6 de julho de 2011
Para ler: Jane and the Unpleasantness at Scargrave Manor
"Quando uma jovem de mais beleza que posses tem o bom senso de ganhar a afeição de um cavalheiro mais velho, um viúvo de alta classe e circunstâncias cômodas, é geralmente observado que a união é inteligente para ambos. A dama alcança aquela posição na vida à qual seus amigos podem invejar e felicitá-la, enquanto o cavalheiro ganha para sua idade avançada toda a juventude, bom humor e beleza que ela pode oferecer. Ele é declarado o melhor e mais generoso dos homens; ela é geralmente reconhecida como um anjo totalmente merecedora de sua boa sorte. A maturidade e experiência de mundo dele podem estabilizar a impulsividade dela, enquanto a inteligência e charme gentil dela facilitariam as responsabilidades decorrentes de sua posição. Com paciência, bom humor e delicadeza de ambos os lados, um nível tolerável de felicidade pode ser alcançada.
Quando, porém, o cavalheiro mais velho morre repentinamente de uma queixa gástrica, deixando à sua esposa de três meses uma propriedade considerável, dividida entre ela e seu herdeiro; e quando o herdeiro em questão ofende o decoro com as suas atenções para a viúva!...
O tom de comentário social poderá rapidamente tornar-se rancoroso."
Stephanie Barron – Jane and the Unpleasantness at Scargrave Manor
Janeites de todo o mundo, preparai-vos para revelações bombásticas! Sabem aquelas cartas perdidas escritas por Jane Austen, aquelas que todo mundo diz que foram destruídas por seus parentes para preservar sua memória e privacidade? Elas foram encontradas e revelam uma incrível nova faceta de nossa escritora favorita: além de uma grande estudiosa do caráter humano em seus romances, Jane também utilizava esses conhecimentos para atuar como detetive amadora!
Ou, pelo menos, essa é a premissa inicial do livro de que vou falar para você hoje...
Jane and the Unpleasantness at Scargrave Manor é o primeiro volume da série Jane Austen Mysteries, escrita por Stephanie Barron – o décimo primeiro está previsto para ser lançado agora no segundo semestre – e como já fica óbvio do título, é uma história centrada na própria Jane e não em algum de seus personagens.
É uma história, como observa a própria Barron, sobre Jane antes dela se tornar Austen.
Tudo começa quando Isobel Payne, condessa de Scargrave, convida Jane para visitá-la pouco após o fiasco com Mr. Bigg-Wither. Para quem não se lembra desse evento na biografia dela, Bigg-Wither era conhecido da família Austen e pediu Jane em casamento, que o aceitou num dia para então desfazer o noivado no dia seguinte.
Isobel se casou recentemente com o Conde de Scargrave e voltou recentemente de lua-de-mel. Para se congratular por sua bela e jovem noiva – afinal, não tem graça você ter uma esposa com a metade da sua idade se não pode mostrá-la para os outros – o Conde decidiu dar uma grande festa. Até aí, tudo bem... o problema começa quando, após fazer um brinde à Isobel no meio do baile, o conde tem uma síncope e, poucas horas depois, bate as botas.
Não demora para que a condessa viúva comece a receber cartas ameaçadoras que a acusam de adultério com Lorde Fitzroy Payne, sobrinho e herdeiro do conde, bem como de assassinato.
Temendo o escândalo, Isobel pede ajuda à amiga, de forma que Jane assume o papel de detetive para tentar descobrir o que realmente está por trás da morte do conde.
Confesso que, a princípio, estranhei um pouco a história. Quando li a introdução falando das ‘cartas perdidas’, levei um grande susto e, quando a ação propriamente dita começou, contada na voz de Jane através das ditas cartas, quase a larguei de lado. Sinto uma certa desconfiança para com livros escritos em primeira pessoa, porque não é todo autor que sabe escrever com a voz do personagem, sem confundir com a sua própria.
Mas, como além de ser uma fã de romances policiais, tinha ficado curiosa com a premissa do livro, persisti... e posso dizer que fui bem recompensada.
Barron consegue dar o tom da época; ela faz uma grande reconstituição de fatos e você percebe que é alguém que pesquisou e que entende do assunto. A situação da Jane como detetive, a despeito de todas as restrições postas às mulheres da época, é crível.
Esse é um ponto que me interessava por conta da minha formação – a questão do sistema legal inglês do período. Não existia polícia e os magistrados eram os grandes proprietários que distribuíam justiça de acordo com sua boa-vontade. A bem da verdade, ainda hoje a Inglaterra não tem uma legislação codificada, nem mesmo uma constituição (a despeito de que o nascimento do constitucionalismo se dê com a Magna Carta).
Como debater common law e civil law não está no tópico do dia, vou parar por aqui antes que me empolgue...
O caso é que, nesse contexto, era bastante lógico que se você quisesse ver um crime resolvido, procurasse um detetive particular. Para Isobel, que não queria ter de lidar com o escândalo que toda a situação provocaria independente de sua inocência, apelar para a amiga, que sabia ser uma pessoa inteligente e observadora e que, de uma forma ou de outra, já estava envolvida na história, fazia bastante sentido.
Melhor que isso é que Barron consegue realmente dar voz a Jane – e não apenas porque você é capaz de reconhecer nos indivíduos com quem a futura escritora cruza em Scargrave Manor ecos das personagens mais famosas de seus livros. Além da questão da linguagem, a personalidade de Austen é muito viva, sagaz. A Jane Austen que Stephanie Barron tem como personagem é exatamente a Jane Austen que imagino em minha mente.
Se tudo isso não tivesse me convencido a gostar do livro, Lorde Harold Trowbridge o teria feito. Não dá para falar muito sobre ele sem entregar parte da história, mas, embora tenha começado o livro detestando-o, terminei tendo-o como um dos meus personagens favoritos.
Por motivos que não consigo explicar, fiquei imaginando ele dando uma de Hercule Poirot (mas infinitamente mais charmoso), explicando que “tudo são as células cinzentas, mon ami, tudo são as células cinzentas...
Fiquei feliz da vida em saber que ele está nos outros livros também – um motivo a mais para partir para o segundo volume em breve. Até lá, vou esperar que mais alguém leia e aí trocamos figurinhas, certo?
A Coruja
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sobre
Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
que estranho, Jane detetive
ResponderExcluirNão é? Mas até que foi bem divertido...
Excluir