, a Conciergerie também passou por mudanças no tempo desde que estive lá pela primeira vez.

Nos salões medievais esperando servirem o jantar

Para começar, tiraram os bonecos de cera - que eram de fato, meio assustadores. É possível fazer a visita com um tablet de realidade aumentada, na qual se visualiza como aqueles salões eram no passado, em diferentes períodos. Cada parte é acompanhada de plaquetas explicativas, há lugares para se sentar e assistir pequenos vídeos sobre a Revolução e seus atores. Mais impactante, contudo, foi o que fizeram na Sala dos Nomes. Ela já existia - uma sala com o rol dos prisioneiros que ali esperaram pela guilhotina, no período revolucionário do Terror. Agora, contudo, foi instalada uma mesa multimídia na qual você pode digitar qualquer dos nomes apresentados nas paredes e ler pequenas biografias daquelas pessoas, saber o motivo pelo qual foram presas; encontrar reproduções de documentos importantes, fotos, tudo o que houver disponível.


Do meu ponto de vista, é uma ferramenta fantástica para humanizar, para devolver a história dessas pessoas. Para que as vejamos como algo além de vítimas e uma lista de nomes na parede.

Ao lado da Conciergerie está a Sainte-Chapelle, planejada e construída entre 1241 e 1248. É uma capela gótica, idealizada por Luís IX (também conhecido como aquele que foi canonizado), servindo inicialmente como capela real, quando ali junto ainda ficava o palácio. É uma capela belíssima, totalmente rodeada de vitrais, que foi felizmente salva da destruição no período revolucionário porque a transformaram num escritório e cobriram os vitrais com… armários. Esse é um daqueles raros momentos em que agradecemos aos burocratas do mundo por algo positivo…



Também é um bom momento para sacar da mochila o binóculo e enxergar toda a miríade de detalhes que formam seus magníficos vitrais. Essa, aliás, é uma boa dica de objeto a levar na mala quando igrejas (ou prédios em geral) góticas estiverem no roteiro. Há tanta coisa por ver e perceber… afinal - e isso é sempre importante lembrar quando passamos por esse tipo de edifício histórico - era através desses detalhes que o povo, que na maioria não sabia ler, aprendia. Histórias de santos, o gênesis e o apocalipse, julgamento, redenção… é possível “ler” numa fachada de um prédio gótico até referências políticas da época em que foram esculpidas.


Nesse ponto da história poder-se-ia encaixar uma visita ao Louvre - que começou como uma fortaleza medieval - e Les Invalides, cuja construção foi ordenada por Luís XIV para abrigar os veteranos de seu exército (mas que associo mais a Napoleão, já que a tumba do imperador está lá). A Dynha foi lá nos dias em que a deixei sozinha, porque ambos são museus enormes, que poderiam facilmente ocupar um dia inteiro. Na verdade, acho que se tivesse semanas para passar dentro do Louvre, ainda não conseguiria ver tudo.

Sendo assim, deixemos um pouco a Idade Média e entremos no Renascimento. Para começar, confesso que sempre me esqueço que houve Renascimento fora da Itália… quando penso no que conheço da história francesa, sempre pulo direto da Idade Média para a Revolução de 1789…

No entanto, o renascimento francês foi bem importante. Deu-nos Descartes, Rabelais, Montaigne. Ora, cargas d’água, basta lembrar que Luís XIV, o Rei-Sol, é desse período, e aí você tem a grande obra arquitetônica da época: o Palácio de Versalhes (que não visitei desta vez, mas, hei, aqui está o lugar dele no roteiro histórico).

Especificamente em Paris, há alguns lugares interessantes para visitar e pensar no renascimento. Primeiro, o Hôtel de Ville, a sede municipal de Paris, construída por dois arquitetos, um francês, Pierre Chambiges, e outro italiano (há! não estava tão enganada, não é?), Dominique de Cortone. Já havia uma sede no mesmo local desde 1357; mas construção do prédio renascentista começou em 1533 e foi até 1628. O que vemos hoje, contudo, é uma reconstrução seguindo a arquitetura original, vez que as comunas o incendiaram em 1871.


Quando fomos ao Hôtel (e aqui talvez seja bom avisar que a palavra não era usada da forma como entendemos o significado de “hotel”, mas era meio que um sinônimo de “mansão”), havia uma caixa embrulhada gigante na frente e cheguei a imaginar que fosse a decoração natalina escondida para uma grandiosa revelação (talvez fossem puxar o laço de cima? Meio brega, mas quem sou eu para julgar?). Chegando mais perto, contudo, descobrimos uma fila, além do detalhe de que todas as estátuas da fachada do prédio (e são muitas, representando grandes personalidades da história francesa) estavam segurando pacotes embrulhados.


