24 de maio de 2011

Os Babacas de Shakespeare (em três atos) - Terceiro Ato


‘Vim arranjar em Pádua um casamento rico: se o casamento é rico, estou feliz em Pádua.’

A Megera Domada – Ato I, Cena II

Catarina, de A Megera Domada e Portia, de O Mercador de Veneza talvez sejam as heroínas shakespearianas que, a despeito de saberem que seus maridos são puros caça-dotes, mais encontram satisfação em seus casamentos.

Claro que, das duas, Catarina ainda é mais feliz, porque Petrucchio, mesmo sendo um babaca, é um infinito entretenimento – e a partir do momento que ela entende como controlá-lo, existe uma chance de que eles sejam ‘felizes para sempre’. Além disso, a despeito do que se possa falar de seus modos, tenho de admitir que Petrucchio nunca foge da raia.

Considero esta uma qualidade admirável, sem dúvida.

Bassanio, por outro lado, não é apenas um babaca, mas um inútil. Porque cargas d’água Antonio arrisca a própria pele (de uma forma muito literal) por esta criatura é algo que cabe conjecturar. Na verdade, ele não seria o único personagem de Shakespeare aberto a uma interpretação homoerótica.

O que só torna mais controversa a questão, visto que Antonio é um cristão empedernido numa Veneza da Idade Média. Desse ponto de vista, acho que Shylock é o mais feliz ao final da peça...

Tudo bem que Portia só fica com Bassanio porque... bem, diante do que seu pai aprontou para decidir qual pretendente ficaria com ela, ela simplesmente escolheu a opção que lhe era menos ruim. É bastante óbvio aliás que ela vai fazer de Bassanio gato e sapato – e ele vai adorar isso, porque nasceu para ser capacho, contanto que haja vinho, comida e música à vontade.

Mais pau mandando que Bassanio, só o pobre Macbeth. Lady Macbeth passa por cima dele como um trator ao longo de toda a peça – ela é, ao mesmo tempo, esposa, mãe e perpetradora de todos os crimes que o marido comete.

O coitado escuta de tudo dela, que o chama de covarde até impotente. Curiosamente, o casamento dos dois é um dos poucos – junto, talvez, com de Antonio e Cleópatra - que se pode dizer feliz (ao menos até antes do assassinato de Duncan).

Petrucchio, Bassanio e Macbeth são babacas relativamente inofensivos (bem, Macbeth é relativamente inofensivo para a esposa...). Hamlet, embora não faça nada diretamente contra Ofélia, é bem mais danoso.

O que aconteceu entre Hamlet e Ofélia antes do príncipe da Dinamarca ser visitado pelo fantasma do pai é difícil de precisar. Aconteceu alguma coisa, pois do contrário Polônio não a teria proibido de dar ouvidos a Hamlet – e vamos concordar que, para um velho interesseiro como Polônio ter proibido a filha de receber a corte do príncipe herdeiro é porque boa bisca Hamlet não era.

O caso é que por conseqüência das ações e omissões de Hamlet, Ofélia enlouquece e morre. Indiretamente, o sangue dela está nas mãos do príncipe, que a precipitou nesse destino por irresponsabilidade, egoísmo e julgamentos deveras apressados.

Há inúmeros outros grandes babacas em Shakespeare. Alguns eu já conheço de nome, outros apenas passei vista de olhos... Mas não posso descascar Tróilo, de Tróilo e Cressida, sem antes ter lido a peça toda e tampouco me indignar com Ângelo sem relembrar através de uma releitura as loucas reviravoltas de Medida por Medida. E Falstaff, embora já seja um velho conhecido d’As Alegres Comadres de Windsor é mais que um babaca, mas um verdadeiro parasita e não cabe na proposta desse artigo.

Talvez no futuro eu possa acrescentar um adendo a esse especial com “outros babacas de toda espécie”... O caso é que chega aqui ao final a minha lista inicial de babacas shakespearianos.

Oh, céus, mas já?

Pois é... tudo que é bom termina um dia. Diverti-me imensamente escrevendo esse especial – que estou prometendo desde março, quando terminei de ler A Megera Domada e assisti Gnomeu e Julieta.

A princípio, fiquei um pouco com o pé atrás para dar continuidade ao projeto. Shakespeare é O Cara, não se enganem – e se escrevi esse artigo foi exatamente porque ele é um autor tão fantástico que te provoca reações fortes, passionais. Só que, por já ser tão repetido que ele é um gênio, existem alguns intelectualóides que acham que dizer qualquer coisa que não seja um elogio é quase um ato de lesa-majestade.

Sim, tenho um senso de humor meio cretino e sim, posso ter feito uma aproximação bastante cretina de alguns dos maiores clássicos da literatura universal. Mas vai dizer que vocês não ficaram curiosos para entender do que raios eu estive falando ao longo de todo mês?

Se pelo menos um dos meus leitores habituais do Coruja decidir ler uma das peças de Shakespeare após ler esse especial, vou me considerar bastante satisfeita.

Aliás, só para constar... não sou a única que se surpreende com a constante desigualdade entre os sexos no mundo criado pelo bardo. Como vocês já devem ter percebido, uma das minhas principais fontes de pesquisa para escrever isso foi o Harold Bloom (que não duvido que tenha um altar dedicado a Shakespeare em casa), e ele diz a determinada altura em um de seus livros:

Os casamentos shakesperianos, cômicos ou não, são tresloucados ou grotescos, uma vez que, invariavelmente, as mulheres se casam com homens que delas estão aquém.

O que são palavras mais bonitas para dizer que eles são babacas. Ou não... tudo depende do ponto de vista...

Mas, enfim, depois de tudo isso, Lulu, o que você realmente acha? Ler ou não ler Shakespeare, eis a questão... E eu respondo: quer você queira rir, chorar, se indignar, comemorar, refletir ou simplesmente se divertir, leia Shakespeare. Não apenas porque ele é um clássico ou um gênio - embora esses sejam motivos bastante válidos.

Leia Shakespeare, antes de mais nada, porque seus livros são como espelhos: vemos ali refletidos o melhor e o pior de nós mesmos. Independente de rótulos e preconceitos, Shakespeare é universal... é humano.

Entender um pouco de sua obra, é entender, também, um pouco de si mesmo.



A Coruja


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