4 de fevereiro de 2014

Desafio Corujesco: O Corcunda de Notre Dame

Por outro lado, é preciso fazer-lhe essa justiça, a maldade talvez não fosse inata nele. Desde os seus primeiros passos entre os homens, ele havia sentido a si mesmo, depois havia visto a si mesmo sendo cuspido, criticado, rejeitado. A fala humana para ele era uma zombaria ou uma maldição. Ao crescer, só tinha descoberto ódio à sua volta. Ele o havia tomado para si. Ganhara a maldade geral. Tinha se apossado da arma com que o haviam ferido.

Na primeira rodada do meu desafio corujesco de tentar limpar minhas estantes e prateleiras de livros ainda não lidos e à espera, vou com um clássico. Há tempos que estava querendo ler O Corcunda de Notre Dame - especialmente depois que visitei a casa do mestre Victor Hugo e descobri que a história original não tem nada a ver com a do filme da Disney.

Mesmo antes disso, eu babava na capa verde acima, da coleção Eternamente Clássicos, da Leya... Aí, finalmente, depois de muitas idas e vindas, antes de colocá-lo no meu carrinho de feira de livros, consegui-o, exatamente nessa edição, através de uma troca pelo Skoob.

Depois disso a Zahar lançou uma edição com uma capa ainda mais linda e eu fiquei babando nela também, mas... não vamos nos precipitar... O caso é que, de todos os livros da minha estante, esse em específico é decididamente um que fui atrás pela capa.

O corcunda do título é Quasímodo – que é também surdo e coxo – e foi criado escondido por entre as sombras da catedral de Notre-Dame pelo arquidiácono Claude Frollo, depois de abandonado pelos pais por causa de suas deformidades físicas. Ele começa a história retratado como um monstro controlado por Frollo, mas aos poucos seu personagem se revela mais complexo e trágico.

Os acontecimentos da história se precipitam quando Frollo, dividido entre seus votos e o desejo que sente por Esmeralda, uma cigana que dança à frente da catedral, ordena que Quasímodo rapte a moça. Esmeralda é salva pelo capitão da guarda, o belo e bravo Phoebus, que para além de tudo, já é comprometido.

Isso não impede Phoebus de encantar-se também com a bela cigana... o que não agrada Frollo que, obcecado pela moça, cometerá uma série de crimes no melhor estilo “se ela não será minha não será de mais ninguém”. E a partir daí, claro, sucede-se uma série de tragédias, crimes, mortes, traições, fogueiras e outras inquisições.

Primeira importante observação a se fazer: a única coisa que o original tem a ver com o filme da Disney (que até então fora meu único contato com a história) são os nomes dos personagens. De resto, o livro é muito mais sombrio, muito mais pesado; em suas coincidências e tristes profecias, é muito próximo de uma tragédia grega, no melhor estilo de Sófocles.

E é curioso também observar que o personagem mais fisicamente caricato é o que mais desperta compaixão. Frollo é um vilão que transfere sua obsessão pelas ciências para a figura de Esmeralda; Esmeralda é uma tola ingênua cheia de muxoxos e Phoebus é um cafajeste. Eu revirei os olhos para a paixão adolescente de Frollo, para a futilidade de Esmeralda e para a cara de pau do Phoebus, mas Quasímodo...

A cena em que ele é açoitado na praça, ridicularizado por todos; sua devoção aos sinos, seu amor por Notre Dame; sua admiração por Esmeralda que surge não da beleza da cigana, mas a partir de um único gesto de bondade... em todos esses momentos eu fiquei de olhos úmidos e coração pequenininho, angustiada pela forma como o restante da humanidade se desumanizava frente à deformidade do corcunda.

A história de O Corcunda de Notre Dame é universalmente conhecida – se não em todas as suas minúcias, ao menos em suas linhas mais gerais. O livro, em si, por sua vez, guarda muitas outras delícias além da história: as descrições de Paris, os breves capítulos filosóficos e as cores vibrantes e voluptuosas do Pátio dos Milagres (que é uma das imagens mais fantásticas que já encontrei em livros) me prenderam alegremente.

Claro que esse é um detalhe que nem todo mundo vai gostar: um leitor menos atento perderá o ritmo da história nesses interlúdios. Mas, ao menos para mim, essa foi uma história que gostei de conhecer, de descobrir por trás das versões cor-de-rosa e encantadas da Disney.

Bônus: Uma vez que o tema desse mês é um livro que escolhi pela capa, é justo apresentar a capa que tanto me encantou, não é verdade ? E bônus do bônus: ainda tem para completar o quadro o busto de Victor Hugo que eu trouxe de uma lojinha lá perto da Place des Voges, onde morava o autor...



A Coruja


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7 comentários:

  1. Li há muitos anos e na minha lembrança só estava a diferença com a história da Disney, e acho que a versão nem era integral. Acho que eram os clássicos para jovens da Ediouro. Lembro que o livro me deixou triste. Só isso ficou e agora, lendo teu post me deu vontade de reler, de levar pra escola, sugerir o debate com os estudantes.
    Obrigada

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    1. Acho muito válido. Essa edição que li é interessante porque embora ela seja integral, há alguns ajustes linguísticos para tornar a história mais compreensível a ouvidos modernos. Nada herético, mas algumas construções frasais um pouco menos rebuscadas. É uma boa apresentação ao autor para os leitores mais jovens.

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  2. Tb li uma versão que, só depois, descobri que não era integral (aliás, descobr que boa parte dos livros que li na infância não eram integrais... >.>), mas lembro claramente de ter me comovido co a história tb. Confesso que não lembro da cena do Court of Miracles (possivelmente nem existisse na versão que li).

    Mas eu lembro de não ter visto taaaaaantaaaaa diferença assim com a da Disney, que é sim uma versão mais light. Tem várias diferenças, não são taaaaaaaaaantaaaaaaas... só várias. XP
    (Go figure... XP)

    Mas tb dsd qdo a Disney segue o roteiro original? ^.~

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    1. Ísis, a principal diferença é que a história da Disney tem final feliz. O original de Victor Hugo é bem mais trágico, e os personagens são... complicados. Frollo mexe com alquimia; Phoebus é noivo de outra mulher e um verdadeiro babaca; Esmeralda é um bocado tola e se fixa demais nas aparências...

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  3. Então Lulu, eu estou seguindo o seu Desafio :-)
    Em janeiro eu li "O segredo do anel" como livro escolhido pela capa, bem longe de ser um clássico como o "Corcunda de Notre Dame", mas gostei muito!
    Aqui o link da minha resenha:
    http://leiturasdelaura.blogspot.com.br/2014/02/o-segredo-do-anel.html

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    1. janeiro não!!! desculpe rsrsrsrs fevereiro!

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    2. Oba, oba! Vamos lá, vou ir ler sua resenha agora ;)

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