16 de dezembro de 2009
Creepy Fairytales - Parte 1
Lendo os comentários de vocês e conversando com algumas pessoas, cheguei a uma conclusão interessante: a maior parte das pessoas só conhece as versões suavizadas dos contos de fadas originais - e não necessariamente as 'originais' de Perrault e dos irmãos Grimm, mas aqueles que a Disney transformou em filmes.
Essa vai ser uma discussão legal... hehehe...
Muito, muito tempo atrás, não existia essa história de criança, adolescente, adulto... era tudo uma coisa só; as crianças eram consideradas adultos em miniatura, com todos os direitos e deveres que os outros adultos tinham. A idéia de infância é uma invenção até bem recente; o próprio termo foi criado na língua francesa (enfant - criança) por volta do século XVIII.
Pois bem... vamos abrir aqui uma breve discussão que já tivemos antes, mas que é sempre bom relembrar. A arte de contar histórias faz parte de uma tradição oral muito antiga na cultura humana - é através delas que os mais velhos passavam a experiência, o conhecimento para os mais novos; o contador de histórias era também o guardião dos deuses (daí temos o nascimento do mito) - o sacerdote, o pajé, o xamã.
Destarte, quando os contos de fadas nasceram, eles tinham uma função diferente da de "colocar as crianças para dormir". Esses contos nasceram antes do nascimento da infância (que é um conceito cultural, que evoluiu com a sociedade, e não apenas biológico); eram, portanto, histórias contadas de adultos para "adultos" - e, por isso, a idéia de sexo também entrava neles - e podiam ou não encerrar uma moral para seus ouvintes.
É preciso ter tudo isso em mente para entender o fato de que esses contos clássicos, que chegaram até nós de forma bastante romantizada, em suas origens, tinham um elemento de crueza, estando mais para contos de bruxas e demônios que de fadas.
Não que as fadas, em suas origens, sejam criaturas pequenininhas, bonitinhas e fofinhas...
Os irmãos Grimm, Perrault, Andersen e outros pretensos autores de contos de fada, de verdade, não são autores de nenhum desses contos. O que eles realmente fizeram foi compilar as histórias que já estavam na boca do povo - contos que de tão contados e recontados, já tinham ganho milhares de versões diferentes e se perdido em suas origens. No final das contas, foram suas versões, devidamente sanitarizadas, que ganharam o mundo e são essas as histórias que conhecemos hoje.
Ok, pessoal, preparem-se agora para ver parte de sua infância estilhaçada. Com vocês, os tenebrosos contos de fadas...
A Bela Adormecida
Já comentei antes que não ia com a cara da Princesa Aurora, a mais inútil das princesas de contos de fadas. Pois bem... Das versões originais desses contos, essa é, muita provavelmente, a história que mais me dá calafrios.
Originalmente (ou, pelo menos, numa das muitas versões anteriores à imortalizada nos livros), a princesa cai em seu sono encantado não por ter furado o dedo na roca, mas em virtude de uma profecia (ou de um espinho de roseira). Lá fica ela dormindo quando, um belo dia, chega o príncipe, se encanta com a moça adormecida... e estupra ela.
Pois é...
A princesa continua adormecida ao longo de vários "encontros" com o príncipe; engravida e dá a luz a gêmeos - tudo dormindo. Um dos gêmeos, após o nascimento, procurando como se alimentar, alcança o dedo da mãe e, ao chupar seu dedo, remove o espinho (farpa de madeira, etc) de debaixo da unha dela (que eu não quero imaginar se era ou não parecida com a do Zé do Caixão), quebrando a maldição e acordando-a - finalmente.
Em outra versão, o bebê morde o bico do seio dela enquanto era amamentado, arrancando sangue e, fazendo com que ela acorde.
Sem maiores comentários...
Em todo caso... a princesa acorda, vê-se às voltas com dois bebês e não faz nem idéia do que está acontecendo ali. Até que o gentil, cavalheiresco e realmente casto príncipe volta para fazer uma visitinha e se depara com a criatura acordada e os bebês. Sem muita escolha, ele leva a Adormecida para seu castelo.
Agora, numa versão, o príncipe é casado, o que faz da Adormecida a outra. Obviamente, a esposa do príncipe não fica muito feliz com a concorrência e se aproveita de uma viagem do príncipe (que deve ter ido procurar mais castelos encantados com princesas adormecidas...) para fazer uma grande fogueira e preparar um jantar... de bebês.
Há ainda uma outra versão em que no lugar de uma esposa, temos a mãe do príncipe infernizando a vida da Adormecida e dos netos. Vovó também acende uma fogueira. E ai, você pode escolher o final: os gêmeos empurram vovó na fogueira; vovó consegue assar e comer os gêmeos e depois acusa a Adormecida de praticar canibalismo com os filhos (o que faz o príncipe trancá-la numa masmorra), a Adormecida morre no lugar dos filhos, os bebês voltam à vida depois de serem comidos e acusam a madrasta/avó para o pai...
Sério, todos esses finais são válidos.
Excelente história para contar para sua filha antes de ela dormir, não?
A Pequena Sereia
A história de Ariel, tal como transcrita por Andersen, não é um conto de terror, no estilo da Bela Adormecida, mas não tem um final feliz.
A pequena sereia salvou e se apaixonou pelo Príncipe e o seguiu até a terra seca... mas o príncipe está para se casar com outra. Se isso acontecer, Ariel morre. Assim é que as irmãs da sereiazinha lhe oferecem uma faca para que ela mate o príncipe - pois, se ele morrer, então, ela poderá voltar para o mar em segurança.
