28 de janeiro de 2019

A Vertigem das Listas: Dez (outros) Começos Memoráveis


Lulu: Ok, então… esse ano, o Coruja completa 10 anos de existência. Dez anos! Caramba, é muita coisa… Parece que foi ontem que fugi de uma aula de filosofia em que o professor só fazia olhar para a parede e liguei para a Ísis quase tremendo de emoção e exclamando “decidi começar um blog! Vou me inspirar na busca por inspiração do meu professor - só que em vez da parede do fundo da sala, o teto será minha musa!”.

Ok, não foram exatamente essas as palavras que usei - ou talvez tenha sido, eu não me lembro de muita coisa além do sentimento de empolgação e do olhar perdido do professor filósofo.

Seja como for… pensando em formas de celebrar esse marco, uma das (várias) ideias que tivemos aqui no quartel-general foi resgatar ao longo de todo o ano temas de vertigens passados, sempre em listas de dez. Isso porque alguns temas mereciam listas maiores do que tiveram e dez é um número redondo, ideal para listas.

E começamos esse especial de um ano inteiro do vertigem com o começo da coluna: a primeira lista que fizemos (se bem que não era exatamente uma lista, já que cada um só escolheu um item): Um Começo Memorável, que virou, obviamente, Dez (outros) Começos Memoráveis.


Ísis:O bom disso é poder participar das listas feitas antes do meu rapto convite para o zoológico.

E claro que a primeira reedição de 2019 será do primeiro Vertigem ever. Bem, eu não tenho memória boa o suficiente para lembrar por conta própria que livros tinham um começo interessante. Resultado, consultei Dr. Google para me ajudar, e aqui estão as minhas cinco escolhas:

Whether I shall turn out to be the hero of my own life, or whether that station will be held by anybody else, these pages must show”. — Charles Dickens, David Copperfield (1850)

“Se me tornarei o herói da minha própria vida, ou se esse posto será tomado por outro, essas páginas devem mostrar.” David Copperfield é uma das várias histórias que li quando criança e que já não lembro mais, mas certamente lembro que gostei. Achei interessante essa abertura porque nos lembra que a vida é feita para ser vivida, aproveitada, e não apenas sentarmos e assisti-la passar, como se fôssemos espectadores. Nope. Somos os protagonistas. Criemos vergonha e encaremos nossos desafios com bom humor e otimismo, tendo sempre uma palavra amigável e/ou um sorriso para os que nos cercam.

A story has no beginning or end; arbitrarily one chooses that moment of experience from which to look back or from which to look ahead”. — Graham Greene, The End of the Affair (1951)

“Uma estória não tem começo ou fim; escolhemos arbitrariamente o momento do qual olhamos para trás, ou para o que seguirá a partir do mesmo.” Esse eu não li, aliás mal conheço, mas adorei o começo porque sempre apreciei a ideia de que sempre há mais de uma forma de olhar para uma estória. Creio que isso se repita com a noção de começo e fim, pois, por exemplo, embora muitos contos de fada (da Disney) e novelas terminem em casamento, eu sempre achei que era na verdade ali que tudo começava.

This is my favorite book in all the world, though I have never read it”. — William Goldman, The Princess Bride (1973)

“Esse é meu livro preferido no mundo inteiro, ainda que nunca o tenha lido.” Vi o filme pela primeira vez com Lulu e Dé, depois dos dois muito falarem do quanto amam esse filme, e sobre ele ser um clássico. Ele é divertido, mas acho que não o apreciei tanto quanto os dois… Talvez por isso nunca me empolguei pra ir atrás do livro. Isso não impede, entretanto, que aprecie o início do mesmo. Essa frase é estranha e um tanto absurda… mas ilustra bem um problema que acho que se reflete em vários aspectos sociais. A exemplo de pré-julgarmos algo e dizer que amamos ou odiamos algo sem tentar ou entender primeiro… Isso nunca me fez sentido. Se eu não experimento, não gosto ou desgosto. Se não entendo, não critico...

I’m pretty much fucked”. — Andy Weir, The Martian (2011)

“Eu estou basicamente fudido.” Não sou fã de uso de palavrões e em geral desgosto bastante de filmes e livros que os usam indiscriminadamente. Entretanto, não posso negar a simplicidade e a simultânea genialidade de se abrir um livro com essa frase? Eu não li, mas assisti ao filme e realmente o adorei. De forma que acabei perdoando a linguagem inicial...

I was born in a thunderstorm, I grew up overnight” — SiA, Adele e Tobias Jesso Jr (2015)

Minha última indicação é um pouco diferente das anteriores porque não é um livro, ou sequer uma estória. Eu gosto muito das músicas da SiA, e a minha preferida - junto com Invincible, tema do filme da Mulher Maravilha - é a I’m Alive, que começa assim: “Eu nasci numa tempestade de trovões, e cresci naquela noite.” Essa frase ilustra uma vida sofrida desde o começo, mas traz também a mensagem de perseverança, da busca honesta e diária por tempos melhores. Isso é uma qualidade que eu muito aprecio, e, portanto, em geral eu gosto muito de músicas que falam sobre a vida, e sobre a superação dos problemas que a mesma apresenta. Fora que tenho arrepios quando a SiA começa o refrão. XD

Lulu: Isinha mudou um pouco a forma como organizamos o vertigem, mas como estamos fazendo uma releitura da coluna, achei muito válida a apresentação e usarei o mesmo layout. Antes disso, observo que a abertura de A Princesa Prometida quase entrou na minha lista; assim como a de Perdido em Marte, que são dois livros que adoro e que, sim, começam com uma ‘porrada’. Excelentes escolhas, Ísis!

