30 de janeiro de 2023

Até mais e obrigada pelos peixes (ou ainda, O Sabático da Coruja)


Em maio deste ano, o Coruja completa quatorze anos de existência, de forma praticamente ininterrupta (algumas pequenas e breves pausas em períodos de férias, festas ou estafa mental desta que vos escreve). Ele começou quando eu ainda estava na faculdade, como uma válvula de escape e repositório para todo tipo de coisa que me passava pela cabeça e sobre a qual eu queria escrever, aos poucos transformando-se num blog predominantemente literário.

Pelo blog, conheci gente maravilhosa (tanto no mundo virtual como presencialmente), vivi algumas aventuras, compartilhei ideias e participei de debates e reflexões que me marcaram muito. Eu gargalhei como vilã da Disney escrevendo parágrafos cheios de ironia, quase enlouqueci montando tabelas e pesquisas comparativas para preparar posts especiais que eram quase monografias (estou olhando para você, Sherlock Holmes), e suspirei de alívio quando consegui despejar na página em branco ensaios inteiros que tinham ficado incubados na cabeça e me acordado no meio da madrugada com tangentes mirabolantes.

São quatorze anos maravilhosos… mas também de um bocado de estresse.

Já comentei mais de uma vez por aqui - muitas vezes em tom de galhofa - que sou uma criatura bastante ansiosa. Escrever sempre foi uma das formas que tive para lidar com isso - junto com fazer listas e planejar com detalhes tudo o que posso planejar para não ter dor de cabeça mais pra frente. O problema é que em algum ponto no meio do caminho, meu cérebro deu tilt olhando para as listas e cronogramas com coisas por fazer nos próximos 1001 dias (para dar uma de Sherazade), jurando de pés juntos que ele tem de resolver tudo aquilo até amanhã.

Parte do problema foi a pandemia, que levou muita gente ao surto de vez… mas boa parte foi o meu próprio empurrar com a barriga um problema do qual eu tinha consciência, mas minimizava - porque é uma tendência mesmo acharmos que ansiedade, estresse, depressão e uma enorme gama de transtornos mentais é mimimi, frescura, “vai procurar alguma coisa para fazer que num instante isso passa”.

Fato é que cheguei num ponto em que me descobri paralisada, feito barata tonta que tomou porre de DDT, incapaz de tomar algumas decisões que precisavam ser tomadas, de terminar coisas que tinha começado, e olhando para as minhas listas e a porrada de anotações na agenda com uma mistura de pânico e náusea. E sim, a náusea foi um sintoma muito presente nesse processo, com meses de estômago embrulhado, sem conseguir comer direito e indo chorar as pitangas no colo da gastro.

Depois de uma bateria de exames que só encontrou minha velha conhecida, a gastrite crônica (mas tão leve que só apareceu na biópsia da endoscopia!), eu finalmente botei na minha cabeça que o que precisava era de terapia. E uma das primeiras coisas que tive de aprender nesse processo foi a me “desorganizar” - ou melhor, reconhecer que eu não precisava, em agosto, comprar a agenda do ano seguinte e sair preenchendo ela toda. E sim, isso é um episódio real, que terminou comigo ao telefone com a Ísis, para ela me distrair de entrar na papelaria e cometer loucuras.

Como disse antes, parte do agravamento da situação se deve à pandemia. Foram alguns anos de perdas de pessoas queridas (não necessariamente para a Covid, mas também por ela); doenças na família (ter esfregada na cara vulnerabilidade e mortalidade dos seus pais é sempre angustiante), muita incerteza e a constante insanidade dos noticiários. Coisas sobre as quais não havia como eu exercer controle, o que me fazia me aferrar ainda mais sobre aquilo que eu podia controlar.

Enfim, passei o último ano e meio trabalhando a minha capacidade de flexibilizar as coisas, tentar levar a vida (e a agenda) com mais leveza. E, depois de muita reflexão e conversa, cheguei à conclusão que precisava dar uma pausa no Coruja.

Quando o blog começou, eu escrevia livremente, sem muita dor de cabeça, sobre qualquer assunto. Houve meses em que postei todos os dias, até mais de uma vez num único dia. Aos poucos, contudo, eu fui saindo de uma espécie de diário público para um tom um pouco mais sério, e um tanto mais formulaico também. Posts especiais dependiam de pesquisas que eu me organizava para fazer com meses de antecedência. A necessidade de pesquisa e organização bibliográfica me levou a criar cronogramas coloridos com uma quantidade de colunas fixas, posts direcionados por datas específicas (aniversários de autores ou publicações).

Toda essa organização foi tornando tanto a escrita do blog quanto a minha escolha de leituras a fazer uma coisa cada vez mais engessada e, sim, neurótica (como só uma virginiana consegue ser). E aí a leitura - que sempre foi um refúgio - e a escrita - minha principal válvula de escape - tornaram-se parte do problema, da bola de neve em que a ansiedade ia se tornando.

Eu até poderia começar 2023 com a meta de voltar aos primórdios do blog e só escrever quando realmente estivesse com vontade, em vez de me forçar a fazê-lo para seguir o planejamento. Afinal, escrever não é nem nunca foi o problema: não estava planejando fazer nenhuma resenha esse mês, mas fui compartilhar a foto da minha primeira leitura do ano - seguindo minha tradição de mais de década, foi mais um livro do Terry Pratchett - e, quando pisquei percebi que tinha basicamente escrito quatro parágrafos inteiros direto no celular (algo que não gosto de fazer) e ainda não tinha terminado de tagarelar sobre o assunto.

A pausa que preciso fazer é uma forma de tentar reeducar minha mente. Se eu não expusesse a situação e dissesse com todas as letras que estava fazendo uma pausa, é bem possível que mês que vem eu rompesse minha promessa para mim mesma e começasse a fazer uma nova agenda de posts e embarcasse na espiral do cronograma codificado com todas as cores do arco-íris (tem o desafio do Read Christie 2023; queria propor algo inspirado no Lendo Perigosamente, talvez uma campanha/desafio literário do tipo “seja subversivo, leia livros”!).

A tradição bíblico-judaica tem um conceito que sempre achei interessante: o ano sabático: você semeia a terra por seis anos e, no sétimo, permite que ela descanse. É uma forma de não exaurir o terreno, de permitir uma renovação. Em termos pessoais, tirar um sabático é também permitir um repouso à mente e preparar a terra para plantar novas sementes. Decidi me inspirar nela, fazer meu próprio sabático (o meu Ano da Graça). Para mim, será reaprender a usar a escrita de forma terapêutica, deixando de associá-la a uma obrigação que só existe na minha própria cabeça, e que acaba se tornando um gatilho de auto-cobrança.

E o que tudo isso significa em termos práticos? Para quê tanta prolixidade quando poderia apenas pendurar a plaquinha de “em hiato”, tipo Vovó Cera do Tempo temporariamente fora do corpo? Bem, por todas as razões já elencadas (ansiedade, necessidade de controle e a questão de deixar claro o que está acontecendo para não voltar atrás na meta), eu não seria capaz de sumir sem dar maiores explicações, independente de quantas pessoas vão ler isso. E também porque dar o exemplo, expôr um pouco do problema, talvez possa ajudar outra pessoa que conviva com as mesmas questões e ainda não conseguiu pedir ajuda.

Em termos práticos, isso significa que o Coruja continuará no ar, eu vou continuar interagindo se me mandarem comentários (aqui ou nas outras redes, Skoob, Twitter e Instagram é onde apareço mais), mas vou passar um tempo mais recolhida. Não vou entrar em desafios, nem inventar especiais, nem planejar de um a três posts por semana; se for escrever alguma coisa, só se a mão coçar muito, a inspiração der marretada na cabeça, for uma coisa espontânea ou que eu considere muito importante - o que provavelmente significa que será mais fácil me encontrar na Conversas Sobre o Tempo.

E quando as coisas estiverem mais calmas, o campo descansado e as sementes prontas para plantar mais uma vez… estaremos aqui de volta.


[ou antes, afinal, como já se sabe... bem, na verdade, o que se sabe é que não se sabe o dia de amanhã!].


A Coruja


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5 comentários:

  1. Puxa, sinto tanto ter encontrado este espaço e logo depois ele entra em hiato. É uma pena. Estava gostando muito de ler o que há de novo por aqui. De qualquer forma, tem muita coisa pra ler neste blog, então não estou de todo desamparado.
    Tenho uma relação de amor e ódio com a escrita, principalmente porque persigo o sonho de ser escritor. Por isso, persigo a escrita quase obsessivamente.
    Mas enfim, desejo que logo você reencontre na escrita essa relação terapêutica.

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    1. Olá, Samuel! É um prazer ter-te aqui! Não se preocupe que a Coruja montou uma biblioteca gigante, então certamente poderás ficar entretido por muito tempo mesmo sem conteúdo novo.

      E de qualquer forma, não foi um adeus, foi um "entrei em férias forçadas"!

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    2. Como a Ísis bem disse, tem bastante coisa com que se distrair por aqui. E sim, o plano é que seja umas férias longas, mas ainda assim, que, em algum momento, consigamos retornar.

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  2. Oiiiii lu que seu ano sabático seja repleto de graça e refrigério.

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