24 de junho de 2014

Para ler: A menina que não sabia ler

É uma história curiosa a que tenho que contar, uma história de difícil absorção e entendimento, por isso é uma sorte que eu tenha as palavras para cumprir a tarefa. Se eu mesma digo isso, quando talvez não devesse, é que para uma menina da minha idade tenho um ótimo vocabulário.Extremamente bom, para falar com franqueza. Porém, devido às opiniões rígidas de meu tio em relação à educação das mulheres, tenho escondido minha eloquência, soterrado meu talento e mantido apenas as formas mais simples de expressão aprisionadas no cérebro. Tal dissimulação transformou-se em hábito e foi motivada pelo medo, pelo grande medo de que, se falasse como penso, ficaria evidente meu contato com os livros e eu seria banida da biblioteca. E, como expliquei para a pobre sra. Whitaker (pouco antes de sua trágica morte no lago), isso é algo que eu não acredito que possa suportar.
A primeira coisa que tenho a dizer sobre esse livro é que se eu o tivesse visto primeiro em português, eu jamais o teria comprado. Tanto o título da tradução quanto a capa totalmente genérica me fariam achar que se tratava de um romance açucarado sem nada de muito diferente ou especial.

A edição em inglês, contudo, em hardbook e com a gralha na capa (não, não é um corvo e você entende o porquê de uma gralha quando lê) imediatamente capturou meu olhar perambulante.

A história é contada em primeira pessoa por Florence – a menina que supostamente não deveria saber ler, visto ter sido proibida de receber qualquer educação pelo tio e tutor. Florence, contudo, apaixona-se pelo mundo das letras, praticamente ensinando a si mesma a ler, com a ajuda de uma cartilha que aparece graças às lições que o irmão, Giles, recebe.

Esse é um processo fascinante e uma das minhas partes favoritas do livro – a forma como Florence subverte as ordens do tio, e contra tudo e todos consegue abrir para si mesma o caminho para os livros – o amor que ela tem pela leitura, por se perder entre as páginas de uma história, sua própria linguagem são coisas com que posso muito bem me identificar.

Florence vive uma vida aparentemente tranqüila, mergulhada nos livros, brincando com o irmão – até a chegada de uma nova governanta, a Srta. Taylor, que Florence tem certeza que é alguma espécie de espírito malevolente desejoso de fazer mal a seu irmão. E aí ficamos a nos perguntar o que é realidade o que é fantasia (Anyway the wind blooooows...) – a governanta é realmente um monstro? Ou tudo não passa da imaginação de Florence?

A história se sustenta por si só, em muitos momentos nos fazendo prender o fôlego na expectativa do próximo lance – mas devo observar que sua leitura se torna ainda mais interessante quando se faz o cruzamento dela com o clássico de Henry James, A Volta do Parafuso, em que Harding claramente se inspirou para escrever sua versão.


A Coruja


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Um comentário:

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