31 de agosto de 2016
1 Ano, 365 Contos - Agosto
Diz-se por aí que o mês antes do aniversário vem com uma boa dose de inferno astral. Francamente, não acredito em astrologia nem sou particularmente supersticiosa, mas tenho de admitir que só essa teoria explica tanta complicação e tanta dor de cabeça quanto apareceu nesse agosto que hoje se encerra.
(E já vai tarde, hein?)
Para termos dessa coluna, o impacto prático da longa lista de pequenas e grandes frustrações desse mês é que, embora eu tenha continuado a ler os contos (porque a única coisa que tive vontade de fazer o mês inteiro foi ler, ler e ler e assim ficar pensando só nas histórias que ia acompanhando em vez de nos rolos de agosto), não consegui manter o diário regular do projeto, como fiz nos meses anteriores.
Na verdade, estou escrevendo tudo em cima da hora dessa vez, o que realmente não faz meu estilo, mas vamos torcer para que passado meu aniversário, as coisas voltem ao normal, não é mesmo?
Ok, então… comecei agosto lendo os três últimos contos da antologia The Winds of Marble Arch and Other Stories, da Connie Willis. Mês passado eu já tinha cantado as loas da Willis, maravilhada com seu estilo e sua capacidade de pegar as coisas mais banais e transformá-las, através de sua narrativa bem humorada e inspirada, em jornadas inesperadas.
The Curse of Kings traz uma história que nos faz lembrar as maldições das tumbas de faraós… com a diferença de que ela se passa num universo em que explorações arqueológicas aparentemente se expandiram para outros planetas. O protagonista é um jornalista disposto a qualquer coisa pela história - incluindo se enfiar numa tenda em quarentena com um bando de arqueólogos supostamente tomados pela praga.
Os outros dois contos, Chance e Epiphany trabalham com causas e consequências, têm um pouco de romance e muito de ficção científica. O primeiro trata de uma mulher revisitando seu passado e descobrindo que talvez haja espaço para segundas chances; o segundo é mais uma história de natal - sério, as histórias de natal da Willis são maravilhosas! - e traz três reis magos modernos que se guiam por pequenas epifanias e coincidências atrás da estrela que perseguem.
Tendo terminado os contos da Willis, comecei a ler O Rei de Amarelo do Robert W. Chambers. Tinha muitas expectativas para esse livro, considerando o fato de que Chambers é uma grande influência em autores de que gosto muito, como Lovecraft e Gaiman. E aí, não sei o que deu errado: se foram minhas expectativas, uma ressaca literária ou se o próprio livro. O fato é que terminei de ler quase apulso os treze contos dessa coletânea e nenhum deles me marcou particularmente.
Acho que o grande problema é que eu estava esperando algo lovecraftiano… e embora seja possível reconhecer influências - e é impossível não pensar na correlação entre a peça de teatro maldita que serve como fio condutor de Chambers e o famoso Necronomicon de Lovecraft - a verdade é que Chambers não me convence. Ele não me provoca calafrios como a grandiosidade blasfema que são os mitos de Chtulhu.
Para compensar o cansaço que foi a leitura de O Rei de Amarelo, peguei um volume que chegou esse mês por aqui: Not One Damsel in Distress: World Folktales for Strong Girls.
A primeira coisa que me chamou a atenção nesse livro, claro, foi o título. Se não me falha a memória, ele veio em alguma lista de indicações de livros de fantasia com personagens femininas marcantes e na hora em que bati o olho, já me interessei. A segunda coisa que me chamou a atenção foi a avaliação de uma mãe na Amazon, dizendo que as histórias do livro eram ‘inapropriadas’ por causa das ‘imagens perturbadoras’ e ‘problemas de abandono’.
Obviamente essa mãe também não gosta muito de contos de fadas clássicos e provavelmente vetou a leitura de Barba-Azul e João e Maria na casa dela. E, embora eu entenda certas questões de gatilhos, os argumentos dessa mãe me pareceram muito pouco convincentes. Ou melhor, extremamente convincentes no sentido de que EU PRECISAVA LER O LIVRO.
E no final das contas, Not One Damsel in Distress foi, simplesmente, um deleite. A edição é muito bonita, capa dura e toda ilustrada, e as histórias, adaptadas de contos do folclore de várias partes do mundo, mantém o frescor de suas versões originais. Eu conhecia algumas delas, como Atalanta, a caçadora e Bradamante, mas a maioria delas me foram novidades.
A única coisa de que não gostei é que o livro não foi traduzido para o português e não posso sair estocando dele para dar de presente para minhas sobrinhas. Porque, ao contrário da mãe preocupada que prefere cercar a filha de muros, eu acredito que essas imagens perturbadoras - homens cruéis, mulheres vistas como cidadãs de segunda classe pela sociedade que as cercam, morte e violência - são necessárias (não a níveis de Decamerão ou Marquês de Sade, obviamente). E são necessárias não apenas para que as crianças se preparem para a realidade que eventualmente terão de enfrentar, mas também porque elas nos revelam que há esperança. Que as coisas podem mudar - que nós podemos mudar nossos destinos.
Terminei o livro e ainda tinha mais cinco contos para ler esse mês. Podia ter escolhido de um dos livros que separei aqui para o projeto ou de alguma lista de grandes contos na literatura que fosse pesquisar no google. Mas como já disse antes, agosto foi um mês complicado e decidi encerrá-lo relendo algumas das minhas histórias favoritas do Charles de Lint.
Comecei por The Badger in the Bog, que traz um casal pelo qual sou fascinada: o bardo Cerin e sua esposa, Meran, que fora uma dríade antes do bardo surgir e, com sua harpa, libertá-la da árvore em que ela vivia. Essa história fala sobre nomes e sobre música e instrumentos musicais. Há algo de incrivelmente delicado e até triste nessa história, mas ela se encerra nos deixando com sorrisos no rosto, o que tem por consequência os acontecimentos de Laughter in the Leaves.
Os dois são também personagens em The Stone Drum, onde ajuda Jilly Coppercorn - outra personagem memorável da série Newford a devolver um tambor ao rei dos goblins. Jilly está presente também em Timeskip, uma história sobre fantasmas e crenças.
Terminei então para The Conjure Man, conto escrito em homenagem a Tolkien, e uma história sobre histórias e mitos - sobre arte e sobre como tudo isso ajuda com nossa comunicação, com nossos relacionamentos, com nossa capacidade de empatia.
Foi um bom final, um final confortável, ainda que melancólico, para um mês complicado e desgostoso. Espero que setembro as coisas voltem ao normal. Por outro lado, confesso que foi infinitamente mais fácil escrever o diário do projeto nesse formato mais ‘frouxo’ em vez de dia a dia. Vamos ver como ficará daqui pra frente…
Enfim, os números:
Contos: 244/365
Páginas: 5.159 (518 lidas esse mês)
Tempo: 63 horas e 13 minutos (6h 35min de leitura esse mês)
Setembro começo com Katherine Mansfield. Nunca li nada dela, mas me têm feito indicações bastante positivas da autora. Vamos ver no que vai dar...
A Coruja
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