29 de agosto de 2011

Clube do Livro (Agosto) - O Cão dos Baskervilles



A lua estava brilhando clara sobre a terra desbravada, e lá no centro jazia a infeliz moça onde havia caído, morta de medo e fadiga. Mas não foi a visão do corpo dela, nem tampouco a do corpo de Hugo Baskerville que jazia perto dela, que arrepiou os cabelos desses três fanfarrões temerários, mas sim o fato de, de pé sobre Hugo e estraçalhando a sua garganta. estar uma coisa hedionda. um animal grande e preto com a forma de um cão, porém maior do que qualquer cão que olhos mortais jamais tenham visto. E enquanto eles estavam olhando a coisa arrancou um pedaço da garganta de Hugo Baskerville. diante do que. quando esta voltou seus olhos em chamas e mandíbulas gotejantes para eles, os três soltaram gritos agudos de medo e fugiram à rédea solta, ainda gritando, pela charneca. Um deles, dizem, morreu naquela mesma noite pelo que havia visto, e os outros dois não foram senão homens alquebrados pelo resto de suas vidas.
Arthur Conan Doyle – O Cão dos Baskervilles

E vamos de Sherlock Holmes esse mês no clube do livro!

Para mim, a graça do gênero do suspense policial é a oportunidade de dar uma de detetive, de colocar o proverbial charuto na boca e dizer 'elementar, meu Caro Watson'. Cuirosamente, embora adore histórias do tipo do Cão dos Baskervilles e goste da narrativa do Conan Doyle, nunca consegui gostar realmente do Holmes.

Sherlock tem uma quase sobrenatural capacidade de observação; no mais das vezes, ele é capaz de chegar a conclusões logo de princípio, mas nos deixa, junto com Watson, a bater a cabeça na parede enquanto recolhe todos os indícios necessários para levar o criminoso à justiça... ou não. Pensando agora com meus botões, não me lembro se algum dos criminosos com que Mr. Holmes se debate chega a ir a julgamento ou morre por alguma espécie de castigo divino. Fiquei curiosa agora com esse pequenino pensamento, porque é capaz de dizer muito sobre a noção de justiça do Doyle...

Não obstante, acho impossível ter empatia com Holmes. Concordo que ele seja um sociopata. O cara é um gênio no campo em que escolheu atuar, mas tem inteligência emocional zero. Watson é a única pessoa próxima de Holmes e mesmo nessa relação, Holmes nunca dá muito de si. Ele é estupidamente narcisista, uma verdadeira criança mimada e esse talvez seja o principal motivo pelo qual permitiu, ao menos de princípio, que Watson permanecesse com ele: o bom doutor está sempre pronto a admitir a genialidade de Holmes, sempre pronto a lhe dar todos os créditos e fazer um enorme bem ao seu ego.

Eu acredito que, com o tempo, Holmes tenha se afeiçoado a Watson, como nos afeiçoamos a um cachorrinho. Isso me faz imaginar que tipo de parentes Sherlock teve. Deviam ser um casal bem peculiar, Mr. e Mrs. Holmes para produzir Sherlock e seu irmão mais velho, Mycroft, que é agente do serviço secreto britânico e, de acordo com Sherlock, ainda mais brilhante que ele próprio (eu não consigo imaginar isso...).

Em matéria de detives, sinceramente, prefiro Poirot. O Poirot é muito mais humano que o Holmes. Ele tem humor, é benévolo. Encantado com uma 'belle femme' e com um bom romance. Lembro que no primeiro livro em que ele aparece, O Misterioso Caso de Styles, ele chega a deixar que um inocente seja acusado para que o cara possa fazer as pazes com a esposa. Esse é o tipo de coisa que Sherlock nunca faria. Ele não tem interesse pelas pessoas, mas pelos fatos, pelos mecanismos.

É uma sorte que Sherlock tenha inimigos como Moriarty, que sendo adversários a altura, fazem com que ele continue do lado da lei - na série recente da BBC, logo no primeiro capítulo, que uma das policiais alerta o Watson de que Sherlock é um sociopata e que ela imagina ser uma questão de tempo até que ele deixe de correr atrás dos criminosos e comece a cometer os crimes ele mesmo, pelo simples prazer de saber que é capaz de realizar o crime perfeito.

