21 de setembro de 2009

Para ler: Sally e o Mistério do Rubi

Numa tarde fria e opressiva, em princípios de outubro de 1872, uma carruagem de aluguel estacionou em frente à fachada da firma Lockhart & Selby Agentes Marítimos, no coração financeiro e Londres, e uma jovem saiu do cabriolé e pagou ao cocheiro.

A menina tinha cerca de 16 anos – estava só e era excepcionalmente bela. Era esguia e pálida e vestia trajes de luto, com um chapéu preto sob o qual enfiou uma madeixa que se soltara pela insistência do vento. Tinha olhos de um castanho-escuro incomum para uma pessoa tão loura. Seu nome era Sally Lockhart; e dentro de 15 minutos ela iria matar um homem.
(Sally e a maldição do rubi – Philip Pullman)

Já escrevi anteriormente um artigo sobre Pullman e sua obra-prima (ao menos, no meu entender), a trilogia Fronteiras do Universo, quando fiz uma crítica acerca do filme lançado em 2007 – inclusive republiquei o bendito aqui antes de começar este artigo (dê uma olhada logo aí embaixo).

Se eu tivesse lido apenas FdU, eu começaria agora a me derramar em elogios ao Pullman, dizendo como ele é um dos meus autores favoritos e isso e aquilo (não muito diferente de como fiz com Pratchett). Mas, depois de terminar a trilogia, tive a oportunidade de ler A Borboleta Tatuada e não gostei. Ficou muito aquém do que eu esperava de alguém do porte do Pullman (ou de alguém capaz de escrever uma obra do porte de FdU).

Assim, eu tinha chegado à conclusão de que se FdU era uma das minhas histórias favoritas, Pullman não estava no meu top de autores – autores do tipo que, depois de ter lido uma história, saio atrás de todas as outras.

O tempo passou... lançaram mais três livros do Pullman em português - A filha do fabricante de fogos de artifício, O Espantalho e seu criado e A Oxford de Lyra. Desses, só me interessei pelo último, porque era um spin-off de FdU; os outros são livros infantis e suas orelhas não me chamaram particular atenção.

Todos esses fatos, contudo, mudaram esse final de semana.

Entre os presentes que ganhei de aniversário estava um cartão presente da saraiva. Assim, lá fui eu xeretar as prateleiras da livraria e, depois de desencavar um Voltaire e mais um romance água-com-açúcar dos tempos da Regência (estou viciada!), dei de cara com a edição em português do primeiro volume da coleção de Sally Lockhart.

Como eu já tinha ganho um bom tanto dos livros da minha lista de desejos (e até alguns que tinha esquecido de desejar), dei uma olhada na contracapa, vi que a história se passava na época vitoriana e, por falta do que fazer, coloquei-o na crescente pilha debaixo do braço.

Isso foi no sábado. No domingo de tarde, sentei-me com o livro e só me levantei pouco mais de três horas depois, quando cheguei ao fim.

Sally e a maldição do rubi traz todos os elementos que me fizeram admirar Pullman em FdU: personagens carismáticos, alguns com certa inspiração em Dickens; uma protagonista feminina forte e um mocinho capaz de encará-la como igual; trocas de identidades, um bom mistério, excelente caracterização e fundamentação histórica e vilões muito bons. Além, é claro, da coragem em seus finais.

Eu acho que essa é a principal característica de Pullman e o que faz dele um grande autor (e o que me fez rever minha posição e recolocá-lo em meu altar dos autores favoritos) – seus finais não são perfeitos no sentido de todos terminarem felizes para sempre; mas são perfeitos no sentido de respeitar a personalidade de seus personagens e as histórias que ele escreve.

E isso é muito mais do que se pode dizer de outros escritores por aí.

