1 de junho de 2010
Jane Austen – Parte I: e agora que estão feitas as apresentações...
A essa altura, todo mundo que freqüenta o Coruja já deve saber que depois de amanhã estarei indo para o Rio, onde participo do II Encontro Nacional do Jane Austen Sociedade do Brasil. O que talvez alguns de vocês (ainda) não saibam é que também vou apresentar uma das palestras do evento, tratando do contexto histórico do mundo à época de Austen.
Para poder apresentar esse trabalho, eu fiz o favor de reler todos os livros da tia Jane, com ajuda de um marcador de texto, um caderno de notas, várias viagens à biblioteca, uns tantos volumes de História e muito – mais muito – capuccino.
Não, eu não tomo café. Só capuccino. Caseiro. Feito pela mamãe. Com leite ninho. Lembrem-me de qualquer dia desses dar a receita para vocês...
Ok, voltemos à Jane Austen.
Uma vez que passei o mês de maio praticamente vivendo na virada do século XVIII para o XIX (mesmo quando eu estava lendo coisas que não tinham nada a ver com meu “projeto”, de alguma forma eu acabava indo parar na Inglaterra da época das guerras napoleônicas, indo até a era vitoriana...), eu decidi dedicar o mês de junho no Coruja à Austen – inclusive nos posts de “Na sua estante”, que são as quatro partes da história com que participo da mostra de contos do encontro.
Se você passou os últimos duzentos anos vivendo numa caverna, você talvez não saiba quem seja essa autora. Mesmo que o caro amigo leitor seja o tipo que passa ao largo de livrarias ou estantes de romances clássicos, não é possível que nunca tenha ouvido falar pelo menos em Orgulho e Preconceito – nem que tenha sido só de passagem.
E se não ouviu, meu amigo, o que você estava fazendo da vida até agora? Sendo monge eremita nas montanhas do Tibete?
Jane Austen é considerada por muitos críticos como a segunda maior autora da língua inglesa; ficando atrás apenas de Shakespeare. Apesar de ter escrito relativamente pouco - foram apenas seis romances completos, além da obra epistolar Lady Susan e vários contos que compõem o que chamamos de Juvenilia – Austen conseguiu criar um monumento literário que ecoa ainda nos dias de hoje, duzentos anos após suas primeiras publicações.
Entender o fascínio que essa mulher exerce ainda hoje em leitores (mas, em especial, leitoras) de todo mundo passa por diversos fatores, os quais, unidos, reforçam o motivo de ela ter entrado para o rol de clássicos.
Em primeiro lugar, pergunto a vocês: o que faz de um clássico um clássico?
Essa pergunta pode ter dezenas de respostas – todas certas de um certo ponto de vista. Isso porque podemos entender uma obra clássica como aquela que nos tocou profundamente, que no grande esquema das coisas, deixou uma marca. Nesse caso, estamos falando de um “clássico pessoal”, um favorito, não necessariamente nos grandes clássicos universais da literatura.
Mas, ao fim e ao cabo, eu acredito que os grandes clássicos universais da literatura sejam os favoritos de... alguém. Então, comecemos pensando individualmente antes de partirmos para o coletivo.
Tendo enrolado pelos últimos três parágrafos, dou minha resposta, meu ponto de vista sobre o que seja um clássico: é uma obra que consegue capturar um painel de sua época, ao mesmo tempo em que permanece atemporal, uma vez que fala de coisas, de sentimentos, que são comuns a todas as eras. Um clássico é uma obra não necessariamente sublime em termos gramaticais e extremamente complicada de ler (como alguns críticos parecem pensar), mas uma história que “nos fale à alma”, que seja capaz de nos emocionar – seja às lágrimas, aos risos, aos suspiros ou ao horror.
Jane Austen consegue reunir todas essas qualidade em sua obra.