Hercule Poirot é um amigo muito melhor para o Major Hastings do que Sherlock Holmes jamais foi para o Doutor Watson. O pobre do Watson é continuamente insultado sem sequer perceber e continua adorando o Holmes. Hastings tem um relacionamento muito mais saudável com Poirot, que é um ególatra, mas não um sociopata narcisista como Holmes.

Seja como for, Baskervilles é um livro muito interessante. É a primeira vez que vemos Watson sozinho tentando aplicar os métodos do companheiro - sem saber que, na verdade, está servindo como uma distração.

Holmes se prova, mais uma vez, um FDP. Com a historinha de "estou muito ocupado, mas olha o Watson aqui, ele não tem nada melhor para fazer, você pode levá-lo, pois confio nele com minha própria vida", ele manipula toda a investigação, todos os personagens, incluindo o próprio amigo: ele joga Watson aos lobos (ou cães) para servir como distração enquanto ele mesmo faz suas pesquisas, acobertado pela presença do outro.

A despeito disso, contudo, Doyle tem uma sacada genial ao chegarmos a Devonshire que é deixar que o clima gótico influencie não apenas os personagens, mas também os leitores. Há uma série de clichês jogados aqui; saídas simples, soluções fáceis, como o assassino fugido da prisão; num clima e paisagem que têm tudo para convidar a idéia do sobrenatural... idéia essa que, devemos lembrar, o próprio Doyle aceitava. E, no entanto, nada é tão óbvio quanto parece e de repente vemos todos aqueles clichês serem jogados de pernas para o ar.

Essa forma como ele distorce o que esperamos, aquilo que é cânone do estilo gótico - que é o que O Cão dos Baskervilles aparenta ser a princípio - talvez seja comparável àquilo que Austen fez em A Abadia de Northanger, ainda que esta última tenha fins de paródia. O grande mérito dele aqui é justamente jogar com as expectativas do leitor e levá-lo a tirar as conclusões erradas - como o coitado do Watson - para então sermos derrubados pela genialidade do Holmes.

No final, mesmo não indo com a cara do Holmes, não há como não se curvar à capacidade dedutiva e intelectual do homem...



A Coruja


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Um comentário:

  1. O Cão dos BAskervilles... Eu comprei ou ganhei esse livro numa bienal que teve aqui em Maceió há anos atrás. Foi uma das minhas poucas experiências com Sherlock e... Eu também prefiro o Poirot D:

    Conan Doyle tinha uma mania de colocar Holmes num pedestral que, depois de um tempo, acabava me frustrando de verdade. Com um personagem sociopata e genial como Sherlock existem dezenas de possibilidades, mas deixar ele ao lado de um Doutor Watson mata boa parte delas na minha opinião. Por isso que gostei muito da interpretação de Sherlock no filme lançado pouco tempo atrás. Não era o Sherlock do Conan Doyle, mas era um personagem bastante rico, assim como o próprio Watson (e o Jude Law ajudou um bocado nessa parte :p). Adaptações boas do personagem ao estilo Sherlock estão por aí... O Dr. House é um dos exemplos mais conhecidos (apesar de muita gente não saber que ele foi inspirado no Holmes 'xD). Mas, de uma forma ou de outra, foi bom ler sobre um livro da minha infância... A sua análise ficou primorosa como sempre :) E obrigada por continuar fazendo tantas resenhas... É praticamente um guia para 'O que comprar quando eu for na Livraria Cultura de Recife' xD (ou em qualquer livraria fora de Maceió... Essa cidade me frustra as vezes -__-')

    P.S.: Muito obrigada pelo seu comentário no Vegetando! Como acabei tendo que cancelar minha participação no concurso, é provável que em breve eu ponha a história completa na internet, se você tiver interesse em ler. E prometo me esforçar para deixar mais comentários no Coruja de agora em diante! ;) xx

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