Eu não devia estar aqui rindo loucamente ao me lembrar disso, mas estou. Fato é que o embrulho gigante era uma exposição combinada com oficinas para mostrar e ensinar a arte japonesa de fazer… embrulhos. Eu juro que não estou tentando ridicularizar tradições culturais, mas sério, eu não consegui parar de rir quando entendi o que estava acontecendo e continuo rindo até agora. Ficar numa fila, na chuva, para fazer uma oficina de embrulhar pacotes quando havia tantas coisas mais interessantes por ver me parece estranho demais. Mas quem sou eu para julgar?


Continuando em frente, um dos lugares mais gostosos, um dos meus preferidos em Paris - e, tenho a impressão, não tão conhecidos de turistas, já que estava bem tranquilo caminhar e se esparramar no gramado lá - a Place des Vosges, a mais antiga praça planejada da cidade. Ela é linda, cercada de mansões dos séculos XVII e XVIII que abrigam vários museus importantes, como o Carnavalet, que citei lá no começo, o Picasso e também a Casa de Victor Hugo, que é aberta a visitação. As cores do outono só encantaram ainda mais o passeio.


Esse é um ótimo lugar para sentar e tomar um café e ficar pensando na vida e apreciando a beleza. Paris, na verdade, é cheia de parques, praças e jardins para se deleitar.

Não muito longe dali - dá para ir caminhando - fica a Place de la Bastille. Hoje ali existe apenas o obelisco, ou a Coluna de Julho, que comemora outra revolução, a de 1830 (para não confundir com a de 1789, sugiro associá-la a Os Miseráveis. E aí você pode pensar na obra monumental de Victor Hugo ou cantarolar uma das canções do musical). Mas este é o lugar em que se erguia a temida prisão da Bastilha, símbolo máximo do Antigo Regime, cuja queda, em 14 de julho de 1789, é o marco para o início da Revolução e da Idade Contemporânea.


A essa altura já passamos por outros marcos da revolução, afinal, toda a cidade foi tomada por uma convulsão naqueles dias e é difícil encontrar algum lugar que não tenha algum fio de ligação com tais eventos. Mas, numa lista básica, creio que para além da Bastilha, seriam a Conciergerie, a Place de la Concorde - onde ocorriam as execuções com a guilhotina - e o Jardim das Tulherias - que foi o que sobrou do palácio que ali existia - os pontos de interesse ao relembrar essa parte da História.

Mas há um outro lugar com uma história interessante que também valeria à pena a visita: o Panteão. O prédio começou a ser construído em 1764 e se intencionava consagrar como igreja para Santa Genoveva, padroeira da cidade. Exceto que, pelo meio do caminho, houve a Revolução, e os revolucionários detestavam a Igreja, de forma que, quando ficou pronto, em 1790, o templo foi redefinido como um mausoléu, onde seriam guardados os restos mortais dos Grandes da França. Voltaire e Rousseau têm suas tumbas de frente um para o outro (o que é meio hilário, já que eles não se bicavam quando vivos). Dumas, Victor Hugo e Marie Curie são outros dos ilustres moradores desta última morada.



Já tendo falado de Napoleão e sua ligação com o Les Invalides, a próxima parada é o Arco do Triunfo. Esse é provavelmente um dos mais famosos monumentos da cidade, no finalzinho da avenida Champs-Élysées, honrando, em suas colunas, os nomes de generais e soldados mortos na Revolução Francesa e nas Guerras Napoleônicas. Em sua base encontra-se o túmulo do soldado desconhecido, uma referência aos combatentes da Primeira Guerra Mundial - ali arde uma chama eterna, para que as pessoas não esqueçam daqueles que tombaram em combate nas duas grandes guerras.


Coincidentemente, nós chegamos à Europa na proximidade do centenário do armistício da Primeira Guerra. Muito se falava no jornal sobre o assunto, especialmente a polêmica decisão de Macron de homenagear Pétain - afinal, embora o marechal tenha sido um dos heróis franceses no conflito de 1914 a 1918, ele foi o líder dos colaboradores quando os nazistas tomaram Paris. Mas esse é assunto que rende outro post e, quanto ao dia do armistício, falarei mais dele quando chegarmos ao post sobre Londres, já que era lá que estávamos no dia 11 de novembro (a décima primeira hora, do décimo primeiro dia, do décimo primeiro mês…).

Voltando ao Arco, Napoleão foi quem o encomendou, em 1806, para celebrar suas vitórias; ironicamente, quem acabou por inaugurá-lo foi Louis-Philippe, após a restauração, em 1836.

