10 de março de 2016
Quem Conta um Conto (Março): O Conto do Dé || E Cadê o Galo?
- Você tem certeza disso? Certeza ABSOLUTA?!
- Claro! Vai por mim que dá certo! Tá quase lá!
Eu não estava gostando nem um pouco daquilo, mas se ela disse que precisava de uma garrafa de mijo de vaca, lá vou eu numa fazenda, conseguir a tal garrafa. E precisava ser de VACA, não de boi, não de bezerro. Vaca. Não vou nem dizer que foi um trabalho nojento, mas consegui a tal garrafa.
- Certo, agora só faltam dez quilos de palha de aço, e estaremos prontas pra ir!
- Pra que mesmo? Você só me pediu pra juntar essas coisas, mas não me explicou nada.
- Sabe quando eu falei que ia poder voltar pra casa? Você vai montar o que eu preciso pra fazer isso. E vai comigo! Não é bom?
- Sim, sim, claro... Vai ser ótimo. Yay...
Acho que não existe sarcasmo no lugar de onde ela veio, por que ela passou a comemorar, fazendo piruetas e falando sem parar. Piruetas!!! Como ela consegue fazer piruetas, alguém me explique! Enfim, passei os últimos meses juntando essas coisas aleatórias pra ela, já que quero me livrar dessa pentelha.
Chegamos em casa duas horas depois, e eu estou suada e fedendo ainda mais, graças à “coleta” desta noite. Tudo o que eu quero é passar uma hora na banheira, com um baseado do tamanho de um salame. Talvez um vibrador. E uma garrafa de uísque. Ou duas. Bem que eu estou precisando...
- Ei, você sabe do atum? Não tô achando na despensa!
- Como assim?! Eu comprei ontem!!! Quantas latas você comeu hoje?!
- Errrr... Uma... ou dez...
Respiro fundo. Conto até dez. Contenho a vontade de pegar uma faca e apunhalar essa maldita cento e sete vezes.
- Como assim, você comeu dez latas de atum?
- Bem... elas estavam lá... e eram uma delícia... eu meio que fui comendo, sabe?
Enquanto ranjo os dentes, tento falar sem rosnar:
- São dez. Malditas. Latas. De. Atum! Só vou poder comprar mais daqui a uma semana! Te vira pra encontrar o que comer!
Pego as garrafas de uísque, a maconha, e me tranco no banheiro. Olho dentro das gavetas e volto pra sala.
- CADÊ O CARALHO DO VIBRADOR?!?!
Acordo com o sol entrando pela janela do banheiro. Dormi na banheira de novo... Como sempre, a luz parece com centenas de agulhas incandescentes sendo enfiadas nos meus olhos e têmporas. Por que diabos continuo bebendo esse uísque barato? Por que é barato, é claro. Pergunta imbecil. Saio da banheira parecendo um maracujá branco. Puta merda, preciso me livrar logo desse encosto antes de ela acabe comigo. Ainda mais, isso é.
- Ah, que bom que você acordou! Consegui onze quilos de palha de aço enquanto você dormia. Não é ótimo?!
- Como diabos você consegue estar animada a esta hora da manhã? E fala baixo, por favor.
- Ah, mas são quase dez da manhã! Não é tão cedo assim....
- Dez... COMO DIABOS VOCÊ NÃO ME ACORDA, CRIATURA?! Vou me atrasar pro trabalho!!!
- Calma, calma. Vai dar tudo certo! Lembra do atalho que eu te ensinei? Você chega no trabalho rapidinho! E eu já separei seu uniforme, olha!
Quanto a isso, tenho que dar o braço à torcer. Meu uniforme estava limpo e passado e cheirosinho, o que é impressionante, considerando a quantidade de coisas que respingam nele e a quantidade de produtos de limpeza que temos disponível aqui em casa. Me visto o mais rápido que posso e engulo a primeira coisa que vejo dentro da geladeira que parece comestível. Quase engasgo.
- O que foi isso que eu acabei de comer? Que nojento!
- Ah, não é nada de mais... Mas é melhor não pensar muito nisso... Vai logo trabalhar que eu cuido de tudo por aqui!
Achando que aquilo foi a primeira coisa sensata que essa desgraça diz desde que entrou na minha vida, entro no terceiro armário e dobro na terceira esquina, o caminho mais rápido pro trabalho, se você conseguir ignorar toda a parafernália, produtos químicos e, curiosamente, espaguete ao molho pesto, espalhados por todos os lados.
- Espera... Me explica de novo... COMO É?!
- Então... Eu estava levando a esponja pra passear... Quando a geladeira decidiu que ia passear também e caiu no rio... e afogou basicamente tudo. Mas consegui salvar essa bala soft!
E lá estava ela, com aquele sorriso enorme e cheio de dentes, com a mão estendida e espalmada, com a citada bala roxa no meio dela.