*Agora, se você tem algum escrúpulo sobre saber do final antes de ler o livro (ou os livros, porque eu pesquisei e já sei o que acontece nos três outros volumes da série), ou de quaisquer outros spoilers, vá dar um passeio e só volte depois de ter lido todos os livros de que estou falando hoje. E não diga que não avisei!*

Em FdU, Lyra e Will terminam separados – cada um deve ir para seu próprio mundo ao final. Apenas uma janela deve continuar aberta e, pelo bem das almas que eles encontraram em suas peripécias, deve ser aquele que abre para o “limbo”. Eles poderiam um ir ficar no mundo do outro, mas sabem que se fizerem isso, vão acabar por adoecer e terão suas vidas dolorosamente encurtadas.

A despedida deles é, provavelmente, uma das cenas mais bonitas que já li, quando a Lyra leva o Will ao seu parque em Oxford – um parque existente nos dois mundos – e eles combinam que uma vez ao ano, em determinada data, eles se sentarão ali por uma hora e pensarão no outro.

É um final melancólico, mas que respeita não apenas toda a trama criada até aquele ponto, mas, principalmente, o amor entre os dois. Se eles tivessem sido egoístas e preferido que um se sacrificasse pelo outro ou mesmo que mantivessem uma das janelas abertas... isso teria ido de encontro a todo o crescimento que eles tiveram durante a trama – e embora seja triste, é também perfeito que cada um construa sua república no céu em seu próprio lugar.

Sally também vai por essa linha. Se, no primeiro livro, toda a história girou em torno do rubi, é surpreendente que a protagonista o despreze ao final e o entregue à vilã em troca, muito simplesmente, da verdade.

E, se eu achei os motivos da sra. Holland um tanto superficiais – bem, essa é uma questão cultural. Na era vitoriana, a moral era muito forte e o fato de, quando jovem, ela ter entregue a virgindade pelo rubi – e depois, ter descoberto que foi enganada... bem, o marajá arruinou toda a vida dela com isso.

Mas devemos lembrar que o verdadeiro vilão não é a sra. Holland, apesar de todas as dores que a maldita senhora inflige aos personagens. Pairando sobre todos os personagens, como um verdadeiro mestre de marionetes, temos a seita das Sete Bênçãos – e, caramba, foi um golpe de gênio dar a fundamentação histórica da guerra do ópio, do papel inglês no tráfico e das sociedades secretas chinesas (eu estava quase tinindo para ver um boxer aparecer na história).

Depois de ter terminado o primeiro volume, eu fui, obviamente, atrás de saber a história dos volumes seguintes (e já pesquisar preços para me preparar para encomendá-los... não sei se conseguirei esperar por eles em português...).

E lá está o recurso da separação de novo. Ainda que o final de ...rubi fique em aberto, dá para entender que uma hora ou outra haverá um relacionamento entre Sally e Frederick - o que vi confirmado em minhas pesquisas -, mas que, justamente quando tudo parecia se encaminhar, ele morre num incêndio... deixando-a grávida.

Eu sinceramente não sei se amo Pullman por esse tipo de coisa ou se jogo pedras nele, já que, para mim, os dois são um casal perfeito... Mas, conhecendo-o de outros carnavais, eu creio que não apenas a separação seria necessária à história, como ele também dará a Sally, posteriormente, um final adequado a sua figura.

Final que eu sei que acontece no terceiro livro (eu disse, já li tudo o que podia sobre o assunto)... mas que ficará para comentários quando eu efetivamente ler a história.

De toda forma... eu mais que recomendo Sally e o mistério do rubi para todos que gostam de uma boa história de mistério, com intrigas de todas as espécies, uma pitada de romance e humor e viradas completamente inesperada a cada capítulo.


A Coruja


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Um comentário:

  1. Oi! Que bom que você ganhou muitos livros e não sapatos!!kkk Gosto muito de ler e gostaria que elegesse os melhores livros que você já leu (tipo os 10 +). Estou querendo comprar livros novos e gostaria da sua sugetão.
    P.S.: Se você já fez isso por aki me desculpe, mas tem pouco tempo que acompanho seu blog. Que por sinal é muito bom. Obrigada

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