Chegamos quando já anoiteceia e só demos uma volta no entorno antes de começar a descer a avenida: a quantidade de turistas tirando fotos de todos os ângulos possíveis dava uma certa agonia, especialmente porque tinha gente que simplesmente… parava no meio da rua para fazer uma selfie. Lembro de ter subido lá uma vez, e embora a vista seja muito bonita, o esforço quase acabou comigo. A Dynha fez essa subida num dos dias em que a deixei sozinha - afinal, para turista de primeira viagem, é um dos pontos que não se pode perder.

Do Arco, claro, o programa seguinte foi descer por toda a extensão da Champs-Élysées (1.9km), admirando vitrines, parando para tomar um chocolate quente e esquentar as mãos. Essa é uma das mais conhecidas avenidas da cidade (e do mundo também) e um lugar maravilhoso para passear, ainda que você não vá comprar nada. Ela é linda, ampla e arborizada, passando por palácios, museus e monumentos, de tal forma que você nunca sabe exatamente para que lado olhar.

Ela começou a ser cultivada (e as árvores aqui são parte tão importante quanto o asfalto, então, sim, o melhor verbo é cultivar) em 1667, como uma extensão das Tulherias. Em 1710, ela já se estendia até a praça em que, mais tarde, foi erguido o Arco do Triunfo. Por volta de 1800, a avenida já era famosa e badalada como um dos endereços mais glamourosos da cidade - foi nesse século que ganhou o Arco do Triunfo, hospedou duas exposições universais, e começou a construção do Petit Palais e Grand Palais - que abrigariam a Exposição Universal de 1900, saudando o início do século XX.

A essa altura dos acontecimentos já adentramos a Belle Époque, no fim do século XIX, até a eclosão da Primeira Guerra. Montmartre seria o ponto de início perfeito para falar dessa época, mas tempo era curto e a Dynha fez essa parte do roteiro sozinha. Na minha lista, no entanto, havia alguns pontos marcando presença desse período: a Galeria Lafayette, a Ópera Garnier, os museus d’Orsay e Rodin, e a torre Eiffel.

A Galeria Lafayette foi um dos nossos primeiros pontos de parada na viagem, porque foi lá, no setor de auxílio ao turista, que compramos o Paris Pass Museum, um cartão que te permite entrar em vários dos mais importantes monumentos da cidade e arredores, ajudando a economizar dinheiro e não perder tempo na fila. Esse é um dos endereços para compras de luxo em Paris, mas também um edifício histórico maravilhoso, aberto em 1893, embora a construção, em estilo art noveau, só tenha ficado pronta em 1912.



Uns dez minutos de caminhada, saindo da galeria, fica a Ópera, construída durante a grande reforma de Napoleão III e do Barão Haussmann, entre 1861 e 1875, sendo uma mistura dos estilos barroco e renascentista. É lugar fascinante não apenas pela arquitetura, história e importância cultural, mas também por ser a morada de um dos personagens mais icônicos da literatura e dos musicais. Sim, é óbvio que estou falando… do Fantasma da Ópera!



Hilariantemente, quando fomos à Ópera, era a véspera do dia das bruxas e estava acontecendo uma grande “caça ao tesouro” inspirada no Fantasma. Havia meio mundo de gente com a famosa máscara do personagem, e atores vestidos a caráter para ajudar na brincadeira.



O museu d’Orsay, num passado distante, fora mais um palácio (sim, há uma profusão de palácios e palacetes em Paris, é para ficar tonto), transformado depois em estação ferroviária, em 1898 - bem a tempo da Exposição de 1900. Serviu como centro de correios durante a Segunda Guerra e depois foi fechado, em 1973, ganhando nova vida como um museu dedicado a arte moderna, sendo inaugurado em 1986 (meu contemporâneo!).

Gosto desse museu pela ligação que ele tem com os impressionistas, que é meu movimento artístico favorito. Na verdade, minha pintura preferida, aquela que eu poderia gastar horas enlevada, observando, está nesse museu: a imagem da ponte sobre o lago das ninféias, do Claude Monet. A noite estrelada de Van Gogh também se encontra aqui, assim como várias esculturas de Rodin.



Vou confessar que não aproveitei tanto o museu dessa vez como de outras visitas. Deixamos ele por último num dia em que já tínhamos caminhado um bocado (conta final foi de pouco mais de 16 km a pé) - cada museu aqui tem um dia da semana em que costuma fechar mais tarde - e calhou desse começo dessa noite ter sido a única com chuva forte em toda a viagem. Sorte que tínhamos nossos guarda-chuvas, mas de toda forma, chegamos com pés encharcados e doloridos e em vez de aproveitar o passeio com vagar, acabamos apenas marcando no mapa o que não queríamos deixar de ver e saímos quase correndo (inclusive por causa do horário de fechamento).