Ela tece em suas páginas um painel de sua época e de sua sociedade: a Inglaterra da Era Regencial, dividida entre a grandiosidade do Império Britânico (o Act Union que criou a Grã-Bretanha foi assinado em 1801) e as Guerras Napoleônicas – e, mais especificamente, a pequena-nobreza interioriana.
Embora não haja nenhuma menção explícita em nenhum dos livros acerca dos combates dessa época – e, na maior parte da vida de Austen, de 1775 a 1817, a Inglaterra esteve em guerra; primeiro com as Colônias, que se tornaram os Estados Unidos da América; depois com a França de Napoleão (e, por conseqüência, mais da metade do mundo dito civilizado) – há alguns fatos que deixam bem marcadas nas histórias (e, em especial, Persuasão) o que estava ocorrendo no mundo.
Ao mesmo tempo em que seus personagens, os lugares pelos quais estes passam e suas histórias são bastante característicos dessa sociedade em que ela viveu, os livros de Austen continuam tratando de temas bastante atuais.
Em primeiro lugar, os personagens que passeiam pela obra de Jane Austen são autênticos, soam como pessoas de carne e osso, absolutamente reais – são personagens com os quais podemos nos identificar; mesmo os mais caricatos. Eles não são heróis ou vilões absolutos: têm falhas e virtudes.
Ao final das contas, como ela mesma escreveu em uma de suas cartas, "pictures of perfection make me sick and wicked"; no manuscrito Plan of a Novel, ela parodia tudo o que havia de ridículo na literatura de sua época, montando um plano de novela com virtuosas mocinhas, vilões aristocráticos e todos os clichês de um bom e velho folhetim.
Céus, o casal mais conhecido de todos, Mr. Darcy e Lizzy Bennet, passam boa parte da história tropeçando em seus próprios egos e preconceitos! E mesmo assim, são adorados pelos leitores. Se isso não faz dela uma grande escritora, não sei mais o que poderia fazer...
Não apenas podemos nos identificar com os personagens, mas também com seus dilemas. Amor, casamento, família, educação, moral, o lugar que ocupamos na sociedade, nossas ambições, os sentimentos mais sublimes e os mais mesquinhos...
Todas essas questões continuam tão importantes hoje quanto o eram duzentos anos atrás. E vão continuar importantes daqui a mais duzentos anos (se a raça humana não estiver extinta até lá).
Não bastasse unir as duas mencionadas qualidades – apenas aparentemente contraditórias – Austen é simplesmente deliciosa de ler. Ela não tem um estilo rebuscado, cheio de descrições. Pelo contrário, as descrições são raras. Você consegue, contudo, desenhar perfeitamente os personagens em sua mente sob o efeito de seus discursos.
Apenas a título de exemplo, você consegue entender perfeitamente como Mr. Collins é terrivelmente pedante e insuportável apenas pela maneira como ele constrói suas falas. Ou como Mr. Elliot é um tratante melífluo pela forma com que ele não se posiciona de verdade em nenhum momento, sempre diplomático, no melhor estilo Mefistófeles de ser.
Em suma, o forte de Austen são seus diálogos, e eles são rápidos, inteligentes e ferinos - sua característica mais marcante é justamente essa veia irônica que ela demonstra.
Não à toa, ela é uma das minhas autoras favoritas... Todo mundo sabe que adoro autores sarcásticos.
Agora que já tratamos dos porquês da obra de Jane Austen ser um clássico, vamos cuidar de conhecer Miss Jane e entender um pouco o que estava acontecendo no mundo ao seu tempo.
(Continua em “Nos vemos em Waterloo”)
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Oi, Lulu
ResponderExcluirQue legal que vc vai ser palestrante do encontro. Eu gostaria muito de ir, mas não vou poder. Gosto muito de Jane Austen e estou tentando ler todas suas obras, um dia chego lá. Bjs
Acho que vou ter que parar de ler o Coruja.
ResponderExcluirVocê só tá aumentando minha lista de Autores/Livros que eu não posso deixar de ler, e a lista só aumenta!!
AHHHHH!!!
Como vc consegue, hein?