22 de outubro de 2016
#AllHallowsRead: Lovecraft, o Cavalheiro de Providence
Howard Phillips Lovecraft, o cavalheiro de Providence, é um dos mais importantes autores do gênero horror no século XX. Gente como Stephen King, Guillermo del Toro e Neil Gaiman são seus fãs confessos, tendo tomado seu estilo e suas ideias por inspiração. Contudo, Lovecraft só teve fama póstuma, sua vida uma sucessão de perdas e miséria. Seu pai foi internado num asilo psiquiátrico quando ele ainda era criança, após sofrer um surto psicótico, e de lá só saiu morto. Howard foi assim criado pela mãe, duas tias e o avô materno, que o encorajava a ler e escrever e o alimentava com uma dieta de contos góticos de sua própria autoria. Aos seis anos, era um garoto prodígio que já escrevia seus próprios poemas, além de ser um leitor voraz. Era também vítima de terrores noturnos, uma desordem do sono que serviu como combustível e inspiração para muitas das histórias que escrevia mais tarde.
A morte do avô deixou a família em péssimas condições financeiras e ele terminou por abandonar a escola antes de se formar, após um colapso nervoso. Lovecraft nunca tivera uma boa saúde e as coisas só pioraram, terminando por torná-lo um recluso… momento em que começou a escrever os contos pelos quais ficaria famoso. Por essa época, sua mãe também adoeceu, sendo diagnosticada com depressão e histeria, e internada no mesmo asilo em que o pai morrera, onde ela também viria a falecer por complicações após uma cirurgia.
Lovecraft chegou a se casar com uma viúva de algumas posses. Ele trabalhava como jornalista à época, mas era de fato sustentado pela esposa. Houve problemas nos negócios e por um tempo ele teve de arranjar trabalhos temporários, mas no final foi sua mulher quem conseguiu encontrar alternativas para resolver as finanças do casal - como autor, Lovecraft nunca chegou a ganhar muito pelas histórias que mandava para as pulp magazines. Sua sensibilidade e temor da crítica também o faziam hesitar em enviar seus contos para publicação.
A despeito de todos os problemas, Lovecraft foi um correspondente prolífico, mantendo amizade com autores seus contemporâneos - o mais conhecido deles sendo o pai de Conan, o Bárbaro, Robert E. Howard. Dizem seus biógrafos que nos momentos de maior dificuldade financeira, ele teria deixado até de comer para ter o dinheiro necessário para enviar suas missivas. A saúde já frágil e os diversos lugares insalubres em que viveu foram fatores determinantes para sua morte, aos 46 anos. Diagnosticado com câncer de intestino, manteve um diário sobre sua doença até quase o final - o interesse pela ciência e método científico foi algo que o acompanhou por toda a vida.
Vista de forma resumida, a biografia de Lovecraft faz pensar nos eremitas que povoam suas histórias, incluindo ainda os pesadelos constantes de que ele sofria - afinal, muitos dos Antigos, como Cthulhu, lançam seus tentáculos no mundo através de sonhos.
Seu estilo foi especialmente influenciado por Edgar Allan Poe e Lorde Dunsany - sendo que os primeiros ciclos de suas histórias são identificados pelos críticos com um e outro autor. De Poe, Lovecraft herda os arcaísmos e aliterações, a prosa poética repleta de simbolismo, ao passo que Dunsany o inspira com seu panteão de deuses oníricos. São desse primeiro momento alguns dos meus favoritos, como A Sombra de Innsmouth, O Caso de Charles Dexter Ward, A Busca Onírica por Kadath e Nas Montanhas da Loucura. Todas essas histórias trabalham temas pelos quais Lovecraft ficaria conhecido e que ele desenvolveria em seu último ciclo de narrativas, pelas quais ele é mais famoso: os Mitos de Cthulhu.
Religião, superstição, o avanço da ciência como um risco para a civilização moderna, conhecimento do oculto e a noção de que o destino da humanidade é influenciado por criaturas que são mais do que qualquer coisa que possamos imaginar, que ultrapassam o limite da nossa sanidade: seus narradores são em sua maioria espectadores passivos e horrorizados tentando descrever criaturas e terrores tão descomunais que nossa linguagem é incapaz de representá-los. Lovecraft nunca nos mostra por inteiro os monstros que povoam seus pesadelos - ele nos deixa imaginar o pior por nós mesmos.
Não sei quando, exatamente, comecei a ler Lovecraft, mesmo porque não sou uma grande fã de horror. Desconfio que fui atrás para descobrir o que diabos era aquela figura de tentáculos se candidatando à presidência, ou porque ele aparecia em alguma lista de clássicos de fantasia e ficção científica ou então porque em algum momento em algum ensaio, Neil Gaiman o citou nominalmente (citações gaimanianas são um dos grandes motivos para eu ir atrás de um autor que de outra forma não conheceria). O caso é que comecei a ler e de alguma forma fui pescada pelo estilo de Lovecraft, pela grandiosidade perturbadora das sombras que os Antigos lançam no mundo, pelos ângulos e jogos de luz e sombra.
Como a obra do autor já caiu em domínio público, existem várias antologias de diversas editoras. Eu tenho a edição lançada pela Hedra e gosto bastante do trabalho de tradução deles - fora que a mesma editora lançou versões de bolsos das mais importantes novelas de Lovecraft. Se for para escolher só um título, e não um dos calhamaços que juntam boa parte da bibliografia do autor num único lugar, eu recomendaria para o All Hallow’s Read procurar especialmente Nas Montanhas da Loucura e O Chamado de Cthulhu - o básico para começar a compreender e penetrar nos mistérios da mitologia lovecraftiana.
A Coruja
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