Mais calmo foi nosso passeio pelo museu Rodin - especialmente, pelos jardins do museu, que não apenas nos dá a possibilidade de tirar fotos ridículas imitando a pose do Pensador, mas é extremamente agradável por si só.

Como resistir?

Gosto muito das obras de Auguste Rodin. Não sou nenhuma entendida em escultura, mas me impressiona a forma como os trabalhos dele, dispostos pelo jardim, parecem uma parte da paisagem, nascidos do solo em vez de moldados por mãos humanas. Quero dizer “natural”, mas acho que se utiliza algo como “orgânico” para descrever essa impressão.



Terminando esse roteiro histórico um pouco antes das grandes guerras (que vão aparecer daqui a pouco em outro lugar da viagem), fomos à Torre Eiffel - a primeira vez em que subi propriamente na torre, já que de outras vezes apenas aproveitei para fazer piqueniques pelo Campo de Marte. Construída entre 1887 e 1889 para a Exposição Universal, o projeto, capitaneado por Gustave Eiffel rendeu muita polêmica à época, mas acabou se tornando um ícone da cidade; impossível pensar em Paris sem se lembrar dela.

Na chegada...
... e na saída

Compramos os ingressos com dois meses de antecedência (exatamente no dia em que eles ficaram disponíveis para a data que queríamos) para poder pegar o horário do pôr do sol, porque muita gente dizia que esse era o momento mais ‘mágico’ para ver a vista lá de cima (para ajudar no cálculo, usei esse site que mostra os horários do nascer e do pôr do sol no mundo). Só que essa história de ingresso de hora marcada é meio que balela: depois de passar por três revistas e dois raios-x (algo compreensível considerando os ataques terroristas já ocorridos na cidade), subimos quase quarenta minutos depois do horário no ticket.

Mas valeu à pena. A vista é realmente maravilhosa, e há toda a experiência dos elevadores (um dos quais sobe em diagonal, Dynha teve vertigens) e do vento. Ah, o vento… Não me lembro se já falei, mas chegamos a Paris junto com uma frente fria e pegamos 5ºC nesse dia. Não faço nem ideia de qual era a sensação térmica lá em cima, com todo o vento, mas posso dizer que era meio congelante. Quando desci, não sentia mãos, orelhas nem nariz, mas quem precisa dessas coisas, não é mesmo?


E aqui terminamos Paris. É claro que um monte de coisa interessante ficou de fora, mas esse foi um roteiro ‘resumo’ da história da cidade e ela merece muito mais tempo para se conhecer e explorar. A Dynha teve outros dias para seguir a Montmartre e outras regiões da cidade que ficaram de fora do meu tour e mesmo a Versalhes (que já visitei duas vezes e não estava querendo ir uma terceira…); eu, por meu lado, dei umas esticadas a Normandia, que, não nego, é um lugar para onde definitivamente quero voltar…

Normandia: história, amigos e boa comida

Tenho uma paixão enorme pela região francesa da Normandia e muita vontade de retornar por lá com calma, usando cidades da região como base em vez de ficar indo e voltando a Paris. Lembro de ir a Mont St. Michel em minha primeira viagem à França e ficar completamente fascinada por todas aquelas vilazinhas que passavam pela minha janela. Giverny continua a ser um dos lugares mais lindos que já visitei. E, dessa feita, adicionei ao meu mapa Rouen, Caen e algumas das praias de desembarque de tropas na Segunda Guerra Mundial - esse último um dos lugares que mais queria conhecer, há tempos.

Comecemos do começo… pois embora esse post tenha se iniciado com meu roteiro histórico de Paris, o primeiro lugar que realmente visitamos foram os jardins de Monet em Giverny. Nas duas vezes anteriores em que estive nesse lugar, vi o jardim no verão; dessa vez, encontrei-o em meados de outono e a experiência foi maravilhosa, especialmente porque estava muito tranquilo por lá, sem hordas de turistas como das outras vezes. Chegamos pouco depois do lugar ter aberto e calhou de entrarmos quando saía uma excursão grande, de tal forma que, por alguns instantes, tivemos o jardim japonês quase que inteiramente para nós.


Monet morou aqui por quarenta e três anos - de 1883 a 1926 - e usou o jardim em várias de suas telas, incluindo minha série de quadros favorita, que retrata o lago das ninféias - um famoso painel que está no Orangerie e também uma série de outros quadros, entre eles, o que está no d’Orsay e já confessei amar de paixão. O espaço é dividido em duas partes: o Clos Normand, em frente à casa, repleto de canteiros; e o jardim japonês (Monet adorava a cultura japonesa e a casa tem uma coleção grande de gravuras desse país), onde fica o lago e aquela pontezinha icônica.