Respira fundo. Conta até dez. Contém a vontade de pegar uma faca e apunhalar essa maldita trezentas e vinte e uma vezes.
- Você. Disse. Que tinha. Conseguido. Os dez quilos. De. Palha. De. Aço.
- Onze.
- Então. Era tudo que precisava, certo? Quando poderemos juntar tudo pra você voltar para casa?
- Bom, andei vendo isso, sabe? Boas notícias! Vou precisar passar mais um ano aqui!
- Como assim?! Quando já temos tudo junto?!
- Bom, acontece que precisamos deixar tudo maturar um pouco, sabe. Enquanto tudo não puder ser cheirado à alguns quarteirões de distância, não estão bons o bastante. E o mijo de vaca tem que fermentar bem!
- Maturar... Fermentar... Alguns quarteirões...
- Ei. Por que você está chorando? Se alegre! Estaremos juntas!
Quarenta e cinco. São quarenta e cinco minutos. Isso são quarenta e seis minutos a mais do que eu aguento. Como essa maldita consegue “cantar” tão MAL? Se é que dá pra chamar isso de cantar! Parece que ela tá guinchando usando aquele efeito de chimpmunk na voz! Posso jurar que todo os vidros da vizinhança se partiram!
- CARALHO! O que é isso que você tá fazendo?
- Cantando, ué! Não conhece Robocop Gay? Sempre gostei muito!
- Você chama ISSO de cantar?! Quase estoura meus ouvidos!
- Ah, é por que você precisa ouvir em frequência sub-sônicas, em quinze dimensões e entender javanês. É fácil! Te ensino como!
- Isso não é fisicamente impossível? Tipo quando você quis me ensinar como fazer as baratas fazerem a limpeza da casa? Ou fazer a sujeira desaparecer dentro do armário de produtos de limpeza?
- Bom, deu certo, não é? Assim como criar trutas na sala e usar pó de fada pra curar ressaca. Sem falar em ignorar o cheiro dos ingredientes pra me mandar pra casa.
- Verdade, verdade. Não achei que ia dar certo de início, especialmente considerando que envolvia trinta quilos de algodão cru e uma alpaca, mas deu certo sim. Depois você me ensina isso.
- E eu tenho outra boa notícia! Os ingredientes estão no ponto! Amanhã podemos começar!
- Nossa. Já? Mal senti o tempo passar. Vale ressaltar que os vizinhos todos chamaram a vigilância sanitária, a polícia, os bombeiros. Várias vezes. E dois exorcistas! Já tava na hora, né?
- Não se pode ter tudo, não é? Amanhã à noite vai dar certo! Nós vamos pra casa!
- VOCÊ vai pra casa, não é? Eu já estou em casa.
- Não seja boba, claro que você vem também!
- Me explica de novo por que tem um predalien, bêbado, vestido de Carmem Miranda, dançando rumba com modelos de cuecas bombados, no meio da minha sala.
- Esse é o passo 78 do processo. O próximo passo é finalizar Battle Toads do nintendinho 5 vezes seguidas sem morrer nenhuma vez.
- E assobiar e chupar cana ao mesmo tempo?
- Ah, não tem que fazer isso até depois do recital de frades mudos da Nicarágua. Relaxa.
- Ok...
Na defesa dela, foi mais fácil do que parecia de início. Só levou quarenta e três horas, dezessete minutos e vinte e sei... correção, sete, segundos. E até isso era esperado e requerido pra tudo.
- Acho que entendi tudo até aqui, mas... Exceto a parte de se cobrir gordura rançosa misturada com pó de café usado.
- Ah, isso? É excelente para a pele! E olha! A porta abriu! Não é fantástico? Se prepare!
- Me preparar? Pro que mesm...
Antes de eu terminar de falar, a porta aberta começou a sugar tudo para dentro dela, como um gigantesco aspirador de pó. Eu não tinha nada para me segurar, então acabei sendo sugada primeiro, já que estava na cara da tal porta. Ainda consegui ouvir a maluca vindo atrás de mim com um “Weeeee” de alegria.
Antes que eu pudesse me dar conta, estávamos caindo por um céu roxo com nuvens amarelas, com um fantástico pôr-do-sol multicolorido no horizonte. Eu teria ficado admirada, se conseguisse parar de gritar.
- Pronto! Essa é a hora de usar as raspas de unha e as agulhas de costura!
- Que raspas de unha e agulhas de costura?!
- As que eu te avisei pra trazer, ué!!!
- VOCÊ NUNCA ME FALOU NADA DE RASPAS DE UNHA E AGULHAS DE COSTURA!!!
E assim, com a voz mais calma do mundo, essa desgraçada, que só fodeu com a minha vida, vira pra mim e diz:
- Ih, não? Ai papai...
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