6 de março de 2012
Desafio Literário 2012: Março - Serial Killer || As Esganadas
O barroco é o exagero. O esplendor. A exuberância. A opulência. O pendor pelos detalhes. O fausto e o fastio. É o adjetivo. Nenhuma outra classe gramatical é mais barroca que um adjetivo. Desmedido, em seu estilo rococó, o barroco quase nos oprime em sua profusão de abundância. Na dose certa, no contexto certo, é um deleite de formas e cores – tão suculento quanto um pastel de nata, tão água-na-boca quanto um merengue, tão leve quanto um suspiro.Toda a ficção do Jô é feita de grandes personagens envolvidos em grandes tramas. Os tipos e a trama deste livro são especialmente engenhosos e através deles o autor nos dá um retrato saboroso do Rio de Janeiro no fim dos anos 1930 e começo do Estado Novo — o Rio das vedetes que davam e dos políticos que tomavam, das estrelas do rádio e das corridas de “baratinhas”. E nesse mundo em ebulição chega uma figura portuguesa, saída de um poema do Fernando Pessoa, para elucidar o estranho e terrível caso das gordas desaparecidas que… Mas não vou revelar mais nada. Um dos prazeres da literatura policial é ir acompanhando o desvendar de uma trama, levados de revelação a revelação por alguém com a fórmula exata para nos enlevar — e enredar. No caso do Jô, quem nos guia é um autor que já provou seu domínio do gênero, e que aqui se supera na perfeita dosagem de invenção, humor e erudição que nos prende desde a primeira página, desde a epígrafe. Prepare-se para ser enlevado e enredado, portanto. E prepare-se para outras sensações. Só posso dizer que a trama deixará você, ao mesmo tempo, horrorizado e com fome. E que depois da sua leitura os Pastéis de Santa Clara jamais significarão o mesmo.
Que Jô Soares era um barroco, eu já sabia de outros assassinatos. Mas o homem conseguiu se superar na exuberância suculenta de As Esganadas (mas O Xangô de Baker Street ainda é meu livro favorito dele). A patacoada em torno dos assassinatos das gordinhas esganadas – condenadas à morrer por sua própria gula, estufadas como perus de natal recheados – é barroca até no sotaque lusitano.
Sendo absolutamente sincera, se você já leu um livro do Jô, você já leu todos. O enredo, em si, é mais ou menos o mesmo – há o humor escrachado e também a versão mais sutil, piadas histórias infames, fato e ficção dividindo um mesmo fôlego e uma pitada de Holmes à brasileira (bom saber que não sou a única com uma obsessão...). Isso não significa que ele seja ruim – vejam bem, não é isso que estou querendo dizer – mas que Jô joga com uma fórmula padrão que tem dado certo até aqui e que agrada tanto o leitor de folhetins (com seus capítulos curtos e constantes reviravoltas) quanto ao intelectual fascinado por seu embasamento histórico.
Jô sabe nos transportar para dentro de seus livros. Em As Esganadas você sente a fumaça dos charutos do delegado Noronha espiralando à sua volta, percebe o perfume forte de Calixto e o conforto de doces no forno em torno de Tobias. Diferencia texturas e maravilha-se com as cores – ele te dá uma degustação completa usando de todos os sentidos e, em especial, o paladar.
É um banquete. Absurdo, embriagante, extravagante, sincero – e por vezes cruel em sua sinceridade. E caímos em tentação. Não há como resistir ao pecado da gula: cada página, cada morte, cada cuidadosa orquestração de corpos inchados de tanto comer é uma overdose sensorial que não conseguimos largar.
O que mais há de se fazer? Até essa resenha se transformou numa extravaganza com aspirações barrocas... Mas como não ceder aos encantos e promessas que surgem a cada pista e a cada novo delírio de nosso psicopata de plantão? Como não se perguntar qual será a próxima receita? A próxima revelação teatral?
Meu conselho? A menos que tenha estômago fraco para sangue, prepare a sobremesa... e aprecie sem moderação.
Nota: 4
(de 1 a 5, sendo: 1 – Péssimo; 2 – Ruim; 3 – Regular; 4 – Bom; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: As Esganadas
Autor: Jô Soares
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2011
Número de páginas: 264
A Coruja
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Sobre
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Engraçado, minha mãe leu esse livro e disse que não gostou. Eu nunca li nada do Jô Soares, então nem sei como é o estilo de escrita dele, mas achei até divertido o primeiro capítulo desse livro. Só não li todo ainda porque já estou às voltas com as "obrigações acadêmicas", mas tá aqui, esperando na fila...
ResponderExcluirAcho que depende um pouco de cada um; o Jô é sempre cheio de adjetivos e bastante explícito - seja com o sexo, seja com os destripamentos e outros tipos de morte. Ele não poupa em 'gore'... Eu, pelo menos, gosto - o humor dele é bem a minha praia, carregado de ironias e e adoro a pesquisa história que ele faz, o background das histórias dele é sempre muito bem construído.
ExcluirA resenha está um pitel, mas tenho minhas reservas com relação ao autor. Não sei...é como se a competência e inteligência dele se bastasse e ganhasse mais destaque que a história em si.
ResponderExcluirBem, eu li o livro pelo livro, não necessariamente pelo ego do autor. Ajuda o fato de que não assisto televisão e fora dos livros não conheço muito do Jô Soares. Ele me conquistou em "O Xangô de Baker Street", que li inicialmente por achar a sinopse muito curiosa. Depois disso, tendo gostado do estilo, peguei outros títulos e até agora não me arrependi de ter dado uma chance a ele.
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