Mantenho minha opinião de que esse é o lugar mais bonito que já visitei na vida. Esse era um dos lugares que tinha prometido levar minha tia, um dos muitos, nessa viagem, que ficou ligado à lembrança dela.

Os jardins fecham a partir do dia 01 de novembro, para só reabrir no começo da primavera (algum dia irei lá nessa estação…), por isso Giverny foi nossa prioridade, já que chegamos dia 29 de outubro. É um passeio que toma uma manhã: é possível pegar o trem cedinho em Paris, saindo de Saint-Lazare, e chegar menos de uma hora depois em Vernon, de onde há ônibus, sempre nos mesmos horários do trem, para levar os turistas a Giverny. Quando terminar, pega o ônibus no mesmo lugar, volta para Vernon e segue de trem para Paris. Muito fácil e tranquilo.


Compramos as passagens de trem com bastante antecedência, pelo site da SNFC, a empresa ferroviária nacional de transporte de carga e passageiros. As passagens ficam disponíveis para compra pelo site três meses antes da jornada, e quanto mais cedo você as compra, mais barato elas saem (eu fiz um cadastro no site para ser avisada por email no dia exato em que as passagens começaram a ser vendidas). Na alta estação, eles fazem várias promoções, do tipo ‘compre uma passagem e viajam duas pessoas’, então vale à pena se cadastrar para receber a newsletter do site se você está planejando bater perna pela região. Aliás, foi por esse mesmo site que compramos as passagens de trem para Bruxelas - saiu mais barato que viajar de avião aqui no Brasil. Mas falarei mais do assunto no próximo post.


No nosso caso, saímos pelas 09h (houve um pequeno atraso porque chovera bastante à noite e tinha havido até ocorrência de neve em algumas regiões - como disse antes, chegamos junto com uma frente fria…), e chegamos a Vernon por volta das 09h30. Após passar pelos jardins e a casa de Monet (que é também uma delícia de lugar e eu gostaria de morar lá), passamos pelo Museu do Impressionismo - e essa foi a primeira vez que visitei o museu. Não sei porque passei direto por ele das outras vezes… Mas, bem, foi uma coisa nova para ver dessa vez.

É um museu pequeno, dedicado a exposições temporárias. Nessa temporada, estavam com uma exibição sobre o pintor neo-impressionista Henri-Edmond Cross (que eu não conhecia, mas gostei) e outra sobre o artista japonês Hiramatsu e seus quadros-homenagem às ninféias de Monet. O jardim do museu é agradável e eu até teria ficado mais tempo lá não fosse o frio.

Pouco antes das 13h já estávamos no trem, voltando para Paris. Mas, viajando com mais tempo, é possível explorar um pouco Giverny, que é um vilarejo bem adorável - fiz isso das outras vezes em que lá estive. Havia muita coisa fechada, já que era o início da baixa estação, mas, mesmo assim, vale a caminhada.


A parada seguinte no mapa é Caen, cidade-base para visitar as praias de desembarque de tropas na Normandia. Pesquisei um bocado sobre qual seria a melhor forma de fazer essa parte da viagem, dei uma olhada nos horários de trens, verifiquei os tours que saíam do Memorial de Caen, mas, no fim das contas, decidi não fazer o trajeto por minha conta. Eu teria problemas com questões de horários e não tinha certeza absoluta de como chegar aonde queria chegar. Comprei então na Paris City Vision - que tem vários passeios desse tipo e eu já tinha usado antes, quando fui a Saint-Michel - um tour de um dia, saindo direto de Paris.

A excursão estava marcada para sair às 07 da manhã do escritório da empresa, bem próximo ao Louvre, e eu quase perdi o ônibus. Teoricamente, eu tinha de estar lá para o check-in às 06h30: saí do hotel no horário, peguei o metrô tranquila, mas tomei a saída errada do metrô - uma que subia a rua em direção à Ópera em vez de descer para o Louvre. Ainda estava bem escuro quando saí do metrô poucas luzes acesas e não percebi de princípio o que tinha acontecido. Quando me dei conta de que estava indo na direção errada - depois de achar um gari e um funcionário de restaurante para perguntar - saí correndo feito louca pela rua. Cheguei completamente esbaforida, exatos três minutos antes do ônibus sair.

Mas, no final, tudo deu certo, embarquei e seguimos para a primeira parada do dia, pouco mais de duas horas de Paris: Caen e seu memorial da guerra.


Já tinha lido sobre o memorial, mas nada me preparou para o que foi, de fato, fazer essa visita. É um lugar enorme, construído onde, no passado, havia um bunker alemão (e é possível visitar o bunker preservado no subterrâneo) que começa com a história da Primeira Guerra e vai até a Guerra Fria, com vários recursos multimídia, recriações de lugares, jornais, fotos, filmes, objetos da época, propagandas… Há salas em que projeções na parede te dão a impressão de um avião vir na sua direção. Outras em que você pode se sentar e ver manchetes de jornais enquanto escuta o rádio: Pétain, declarando a colaboração francesa com o governo de Vichy, seguido de Charles de Gaulle conclamando os franceses à Resistência.




Não vou negar: em mais de um momento fiquei com um nó na garganta e olhos marejados. O memorial é disposto de maneira a impactar, emocionar e inspirar. Não é simplesmente um museu. Do momento em que você chega até o final, é algo solene, doloroso, mas necessário. A frase inscrita na fachada, do poeta local Paul Dorey, é um bom resumo do que nos espera nessa visita: ‘La douleur m’a brisée, la fraternité m’a relevée, de ma blessure a jailli un fleuve de liberté’, numa tradução livre “a dor me partiu, a fraternidade me reergueu, da minha ferida brotou um rio de liberdade”.




Passamos a manhã em Caen e, depois do almoço, seguimos para as praias, começando de Pointe du Hoc. É um promontório, cujo nome se deve a um rochedo abaixo das falésias. Ali havia uma série de fortificações alemãs com artilharia pesada, que representavam um enorme risco à operação de desembarque de tropas do dia D - 06 de junho de 1945. Foi o segundo batalhão de rangers dos Estados Unidos que avançou para conquistar a posição, tendo de desembarcar na praia e escalar paredões de até trinta metros sob grande tiroteio. Foram dois dias para conquistar a posição e dos mais de 225 soldados que ali aportaram, apenas 90 sobreviveram à ação.

É possível entrar nas casamatas e andar, com cuidado, pelo terreno repleto de crateras causadas pelas bombas. Há um monumento em memória aos soldados que se sacrificaram para conquistar Pointe du Hoc - uma ação crucial para que o resto do desembarque das tropas desse certo - com a lista de nomes e placas contando a história de alguns desses rangers.



De Pointe du Hoc continuamos para Colleville-sur-Mer (há várias vilas nas redondezas com nomes parecidos, sempre terminando com o ‘sur-Mer’), onde se encontra o cemitério americano. Aqui também há um memorial, vários monumentos em homenagem aos que caíram e um jardim para lembrar os nomes daqueles que desapareceram em batalha.

A excursão em que fui estava cheia de americanos e eu os observei caminhando por aquela imensidão de cruzes brancas me perguntando: para quantos deles aquela era uma viagem pessoal, haveria parentes deles enterrados ali?



Continuamos passando por Omaha - setor de desembarque das tropas americanas -, Arromanches - das tropas britânicas, - e, finalmente, Juno Beach - das tropas canadenses. Em cada um desses lugares havia monumentos em memória dos soldados caídos e era possível descobrir pedaços da história que ali restaram - tanques, barcos, algumas das plataformas utilizadas para criar portos artificiais. E uma infinidade de museus, de todo o tipo para todos os gostos, seja você um aficcionado por equipamentos de guerra, táticas e estratégias ou pela própria história do que aconteceu ali.


O problema de estar numa excursão, contudo é que você não escolhe os lugares onde vai parar ou o tempo que vai passar em cada um deles. Não deu para visitar nenhum dos museus - não haveria, de fato, tempo hábil para ver tanta coisa e voltar ainda a Paris no mesmo dia. Mas essa excursão foi suficiente para saber que eu quero voltar com mais calma e passar por esses lugares no meu ritmo.

Terminando meu roteiro pela Normandia, tivemos Rouen, capital da região. Rouen era uma cidade que estava há tempos na minha lista de “lugares a conhecer”. Três nomes ligados a ela são responsáveis por esse interesse: Joana d’Arc - ela foi mantida aprisionada, julgada e condenada à morte na fogueira nessa cidade -, Ricardo Coração de Leão - cujo coração leonino está numa tumba na Notre-Dame de Rouen, considerada uma das mais belas catedrais góticas do mundo - e Monet - que pintou uma série de quadros sob diferentes luzes da fachada da já citada catedral.

Mas não foi só a parte histórica que fez dessa uma visita tão legal. A Claire - amiga do Jane Austen Lost in France - organizou um encontro com uma turma de janeites francesas, uma representante do grupo belga e mais a Carolyn Finnell, responsável pelo Austen Travel.




Nós nos reunimos ainda em Paris, viajamos juntas e começamos o passeio com um fantástico almoço no salão de chá Dames Cakes. Nunca imaginei que um bom (delicioso) almoço poderia ser acompanhado de chá, mas o negócio funcionou muito bem.