No dia do casamento, a sereia está lá com sua faca afiada para matar o príncipe... mas então, em vez de matá-lo para garantir a própria vida... ela pula no mar, desfazendo-se em espuma. Andersen só modificou o final, premiando a escolha da sereiazinha transformando-a num espírito do ar.
Mas não se engane... ela continuou morta... e sozinha. E o príncipe se casou com outra.
Branca de Neve
A história da Branca de Neve não nos chegou tão distorcida quanto as outras... Inicialmente, a Rainha não pedia apenas pelo coração de sua jovem enteada (ou filha, porque em algumas das versões, era a própria mãe da Branca de Neve que invejava sua beleza), mas também seu fígado e pulmões - os quais ela pretendia servir no banquete real daquela noite...
Agora imagine o livro de receitas da rainha...
Bem, existe uma explicação para isso... Em algumas mitologias, a idéia de comer o coração de seu adversário implicava na absorção da força e coragem dele (motivo pelo qual certas sociedades praticavam grandes rituais de canibalismo com seus prisioneiros de guerra)
Além disso, a Rainha teria visitado Branca mais de uma vez - primeiro, tentando lhe vender um corselete (e quase matando-a sem fôlego aós apertar a peça demais) e depois, com as maçãs. Branca de Neve não chega realmente a engolir a maçã envenenada - ou então, teria morrido, por certo. O pedaço de maçã que ela come fica entalado na garganta, asfixiando-a. Branca de Neve então cai num sono encantado, até que um príncipe apareça na floresta, e a veja em seu esquife de cristal construído pelos anões.
O príncipe então negocia com os anões e consegue permissão para levar Branca de Neve consigo. Não, ele não a acorda com um beijo. Ele não parece estar muito interessado em acordá-la, na verdade.
Quem mais concorda comigo que ele provavelmente é o princípe da Bela Adormecida, que desapontado com o fato de que Aurora acordou, saiu pelo mundo atrás de outra princesa magicamente adormecida para... bem, vocês já devem saber para quê, não é mesmo?
Em todo caso... o príncipe negocia com os anões e consegue permissão para levar a Branca de Neve. Ele a coloca em seu cavalo e parte em direção a seu castelo (ou outro lugar qualquer, quem sabe?), mas então, numa parada brusca que o cavalo dá, a maçã desentala da garganta da moça, e ela volta a respirar.
E não me pergunte como ela sobreviveu o tempo que o príncipe levou para aparecer sem respirar. Esse é um dos grandes mistérios do Reino de Tão, Tão Distante.
Antes que eu me esqueça: na história dos irmãos Grimm, o conto termina com a Rainha sendo forçada a dançar até a morte em sapatos de metal aquecidos. Que beleza, hein?
(Continua...)
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Eu sabia de uma versão da Bela Adormecida que metia necrofilia pelo meio.
ResponderExcluirTudo histórias muito interessantes.
Também já conhecia a verdadeira história da Pequena Sereia, assim como sei que também há umas trezentas versões da Rapunzel e do Lago dos Cisnes (que eu, particularmente, gosto do final). Mas não as outras
Nossa...Não posso dizer que eu esperava por isso...acho que eu esperava famtasmas, não sei pq....
ResponderExcluirDe qualquer modo é legal saber o original, ou não tão original assim ^^
Espero q a 2ª parte não demore a chegar (olhar meio maligno)
É só brincadeira, são contos realmente bem creepy....
Realmente, esses contos parecem mais terem sido criados pela Masaka Maho...
ResponderExcluirE a diferença entre a versão Disney e as versões de Andersen e dos Grimm é brutal, a tal ponto que algumas histórias, como a da Bela Adormecida, ficam irreconhecíveis para muita gente...
Dá licença que vou ver o restante desse banquete... fui!
Minha nossa!
ResponderExcluirEu sabia que os contos de fadas eram conversa pra boi - ou melhor, pra criança - dormir. Mas ver a verdade nua e crua compilada é mesmo de arrepiar! rsrsrs... Meu professor de Estudos Literários chegou a dar numa aula um dos "contos de fada" - ele estava explicando sobre tipos de narrativa - e deu-se a discussão sobre o que era verossímel ou pura adaptação da Disney. Foi interessante...
Sinistro, muuuuito sinistro.
ResponderExcluirEsses estranhos hábitos do príncipe da Bela Adormecida me lembraram um conto de Kleist, A Marquesa d'O, se não me engano.
E, na versão da Branca de Neve que eu tenho, em vez do corselet sufocante, a bruxa deu à Branca de Neve um pente envenenado, que se cravou em sua cabeça quando ela foi usá-lo. Só que os anões chegam a tempo e soltam o pente de sua cabeça antes que o veneno se espalhasse.
Vou responder a todo mundo de uma vez só, porque deixei os comentários se acumularem...
ResponderExcluirNão me lembro de qual versão a Stradivaria está falando, de O Lado dos Cisnes, mas vou pesquisar depois se você não me contar. Fiquei curiosa...
E essas versões que postei aqui, bem, nem todas são dos Irmãos Grimm, de Andersen e Perrault, Rodrigo, porque eles já deram uma suavizada nos contos quando os compilaram - não, essas versões mais sangrentas são da própria cultura popular, cujas reais origens se perderam - são as histórias em que esses escritores se basearam para seus contos.
A, Régis, eu também conheço a do pente. Como eu disse antes, existem milhares de versões desses contos; eu fiz apenas um resumo dos detalhes mais... interessantes...