Enfim… quando esse tema apareceu pela primeira vez no Vertigem - no primeiro Vertigem que escrevemos - éramos só eu e o Dé. Ele indicou a frase inicial de O Hobbit e eu fui de Dom Quixote de La Mancha. Lembro de ter me torturado tentando escolher uma única frase memorável para aquela lista e acabei me decidindo por Saavedra pela minha história pessoal do o livro.

Podendo agora escolher mais cinco frases, tive de novo de me sentar e pensar bastante pode onde começar… Mas aí me apercebi do fato de que era uma escolha óbvia… Vamos a elas então!

It is a truth universally acknowledged, that a single man in possession of a good fortune, must be in want of a wife”. — Jane Austen, Orgulho e Preconceito (1813)

“É verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro em posse de boa fortuna deve estar necessitado de esposa”. Eu adoro essa abertura da Austen, porque ela parece ser uma frase dita a sério, mas logo você percebe a carga de ironia que existe por trás dela e entende que não está diante de um romance convencional - não é só a relação dos protagonistas que interessa, existe uma crítica inerente aí, uma crítica social muito interessante. Essa frase revela muito da genialidade e do estilo da autora e rende sozinha muito assunto para discutir.

There was a hand in the darkness, and it held a knife”. — Neil Gaiman, O Livro do Cemitério (2008)

“Havia uma mão na escuridão, e ela segurava uma faca.” Esse é o início de O Livro do Cemitério; meu livro favorito do Gaiman, uma releitura de O Livro da Selva em que um garoto órfão é criado, em vez de pelos animais da selva, pelos fantasmas de um cemitério. Há uma impessoalidade nessa frase, um jogo de luz e sombras que provoca calafrios na espinha e te faz prender a respiração antes mesmo que qualquer outra coisa aconteça. É um efeito, francamente, brilhante.

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.”. — Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)

Machado foi um mestre da palavra e Memórias Póstumas de Brás Cubas é meu livro favorito dele. Esse começo maravilhoso - recheado do mesmo tipo de humor que tanto me fascina em gente como Austen e Pratchett (esse segundo ainda aparecerá nessa lista) - é precedido de uma dedicatória talvez ainda mais deliciosa e que bem poderia ser considerada para fins dessa lista: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”

In a distant and second-hand set of dimensions, in an astral plane that was never meant to fly, the curling star-mists waver and part...” — Terry Pratchett, A Cor da Magia (1983)

“Num distante conjunto de dimensões de segunda mão, num plano astral que não fora destinado a voar, a névoa estelar flutua e se dissipa... Veja... Grande A’Tuin, a Tartaruga, surge lentamente nadando pelo abismo interestelar, com gelo de hidrogênio nas patas pesadas e crateras meteoríticas na enorme e primitiva carapaça.” Essa é a primeira frase do primeiro livro da série Discworld e Pratchett aqui nos apresenta uma imagem fenomenal - e, de quebra, já nos dá um gostinho de seu característico humor. O termo ‘dimensões de segunda mão’ é um fantástico anzol e eu engoli a isca ali, naquela primeira frase, naquele primeiro parágrafo, naquela primeira página que nos apresenta uma tartaruga de proporções cósmicas nadando em meio a estrelas, com um mundo em formato de Disco, em de quatro elefantes também gigantescos. Como não se deixar pescar?

No dia seguinte ninguém morreu”. — José Saramago, As Intermitências da Morte (2005)

As Intermitências da Morte foi o primeiro livro do Saramago que li e, embora tenha estranhado um bocado a falta de vírgulas que é uma característica do autor, eu me apaixonei pela história. Engraçado que a versão da Morte de Saramago me faz lembrar muito do Morte de Pratchett, embora não lembre agora qual dos dois veio primeiro na minha vida. Seja como for, acho esse começo genial, por ser inesperado, por nos jogar na parte mais funda da piscina sem bóia e sem certeza que saibamos nadar. É um começo abrupto e sem um imediato contexto e eu me senti imediatamente capturada, querendo saber o que aconteceria a seguir. É um começo memorável, um início que realmente puxa o leitor.

Assim, com Saramago, termino minha parte da lista de hoje… mas bem poderia escolher muitos outros memoráveis começos…


Ísis: O começo de Orgulho & Preconceito é um clássico mesmo. Imediatamente lembro da narradora do filme… Hehehe. E de alguma forma eu tinha certeza que Lulu apontaria esse, e quase certeza que escolheria Brás Cubas também. Mas ela quase indicar Perdido em Marte foi uma surpresa… Já a do José Saramago eu achei fantástica - talvez a melhor de todas dessa lista.. e foi bom pra mim porque eu tinha considerado usar, mas não quis fazê-lo porque nunca li nem vi. O Livro do Cemitério é um livro especial pra mim, e a presença dele aqui só me deixa feliz. E poucas aberturas são tão inovadoras quanto a de Brás Cubas. Excelentes escolhas, Lu!

Lulu: As suas também foram ótimas!

Bem, espero que tenham gostado da nossa lista e, se quiserem, partilhem suas frases iniciais favoritas também! Esse tipo de lista nunca está de forma exaurida, há sempre novas possibilidades a elencar… Quem sabe? Daqui a mais uns dez anos talvez retomemos o tema...



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Um comentário:

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