28 de agosto de 2015

Heróis de Papel - Capítulo 16


Capítulo 16

Meados de Janeiro (Ano 3)

Alex,

Que feliz coincidência que chegou a tempo para o Natal! Tinha certeza que demoraria tão mais... Espero que esse ano não tenha tido mais amputações e pneumonias, mas, já que estão numa área montanhosa, tenho quase certeza que pelo menos a segunda é inevitável. Não esqueça (nem ignore) seu próprio bem-estar, por favor. Não sei quantos médicos tem seu pelotão, mas me recordo que havia sido promovido, o que significa que há bastantes vidas dependendo de você... e, creio, amigos. Faça uso das meias espalhafatosas, do gorro e do cachecol, por favor. Não se descuide.

Por sinal, já faz dois anos e meio, salvo engano, que está com este pelotão, e já mencionou algumas vezes sobre promoções. Como está o aspecto militar da sua vida por aí? Acho que nunca cheguei a perguntar especificamente sobre isso... Depois que terminar a escola de Medicina, vai assumir um posto militar, ou civil mesmo?

Quanto aos livros, não se preocupe, não é esforço ou provação alguma. Todos os sebos que visitei estão adorando vendê-los, e me dá uma chance de sair mais um pouco, de procurar lugares (e sebos) novos. Sempre gostei de descobrir coisas e lugares.

Entretanto, não o fazia desde que minha mão foi queimada o suficiente para perder boa parte dos movimentos. Isso ocorreu pouco depois da partida de Anna, e, na verdade, até hoje me pergunto se uma coisa não está ligada a outra. Já faz uns quatro anos. Passei muito tempo enclausurado, sem vontade de sair da minha própria toca, conhecer pessoas. Sendo mais preciso, mudei-me para cá porque estava tentando recomeçar minha vida, e você tem sido uma grande ajuda. Teria apenas mudado de cela se não fossem as suas cartas. Não teria saído, não teria sequer conhecido os vizinhos, como mencionei antes.

Luka sempre dizia que era mais fácil me motivar pelos outros que por mim mesmo. É um tanto quanto ridículo, eu sei, mas cada um funciona de uma forma diferente, acredito. Inicialmente, você me deu uma missão a cumprir, algo a fazer... Agora, é uma diversão. Posso não ter mais muita serventia como bombeiro, ou como muitas outras coisas, mas pelo menos isso posso fazer.

Já que estamos nesse tópico, tem mais algo que posso fazer por você. Investiguei algumas das respostas que mencionei na carta passada, e, das sete, quatro indicavam mais ou menos o mesmo local. Creio que estamos nos aproximando... (Mas, se não estivermos, pensaremos em outra solução).

Fiquei realmente surpreso com não menos que CINCO postais novos. E cada um mais bonito que o outro. Adorei, particularmente, as cores alaranjadas de outono com o castelo de seis torres, as pinceladas fortes do postal do castelo ao pé da montanha e, principalmente, o realismo do castelo de infinitas torres (como acabei apelidando). Esse último foi destacadamente meu favorito, não somente pela técnica do artista, fazendo a pintura parecer uma fotografia, como o castelo em si, e também as cores usadas para destacar a primavera.

Com minha coleção de postais aumentando, decidi fazer um mural. Ainda estou pensando como organizá-lo, mas com certeza farei alguma coisa além de exibi-los numa mesa... Até porque a pobre mesa não tem mais espaço. Não que eu esteja reclamando, estou adorando a ideia! Vou tentar, também, incluir os outros itens: as conchas, as pedras e o fóssil.

A respeito desse último, achei bastante interessante, bem como um presente espetacular... Nunca havia visto um tão de perto! De fato, é surpreendente tocá-lo e sentir os detalhes. As pedras também tinham padrões bem interessantes nelas; decerta forma, lembraram-me ovos da páscoa. As que mais gosto são as que têm duas cores bastante contrastantes, que provavelmente são também as mais antigas. Muito obrigado por essas lembranças. Guardá-las-ei com muito cuidado.

Coitado do ator. Mas, realmente, é muito diálogo... Talvez fosse melhor dividir o papel, até que alguém o domine. Ensaios e a apresentação de verdade são situações diferentes, e a pressão também, por menor que seja o público. Na verdade, sempre achei que uma plateia pequena e uma plateia grande são a mesma coisa, em termos de pressão para o artista.

A fotografia ficou bem misturada também, com a tenda, os atores, o figurino e alguns soldados de uniforme. Um pouco de tudo, mas dá para traduzir a alegria do momento.

E Marianne vai me perdoar, mas ela estava apenas parcialmente certa. Mesmo sem a Alice, o seu sorriso é bastante caloroso. Pelo menos foi essa a impressão que tive. (Abrindo um pequeno parêntesis: Marianne diz que será um prazer fazer a limonada e recebê-lo. Aparentemente, há algum tempo ela anda curiosa sobre sua pessoa...)

Eu não tenho o menor talento para música. Sou um completo surdo musical, e Luka adorava frisar isso... Destarte, estou realmente impressionado que tenha aprendido apenas observando e ouvindo. Agora, mais que nunca, anseio por ouvir sua performance, pois, se lhe pediram (intimaram) a fazer o acompanhamento musical, é sinal que você estava sendo modesto quando escreveu que tinha “algum talento para a música”.

Entendo sua preocupação com Alice, mas, desde a evacuação, já se passaram dois anos. Creio que se houvesse ocorrido o pior ou algo muito grave, ou teria saído no jornal (no primeiro caso), ou você saberia por um dos órgãos oficiais. Se tudo correr bem, quem sabe eu já não tenha boas notícias na próxima carta?

Sendo bem honesto, ainda não sei o que Stephenson fez ou foi em sua juventude, de forma que não sabemos se o convidamos para o “Clube dos Oficiais Desonrados” ou não. Certamente, tem idade para ter servido anteriormente, mas ele não diz muito a respeito – o que talvez já seja um indício em si. Outro dia gritou alto o suficiente para ser ouvido a uma quadra de distância, mas ninguém sabe o porquê. O consenso geral é que ele achou o gnomo, mas, surpreendentemente, mantém-se calado a respeito. Tínhamos certeza que, se esse dia chegasse, Stephenson estaria gritando aos sete ventos que finalmente havia encontrado um.

Preciso enfatizar que o fato de eu sequer saber que há um consenso a respeito disso mostra o quanto as coisas mudaram. Agradeço-lhe de novo.

Quanto ao seu comentário, você estava certo. Arthur e eu ressentimos muito por não podermos participar. Por mais que tenha sido horrível e, até hoje, tenhamos alguns reflexos e pesadelos da época, sentimos que era nosso dever estar lá. Agradecemos, contudo, suas palavras. Dividi-las com Arthur, e ele, com um pequeno sorriso que tentou esconder, concordou plenamente. Estamos, de fato, tentando fazer o que pudermos por aqui, mas não há muito que pessoas como nós tenham a oferecer. Ele mal anda, e eu mal posso segurar algo que precise de duas mãos.

Bem, levando em consideração que já estamos próximos novamente de São Valentim, mandei mais chocolates dessa vez. Eles são excelentes para climas frios porque dão energia, e ainda por cima são deliciosos. Os da embalagem branca foi Marianne quem mandou (pelo que entendi, é um pedido de desculpas, mas ela também aceitou seus agradecimentos).

Eu honestamente tentei fazer algo à altura da ocasião do feriado, mas não consegui pensar em nada muito interessante. Resolvi inventar algo inédito, e, assim, você terá em mãos o "chá debaixo do mar". Não sou muito bom em definir precisamente as espécies aquáticas (ou qualquer animal, na verdade, exceto cobras), eis que usei as que estavam à mostra no mercado. Adicionei um algum tipo de tubarão e outro de lontra. A cadeira vazia indica que estão esperando um quarto convidado, que seria o "espectador".

O segundo é um rabisco com você como peça de estudo. Quando vi a foto, imediatamente quis desenhá-lo. Perdoe a ousadia. Ponho a culpa no seu sorriso. E em Marianne, que me chamou a atenção ao mesmo.

Já que mandou uma foto sua, achei correto retribuir o favor. Inicialmente, pensei em mandar um autorretrato, mas desconfio que não seria justo, então mandei a fotografia que batemos no Natal. Talvez reconheça algumas figuras. No centro da foto, com cabelo levemente encaracolado, sou eu.

Que esse novo ano lhe seja bem melhor, e que o traga para casa em sua garupa antes das próximas festas.

Por fim, creio que devesse ter começado assim, mas... FELIZ ANO NOVO!

David.



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