É possível pedir o menu fechado, com um chá, um prato principal e a sobremesa. Na dúvida, você pode pedir dicas de como harmonizar seu chá com o prato que pediu. Cada pessoa recebe um bule individual com a infusão que escolheu - meu bule serviu três xícaras e meia de uma mistura chamada “Marco Polo”, com mel, baunilha e outras ervas. O almoço foi um delicioso crumble de frango com cogumelos (o fato de ver ‘cogumelos’ no menu ser sempre o motivo pelo qual me resolvo por um prato faz de mim uma hobbit?) e a sobremesa… meu deus, as sobremesas eram uma coisa para ficar maluco. Experimentei um pouco do prato de todo mundo que pediu algo diferente de mim e queria poder repetir de tudo: financier de pistache com frutas da estação; moelleux au chocolat com creme inglês; crumble de coco com frutas vermelhas…




Tenho de procurar a receita de tudo para confabular com D. Mãe. E voltar lá um dia para experimentar mais opções...

Após um suntuoso almoço passado com muita conversa, misturando três línguas diferentes e falando um bocado de história, literatura e, claro, Austen, nossa caminhada pela cidade efetivamente começou.

Logo que saímos da estação, já tínhamos passado pela Torre Joana d’Arc, parte do antigo castelo construído Philippe Auguste (Filipe II). Pessoal diz que ela ficou presa nessa torre, mas essa não é bem a verdade verdadeira da história. Ela esteve ali, mas não foi sua real prisão; boa parte da construção foi destruída e como essa torre é dos poucos vestígios que sobraram, ficou ligada ao nome da santa. É possível fazer a visita à torre, inclusive com alguns jogos de escapar, mas primeiro, a torre está fechada para manutenção (baixa estação) e, segundo, o tempo não nos permitiria.

Aliás, o tempo foi o vilão da história. Havia muito que eu queria ver em Rouen, mas desconfio que precisaria de uns dois ou três dias na cidade. Mais uma razão para retornar. Enfim...

Depois do almoço, seguimos para a Notre-Dame de Rouen, uma catedral magnífica, talvez ainda mais imponente que a Notre-Dame de Paris. Ela está passando por reparos, alguns vitrais foram retirados para limpeza, mas isso não tira em nada de sua beleza. O que me fez realmente cair o queixo foi a pequena exposição sobre a história do prédio, em especial, do que aconteceu durante os bombardeios à Normandia durante a Segunda Guerra.



Olhando as fotos das casas destruídas, prédios históricos inteiros ao chão, incluindo a própria catedral, é estarrecedor olhar no seu entorno em ver os frutos do intenso e cuidadoso trabalho de restauração. Caminhando por Rouen, de uma maneira geral, é difícil realmente acreditar que muitas daquelas ruas foram simplesmente obliteradas pelas bombas - não apenas alemãs, mas também dos aliados, vez que uma vez ocupada a França, o regime nazista transformou Rouen em um centro administrativo e logístico. Considerando que muita da arquitetura da cidade, datando do século XIV, era feita de madeira, não é surpresa saber que Rouen ardeu com a chama de vários incêndios. Isso aconteceu em várias cidades francesas - Caen, onde visitei o memorial, transformou-se praticamente em terra arrasada.

Não à toa, depois da guerra, britânicos e americanos reclamavam da falta de gratidão dos franceses… mas quando você vê os números de mortos, a quantidade de baixas civis, a destruição de casas, prédios públicos, de um patrimônio histórico inestimável, não é difícil entender a ambivalência francesa para com seus ‘salvadores’. O custo da liberdade foi altíssimo.

Enfim… a catedral, por si só, é uma visita que vale muito à pena, mas eu tinha um interesse bem específico aqui: o túmulo de Ricardo Coração de Leão, o rei inglês que lutou nas cruzadas, aquele que ‘aparece’ ausente nas histórias de Robin Hood e, por isso, incendiou minha imaginação quando criança. Ressalva: não é o corpo de Ricardo que está ali, mas apenas seu coração mumificado. Era um costume (meio bizarro) para a aristocracia medieval: o coração ficou em Rouen, as vísceras foram enterradas em Chalus, e o resto do corpo está na abadia de Fontevraud.


Eu confesso que fiquei encucada com o motivo dessa separação - fazia-me lembrar os antigos egípcios, mas a divisão, nesse caso, era parte do processo de mumificação. Nunca tinha visto nada sobre múmias medievais, então, após pesquisar um pouco, descobri que era uma prática comum especialmente porque estamos falando de uma sociedade que vivia constantemente em guerra, em que os nobres muitas vezes morriam longe de casa e em circunstâncias violentas, e não era possível levar o corpo de volta para ser enterrado no mausoléu da família.

