19 de agosto de 2009

L'amour


Aproveitando a deixa que me dei no artigo retrasado (e também no passado, que, afinal, tem a ver com romance), hoje vou filosofar um pouco sobre o amor.

Antes, porém, quero reclamar das sobremesas vistosas, que te fazem ficar com as glândulas salivares trabalhando hora extra, cheias de morango e chocolate e chantilly e que, depois que você começa a comer, descobre que aquilo não é chocolate, mas aquela coisa feita com gordura hidrogenada que esqueci agora o nome.
Frustrante, realmente, muito frustrante.

Agora, onde eu estava mesmo? Ah, sim... L’amour, mes chéries...

Quero primeiro fazer um comentário rápido sobre o meu uso frouxo da palavra filosofia. Embora volta e meia eu saia fazendo uma longa lista de referências e correlações com alguns autores quando escrevo artigos desse tipo, não estou me metendo a intelectual ou doutrinadora. Gosto de alguns autores filósofos não tanto por se dizerem filósofos ou pelo esnobismo de poder citá-los numa conversa sobre o tempo (tendo feito Direito, tive contato com pessoas que fazem esse preciso gênero), mas por serem bons escritores e por terem se dedicado a temas que me interessam.

Aliás, a entrevista de nove horas e tanto sobre O Poder do Mito de Joseph Campbell é algo mais interessante do que alguns filmes que passam na sessão da tarde; Umberto Eco, como professor da linguagem, é muito mais intrigante que como o autor de O Nome da Rosa e os livros de Zygmunt Bauman lembram mais uma conversa à sombra dos coqueirais, olhando para o mar num fim de tarde.

Não acredito muito na filosofia que me ensinaram na minha vida acadêmica – que foi mais um ode ao ego dos meus professores que qualquer coisa... – mas me interesso por um tipo bem específico de filosofia: a filosofia de botequim. Acredito que todos somos um pouco filósofos, na medida em que refletimos sobre o mundo à nossa volta, as pessoas e nós mesmos.

E passei três parágrafos divagando e falando nada com nada, mas a essa altura vocês já devem ter se acostumado com isso. Nem sempre eu acho que faço sentido com minhas concatenações de pensamentos, mas me esforço para manter algum simulacro de coerência.

Ok, agora... qual era o tema do dia mesmo? Ah, sim. Amor. Vamos ao assunto afinal.

Citei Bauman alguns parágrafos atrás. Esse sociólogo (que é realmente genial e escreve muito bem e eu mais que recomendo) tem um livro chamado Amor Líquido, em que trata exatamente do tema de hoje. Na verdade, eu já falei um pouco sobre o conceito de liqüidez dentro da pós-modernidade que Bauman inventou e que se resume, em poucas palavras, ao seguinte: tudo hoje em dia é descartável, dos nossos telefones e computadores às nossas identidades e relacionamentos.

É emblemática dessa ‘descartabilidade’, da rapidez com que as coisas são substituídas em nossas vidas, a idéia do ‘ficar’.

Chamem-me de antiquada, de careta, de conservadora, mas essa coisa de ficar nunca entrou bem na minha cabeça. Para ser absolutamente sincera, eu até cheguei a tentar, mas a experiência me deixou absolutamente traumatizada.

Não acredito em amor à primeira vista. Nem acredito que o amor é capaz de passar por cima de qualquer obstáculo, que vence todas as barreiras, que preenche todos os vazios. E, apesar de todos esses ‘não-creios’, eu acredito, sim, no amor.

Em primeiro lugar... amores à primeira vista. Bem, eles ficam muito bem na fita, nós suspiramos e ficamos todos “ai, que lindo, que romântico, queria que acontecesse comigo” quando vemos aquela cena em que o casal romântico se cruza pela primeira vez na vida e já cai de amores... mas isso, ao menos no meu ponto de vista, não é amor, mas paixão.

E, se que saber mesmo minha opinião, se Romeu e Julieta não tivessem morrido, não sei se eles teriam continuado se amando passionalmente por toda a vida e teriam um final feliz. Tudo muito rápido, muito intenso – chamas intensas geralmente se auto-consumem junto com tudo o que está ao seu redor e rapidamente se apagam.

Paixão tem uma explicação inteiramente racional, científica e química; principalmente química, envolvendo uma série de sinapses e substâncias terminadas em –ina, como endorfina e serotonina. Paixão é atração e tem prazo de validade. E, se você já teve a oportunidade (meio infeliz) de ler Schopenhauer, você provavelmente ficará um bocado deprimido com as explicações dele para essa palavrinha.

