17 de março de 2015

Projeto Shakespeare: Ricardo III

(Entra o fantasma do jovem Príncipe Eduardo, filho de Henrique VI.)

FANTASMA DO PRÍNCIPE EDUARDO (ao Rei Ricardo) — Sentirás o meu peso amanhã em tua alma. Lembra-te como me apunhalaste na Primavera da minha juventude em Tewkesbury. Por isso desespera e morre. (Para Richmond) Alegra-te, Richmond, que as maltratadas almas de príncipes assassinados lutam em teu favor. O filho do Rei Henrique, Richmond, te conforta.

(Sai. Entra o fantasma de Henrique VI)

FANTASMA DE HENRIQUE VI (ao Rei Ricardo) — Quando eu era mortal, meu corpo ungido por ti crivado foi de chagas mortais. Pensa na Torre e em mim. Desespera e morre. Henrique VI ordena que desesperes e morras! (Para Richmond) Virtuoso e santo, sê tu o vencedor. Henrique, que profetizou que Rei serias, em teu sono te conforta. Vive e floresce.

(Sai. Entra o fantasma de Clarence.)

FANTASMA DE CLARENCE (ao Rei Ricardo) — Que sintas amanhã meu peso em tua alma, eu, que fui morto em banho de imundo vinho, eu, pobre Clarence, por ti traído até à morte. Amanhã, na batalha, pensa em mim, e que caia sem gume tua espada. Desespera e morre. (Para Richmond) Tu, fruto da Casa de Lancastre, os maltratados herdeiros de York oram por ti. Guardem os anjos bons tua batalha. Vive e floresce.
Ricardo III é uma das mais conhecidas e famosas peças de Shakespeare, tendo feito estupendo sucesso em sua época de estréia e continuando sua trajetória de popularidade nos dias de hoje.

A história segue a subida ao poder de Ricardo, duque de Gloucester, ao trono inglês, atropelando quaisquer princípios e idéias de moralidade que possam se interpor em seu caminho.

É curioso dar-se conta que o personagem mais interessante e mais carismático dessa história é o vilão – e Ricardo é um consumado vilão, melodramático ao extremo, vangloriando-se de ser a própria encarnação do Vício, e, para coroar, é corcunda: afinal, é necessário um defeito físico grave para poder demonstrar toda a maldade da criatura.

Ou talvez o desprezo causado por sua deformação seja a verdadeira razão de seu caráter. Ricardo é amargo e vingativo; seu ódio não me parece ter nascido simplesmente do éter, sem qualquer justificação. Ele não é menos capaz que os irmãos e não fez pouco na guerra para alçar sua linhagem à púrpura – porque deveria ser ele menos amado que os outros?

Mais que qualquer coisa, porém, o ás na manga de Ricardo é sua lábia e capacidade de manipulação. Para começo de conversa, ele auxilia seu irmão mais velho, Eduardo IV, a chegar ao trono, depois consegue fazer seu outro irmão Clarence – que teria preferência ao título na eventual morte do rei – ser considerado traidor e mandado para a Torre de Londres, onde acaba assassinado. Depois ele consegue conquistar Lady Anne, esposa do príncipe deposto pela linhagem de Ricardo e que foi assassinado pelo próprio. Não apenas ela consente ser cortejada pelo assassino de seu marido, como o faz durante o trajeto para enterrar seu sogro (também morto por Ricardo...). Convence seu sobrinho, Eduardo V, o legítimo herdeiro, a se afastar dos outros tios que poderiam tentar protegê-lo (ou manipulá-lo por sua vez); desfaz-se dos lordes que poderiam lhe provocar maior obstáculo, espalha o boato de que os dois príncipes filhos do irmão rei são na verdade bastardos e assim convence a opinião pública a ir lhe pedir para fazer o favor de reivindicar a coroa.

As duas únicas pessoas que não são enganadas por ele em nenhum momento durante a peça são a viúva do rei Henrique VI (que Ricardo e seus irmãos mataram), a rainha Margaret, e a própria mãe de Ricardo, a Duquesa de York – e ambas passam boa parte da peça amaldiçoando o rei corcunda.

A figura da rainha Margaret é uma de particular interesse na peça e em contraponto com Ricardo, uma das mais sanguinárias também. Os dois são símbolos do espírito da época, da guerra civil – o grande conflito que ficaria conhecido como a Guerra das Rosas. Postos um de frente para o outro, na balança de seus atos, nenhum dos dois lados é particularmente inocente.

Ao término da peça, a contagem de corpos na consciência de Ricardo passa dos dez – praticamente todos possuindo algum grau de parentesco com ele. Vão-se o irmão, a esposa, os sobrinhos, cunhados, primos e outros nobres que poderiam lhe causar problemas, sem grandes consequências até que ele conquiste o trono e a guerra civil chegue ao seu auge.

Em 2012 foram descoberto os restos mortais do Ricardo histórico, identidade confirmada por exames de DNA. Tal descoberta reabriu discussões sobre as dezenas de crimes atribuídas ao rei - que teriam sido criados ou bastante aumentados por seus sucessores.

Seja como for, culpado ou inocente, devo confessar que admiro o Ricardo shakesperiano em sua determinação e astúcia para alcançar seus objetivos. Ele é terrível, aterrorizante em sua amoralidade, mas é também absolutamente fascinante – talvez o mais fascinante de todos os grandes vilões de Shakespeare.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: Ricardo III
Autor: William Shakespeare
Tradução: Ana Amélia de Queiroz C. de Mendonça
Editora: Saraiva
Ano: 2013
Número de páginas: 168

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