Mas não é só Ricardo I que está por aqui: Rollo, líder viking, duque da Normandia entre 911 e 927, tataravó de Guilherme, o Conquistador - primeiro rei normando da Inglaterra - também tem seu último repouso nesta catedral. Bom lembrar, a essa altura, que o ducado normando foi possessão inglesa até mais ou menos o governo de João Sem Terra, irmão do Ricardo - personagem que também aparece nas aventuras de Robin Hood, mas do qual me lembro mais como o rei obrigado a assinar a Magna Carta. Isso explica porque um rei inglês está enterrado na França.


Segundo me contou a Marie - nossa guia janeite em Rouen - Rollo foi o primeiro viking a se converter ao cristianismo e é um personagem da série Vikings (que ainda não assisti, mas está na lista). Ele seria o mais antigo antecedente da dinastia Plantageneta, que terminou com Ricardo III (aquele mesmo da peça de Shakespeare).


Nossa caminhada nos levou por ruas só para pedestres e fachadas de docerias de dar água na boca até o Gros Horloge, relógio astronômico que é cartão postal da cidade, e dali até a praça do velho mercado, o lugar onde Joana d'Arc foi queimada.


Há uma igreja para marcar o local, uma construção bem diferente, em formato de navio. Como meio mundo de lugares pelos quais passei nessa viagem, estava em reformas (cheguei à conclusão que eles aproveitam o início da baixa estação, antes da abertura dos mercados de natal, para fazer manutenção em tudo).



É um pouco estranho olhar para a quantidade de gente, o barulho e as cenas absolutamente cotidianas e imaginar o que aconteceu ali. Há lugares em que você tem a impressão de estar pisando nos cacos da História, onde se pode fechar os olhos e deixar a imaginação te levar pelo passado. Tive essa sensação em Caen, em Omaha e Juno Beach, mas não na Place du Vieux Marché. Tentei me concentrar em olhar para as ruínas em que ia pisando, mas não foi a mesma ligação que tive com outros lugares da viagem.


Talvez o problema fosse os tapumes? Ou o leve odor de peixe? Afinal, ainda é um mercado público ali...

Em compensação, o palácio de justiça, com suas gárgulas e sua fachada gótica me deixaram embasbacada - ainda mais quando vi lá também as fotos do prédio no chão após os bombardeios da guerra.



O destino seguinte era o Historiel Jeanne d’Arc, um memorial que conta a história da heroína francesa. Infelizmente, contudo, não pudemos fazer a visita além do hall de entrada porque o Historiel é todo multimídia, é preciso seguir as projeções e audioguides, que começam de hora marcada - e o avançado da tarde significava que não daria para fazer o trajeto e pegar nosso trem de volta a Paris.



Daí por diante, caminhamos de volta à estação, passando pela frente da Igreja de Saint-Maclou e a abadia de Saint-Ouen, terminando diante de um magnífico pôr do sol para então seguir viagem.



Eu tinha planejado, inicialmente, ir a Rouen sozinha. Provavelmente teria conseguido fazer a tempo todos os lugares da lista - e ainda passar pelo Museu de Belas Artes para ver os quadros de Monet. Mas não me arrependo nem um pouco em ter feito meu roteiro na companhia dessa turma maravilhosa. Costumo brincar que nenhuma janeite está sozinha no mundo: viajando, basta anunciar e outras janeites aparecerão para fazer a festa. É impressionante o senso de comunidade que ser um leitor de Austen te inspira - embora eu desconfie que isso não seja exclusividade de Austen, mas algo que faz parte do prazer da leitura.

Exceto pela Claire, eu não tinha intimidade com ninguém do grupo. A Carolyn ainda estava em situação pior, porque ela não falava nada de francês e alguns dos membros do grupo não falavam nada de inglês. Mas nem a barreira de linguagem conseguiu criar reais dificuldades na comunicação de todo mundo. Não houve qualquer estranheza, o tatear de buscar um assunto em comum, típico de quando você acaba de conhecer alguém. Éramos um grupo alegre, meio ruidoso, afeito a gargalhadas. Foi um dia delicioso, que eu não mudaria em nada.

Minha passagem pela Normandia foi meio que um ‘abrir o apetite’. Quero muito voltar; quero ter a oportunidade de parar com todo o tempo do mundo nessas cidades e vilas, devorar os doces típicos. Quero dormir e acordar num lugar como Rouen ou Monte Saint-Michel (ir dormir depois de ver a maré subir e a fortaleza ser fechada!). Quero ver o anoitecer - pois de noite é às vezes muito mais fácil se transportar para outro tempo. E quero, claro, reencontrar todas essas pessoas maravilhosas que tive a oportunidade de conhecer.

Enquanto isso não acontece… continuamos a partilhar as lembranças dessa viagem. E em nossa próxima parada: Bruxelas.


A Coruja


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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.

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