Na verdade, tudo o que você ler de Schopenhauer provavelmente o deixará deprimido.

Amor implica mais que química – no sentido literal e figurado. Ele não nasce numa fração de momento em que os olhos se encontram e as mãos se tocam. Amor nasce da convivência, do companheirismo. Da cumplicidade.

Você pode perfeitamente se apaixonar por um indivíduo burro feito uma porta. Sabe-se lá porque razão; vai ver ele ou ela tem a perfeita arqueadura de sobrancelhas que completa seu ser. Mas eu, pelo menos, acho que seria bastante difícil amar uma pessoa com quem eu não conseguisse conversar.

Se bem que, claro, você talvez possa amar sua cara metade menos favorecida intelectualmente de uma forma condescendente, resignada, como se o outro fosse uma criança – no estilo de Mr. Bennett com Mrs. Bennett, os pais da heroína de Orgulho & Preconceito. Venhamos e convenhamos que Mr. Bennett não tinha muito mais o que fazer; se casara com Mrs. Bennett por seu rostinho bonito, esquecendo-se de procurar outras virtudes e não existia divórcio na época.

Ou existia... período regencial... a Inglaterra já tinha passado por Henrique VIII e o nascimento do anglicanismo. Bem, realmente não é da minha conta a vida privada do casal Bennett, até porque eles são personagens literários, então continuemos com coisas mais interessantes.

Eu até sustentaria o conceito de amor à primeira vista se fosse espírita. Há sentido na idéia de que você possua uma alma gêmea, alguém que já conheceu numa vida passada, alguém a quem você está destinado... Mas mesmo a partir desse princípio, não seria realmente amor à primeira vista, mas amor à xx vista, sendo a incógnita da equação o número de vezes em que o dito encarnou e considerando todas as não-primeiras vezes envolvidas e...

É, acho que já fiz entender meu ponto.

Mas acho que minha digressão vai um pouco longe demais com essa última afirmação. Eu não desacredito em reencarnação, mas também não acredito; não tenho idéias estabelecidas sobre o assunto e nunca cheguei realmente a estudar a doutrina do espiritismo, então, fica apenas como uma observação.

O que eu quero dizer com tudo isso, acredito (posso estar enganada; como já disse, às vezes não falo muito sentido), é que amor, amor, se constrói no dia-a-dia e não enfiando sua língua pela garganta abaixo do primeiro que aparece à sua frente.

Aliás, isso é nojento.

E, também, que só amor não basta. É preciso existir confiança e, especialmente, respeito. Camaradagem. Atração física é, sem dúvida, importante, mas também são preciosos os momentos em que você pode simplesmente se sentar e conversar, conversar, conversar, sobre tudo e sobre o nada; sobre a vida, o Universo e tudo mais.

Infelizmente, isso parece passar longe da cabeça das pessoas hoje em dia. Pior é que os gestos mais inocentes podem parecer permissivos, especialmente quando você não conhece muito a etiqueta. Quer dizer, porque você dança duas danças com um amigo do seu irmão que você nunca viu mais gordo na vida antes dessa ocasião (e que está meio alto de sabe-se lá o que ele bebeu), isso se traduz como um convite a atividades além das curriculares? Isso depois de um total de dez palavras trocadas referente às apresentações e à pergunta meio clássica de “por que não vi você aqui antes?”

Claro, depois dessa e antes que as coisas saíssem do controle, você sempre se desculpa para ir ao banheiro e nunca mais volta para aquele lado específico da pista de dança. E é por essas e outras que estou convencida que serei uma velhinha excêntrica e solteira, cercada de gatos e livros. Ou talvez só livros... Uma alergia de cada vez.

Se bem que estou planejando dar a volta ao mundo em oitenta e mais alguns dias quando me aposentar, então a idéia me serve muito bem.

Tendo dito tudo isso, acho que só me resta observar que, apesar dos pesares, ainda sou uma romântica. Posso dizer que a paixão é resultado de reações químicas, que amor à primeira vista não existe e que amor sozinho não é suficiente... mas ainda acredito que quando você é abençoado com alguém que não apenas faz seu coração bater mais forte, seu estômago dar voltas como se estivesse cheio de borboletas e te dá vontade de cantar (ou de vomitar, a depender do caso), mas com quem também pode ser inteiramente sincero, com quem pode conversar e apenas rir... porque rir é muito importante... bem, quando você é abençoado com tudo isso, não há muito mais o que querer da vida.



A Coruja


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