16 de abril de 2016
Clube do Livro: Incidente em Antares
Fim de semana passado rolou debate do Clube do Livro de Bolso sobre Incidente em Antares, do Érico Veríssimo, e, para um livro que foi escrito 45 anos atrás, a essência da história continua surpreendentemente atual.“Em matéria de dinheiro, o Getúlio é um homem honesto. Mas finge que não vê certas safadezas que se fazem ao seu redor. A sua técnica é a de corromper para governar. E nunca se roubou tanto, nunca se fez tanta negociata à sombra de Getúlio e em nome dele como nesse seu atual quatriênio.”
Dividido em duas partes, o livro começa com uma ampla contextualização histórica da cidade de Antares, que aqui serve como microcosmo para o Brasil. Veríssimo utiliza-se aqui de transcrição de relatos, diários e artigos de jornal para emprestar verossimilhança à narrativa, misturando ficção e História.
A segunda parte, quando ocorre o incidente propriamente anunciado no título, é característica do realismo fantástico latino-americano: no mesmo dia em que é deflagrada uma greve civil dos operários de Antares - incluindo aí os coveiros - sete antarenses morrem e têm negado seu sepultamento enquanto não se resolver a questão.
Sem poderem ser enterrados, os sete mortos retornam ao convívio dos vivos para reclamar seu justo descanso e expôr, sem quaisquer pudores, a hipocrisia e podridão de toda a sociedade.
A história se passa às vésperas do golpe de 64 e não há meio termos na forma como as convulsões sociais da época estão apresentadas. Antares é dominada por uma elite conservadora, machista, preocupada com a manutenção de seus privilégios contra as nascentes idéias políticas surgidas entre a classe social operária.
Isso é mostrado na corrupção generalizada dos políticos e mandatários da cidade; no descaso e desprezo por qualquer justiça social - e acho que nada é mais doído nessa história que a morte de Erotildes no hospital -; na tortura como instrumento de manutenção da ordem e segurança social.“Comunista é o pseudônimo que os conservadores, os conformistas e os saudosistas inventaram para designar simplisticamente todo sujeito que clama e luta por justiça social.”
O final desce amargo pela garganta - com a operação borracha para esquecer o dia em que os mortos se levantaram e apontaram os dedos para o que temos de pior em nossa sociedade; com o golpe militar e a perseguição aos poucos personagens pelos quais tínhamos alguma simpatia - em especial o padre Pedro Paulo, dos poucos a levantar a voz para defender e lembrar os humildes e esquecidos, os deixados à margem da própria humanidade.
Considerando que o livro foi publicado em 71, e as implicações claras ao regime militar, corrupção e falta de liberdade, é surpreendente que o livro tenha passado pela censura.“Eu tive em Antares uma amostra do inferno. A incompreensão, o sarcasmo, a impiedade dos antarenses me doíam fundo. O inferno não pode ser pior que Antares.”
Irônico e repleto de espírito crítico, Incidente em Antares é um livro que deveria ser mais lido, mais estudado, mais comentado. Talvez assim evitássemos viver a cometer os mesmos erros...
Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: Incidente em Antares
Autor: Érico Veríssimo
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2006
Onde Comprar
Amazon || Cultura || Saraiva
A Coruja
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sobre
Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário