30 de setembro de 2020
A Vertigem das Listas: Dez Poemas que Levamos para a Vida
Lulu: Não direi que poesia é um gênero que está sempre entre as minhas leituras… mas nos últimos anos tem aumentado o número de livros de poemas que aparecem nas minhas listas ao final do ano…
Foi com essa percepção na cabeça que decidi trazer um vertigem poético, de Dez Poemas que Levamos para a Vida. Para mim, não são versos os mais belos poemas que já li na vida… mas são versos que volta e meia me retornam à mente e que me tocaram de alguma forma profunda.
Para que a Ísis não entre em desespero - porque na hora em que falei qual seria o tema, ela já disse que não tinha nem ideia de por onde começar… - vou liberar o uso de letras de canções; que, afinal, não deixam de ser poesia também. Mas isso me faz pensar em como, hoje em dia, poesia é vista como um bicho de sete cabeças por quem está de fora do nicho em que se escondem os poetas.
Ísis: Juro para ti que nem lembro de ter falado qualquer coisa a respeito, até porque nem lembro de você ter proposto isso antes de eu ver o arquivo em si. Mas, sim, seria exatamente o que eu diria de qualquer forma… nunca fui muito de ler poesias e poemas, apesar de adorar escrevê-los… Então obrigada por liberar as letras de músicas!
Lulu: Você comentou comigo acho que por e-mail, quando mandei a lista dos temas que queria propor para o ano.
Enfim, tratemos do que interessa...
1. Começo minha lista com Aqueles Domingos de Inverno, de Robert Hayden. Não me lembro onde foi que encontrei esse poema pela primeira vez, mas tenho ele anotado num caderno antigo, no original em inglês, com uma tradução a lápis e notas de interpretação. Acho esse poema de uma delicadeza melancólica, sobre como muitas vezes deixamos de enxergar aquilo que nossos pais fazem por nós. O final é uma facada. Engana-se quem pensa que amor seja feito de gestos grandiosos e acho que essa é a essência desse poema. Copio do meu caderninho, lembrando que não sou tradutora nem poetisa, na minha tradução algo literal.
and put his clothes on in the blueblack cold,
then with cracked hands that ached
from labor in the weekday weather made
banked fires blaze. No one ever thanked him.
I’d wake and hear the cold splintering, breaking.
When the rooms were warm, he’d call,
and slowly I would rise and dress,
fearing the chronic angers of that house,
Speaking indifferently to him,
who had driven out the cold
and polished my good shoes as well.
What did I know, what did I know
of love’s austere and lonely offices?
Nos domingos também, meu pai se levantava cedo
E colocava suas roupas no frio azul sombrio
Então com mãos rachadas que doíam
Da semana de trabalho sob a intempérie
fazia arder as brasas. Ninguém lhe agradecia.
Eu acordava e ouvia o frio crepitando, partindo-se
Quando os quartos estavam aquecidos, ele chamava,
E devagar, eu me levantava e me vestia,
Temendo as fúrias crônicas daquela casa,
Falando indiferente a ele,
Ele que espantava o frio
E polia meus bons sapatos também.
O que sabia eu, o que sabia eu
Dos austeros e solitários ofícios do amor?
2. Manuel Bandeira é um dos meus poetas brasileiros favoritos e agradeço as aulas de literatura do colégio e a lista de livros do vestibular por ter me obrigado a lê-lo. São muitos os poemas dele que eu poderia colocar aqui - gosto do seu humor, de suas brincadeiras de ritmo, de seus mapas afetivos -, mas fugirei da óbvia Pasárgada pelo singelo Consoada: um poema sobre morte, sobre estar preparado, e sobre não temer a hora em que ela chega.
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
3. Com Bandeira, Vinícius de Moraes é meu poeta brasileiro favorito. Difícil escolher um único poema dele para essa lista, mas ficarei com o Soneto da Fidelidade, que aprendi menina e até hoje sei declamar de memória (porque ele aparecia junto da letra de Eu Sei que Vou Te Amar e aprendi o soneto dedilhando a canção). Sou particularmente apaixonada pelo versos finais dele.
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
4. O próximo da lista é uma poetisa: Elizabeth Barrett Browning, que achava que tinha conhecido como personagem de um pequeno e delicioso romance de Virginia Woolf, Flush: Uma Biografia... até me lembrar que já a lera na minha edição completa de Manuel Bandeira, já que ele traduziu os poemas dela. Enfim, segue o original e tradução de Bandeira do Soneto 43, uma graciosidade e um dos melhores poemas românticos que já li.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of everyday’s
Most quiet need, by sun and candlelight.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee purely, as they turn from Praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood’s faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints,—I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life!—and, if God choose,
I shall but love thee better after death.
Amo-te quando em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.
5. Minha próxima escolha descobri escrevendo as análises do Projeto Lendo Sandman. Ode, de Arthur O’Shaughnessy é um poema sobre o ofício de artista. Um dia eu vou fazer um quadro com esse poema e pendurar na minha porta, para ler e reler essas palavras sempre que entrar. Na época do projeto, não encontrei o poema traduzido em português, então segue minha versão de novo… Um aviso: o poema é enorme e aqui está apenas uma parte dele; vocês podem encontrá-lo completo aqui.
And we are the dreamers of dreams,
Wandering by lone sea-breakers,
And sitting by desolate streams; —
World-losers and world-forsakers,
On whom the pale moon gleams:
Yet we are the movers and shakers
Of the world for ever, it seems.
With wonderful deathless ditties
We build up the world's great cities,
And out of a fabulous story
We fashion an empire's glory:
One man with a dream, at pleasure,
Shall go forth and conquer a crown;
And three with a new song's measure
Can trample a kingdom down.
We, in the ages lying,
In the buried past of the earth,
Built Nineveh with our sighing,
And Babel itself in our mirth;
And o'erthrew them with prophesying
To the old of the new world's worth;
For each age is a dream that is dying,
Or one that is coming to birth.
Somos os fazedores de música, e somos os sonhadores de sonhos,
Vagando por solitários quebra-mares, e sentando junto a desolados riachos;
Perdedores do mundo e esquecidos do mundo, sobre os quais a pálida lua brilha:
E contudo somos os que movem e agitam sempre o mundo, ao que parece.
Com maravilhosas imortais cantigas construímos as grandes cidades do mundo,
E de fabulosas histórias moldamos a glória de um império:
Um homem com um sonho, à vontade seguirá adiante e conquistará a coroa;
E três com a medida de uma nova canção podem levar um reinado abaixo.
Nós, nas eras que se encontram no passado enterrado da terra,
Construímos Nínive com nossos suspiros,e a própria Babel com nosso júbilo
E as derrubamos profetizando aos antigos o valor do novo mundo;
Para cada época há um sonho que está morrendo, ou um que está vindo a nascer.
Ísis: Vamos lá! Eu gosto muito de músicas que celebram a vida e que encorajam perseverança, então muitas das minhas escolhas refletem isso:
6. I’m Alive, da SiA. Quer algo mais motivador que a voz épica dessa mulher? Impossível! E essa letra é toda sobre sobreviver e superar as dificuldades, inclusive as que vêm de dentro de nós mesmos. Esse tipo de música são as que mais me motivam, e eu as adoro. Não é a toa que a SiA canta vários encerramentos de filmes, inclusive o da Mulher Maravilha (Unstoppable). Ela é muito boa em dar um fator a mais à mensagem de nunca desistir da sua própria jornada.
7. Adoro músicas sobre família, sobre apreciar nossos pais e nossas raízes, e músicas que acabam com o nosso coração pela saudade ou arrependimento depois que eles nos deixam. Já viram o clipe de Hurt, da Christina Aguilera? Marcou-me, e esse título foi merecido porque doeu mesmo! Devo acrescentar, porém, que a verdade é que eu sou fã de praticamente todas as músicas dessa fenômeno, quer pelo domínio da voz, quer pelo que as letras dela pregam, quer pela campanha de empoderamento feminino. Ela, a SiA e a Ruelle são minhas cantoras preferidas, Ariana Grande vindo logo atrás.
8. Como ambientalista que sou, não podia deixar de citar The Earth Song, do Michael Jackson. Tanto o clipe quanto a letra são de trazer um certo vexame à nossa indiferença ao único planeta que temos. Ele foi tão brilhante que aproveitou para fazer uma crítica às atrocidades que cometemos uns aos outros também. Escolhi essa para representar outra categoria de músicas que aprecio: as de crítica social. Nickelback, por exemplo, é uma banda que aprecio muito por ser muito boa tanto em músicas que criticam, quanto em músicas que motivam.
9. A cultura japonesa é obviamente diferente da nossa, e isso se reflete em letras de músicas também. A ritmo e a continuidade das letras não são como as do ocidentais, pois elas costumam ter um significado independente dos outros versos. Ainda assim, elas não perdem o poder de afetar os ouvintes, ainda mais quando unidas alguma produção visual como filmes, séries e animes. Minha nona indicação, Brave Shine, é a segunda abertura de Fate Stay Night: Unlimited Blade Works. Tanto a música quanto o anime em si acabam comigo sempre que ouço ou revejo Confira a tradução aqui. O vídeoclipe oficial da música dá para conferir aqui.
10. Para finalizar, escolhi uma das letras de anime que mais canto por apreciar a letra: A Sign of Wish, da Makiyo. Por incrível que pareça, essa linda música é encerramento do anime “infantil” Beyblade G-Revolution. A letra é sobre correr atrás do seu sonho e não desistir, mesmo que o mundo esteja contra você. Dá para ouvi-la aqui.
E já que estamos falando de músicas/letras japonesas, vou apresentar uma pérola da indústria nipônica (adiantem ae os 1:02 se quiserem pular para a parte mais relevante). O grupo Momoiro Clover Z canta essa maravilha de música sobre… coco no verão. O refrão é sensacional. XD
Lulu: Tu fosse longe, hein, Isinha?
Antes que a Ísis invente mais uma, vamos nos despedir. Mas não se esqueçam de comentar sobre suas poesias preferidas!
Até a próxima!
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