30 de dezembro de 2020
A Vertigem das Listas: Dez Finais Definitivos
Lulu: Tirando uma folhinha do caderno da Ísis, venho hoje com um tema totalmente subjetivo e quase cabalístico para fechar o ano - e a década -: Dez Finais Definitivos. Que melhor maneira de celebrar o marco de fim de ano (que já vai tarde) e fim de década (que demorou menos que 2020) que um vertigem inteiramente feito de desfechos?
Preparem-se para uma lista sem rima nem verso… ou com alguns versos e rimas, considerando minhas escolhas…
1. Vou começar estes finais com um poema de T. S. Eliot - ou melhor, com a última parte, a mais lembrada e citada das obras do escritor -: Os Homens Ocos. Há muitas referências e contexto para interpretar esse poema; eu prefiro fazer minha interpretação à luz de outro final, o da Primeira Guerra Mundial, tendo em vista ser ele de 1925. Recomendo dar uma olhada no poema inteiro, mas para fins desta lista, fiquemos com o que interessa:
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
Quase que estranhamente apropriado para um ano que deixou a muitos sem ar, não é mesmo?
2. Quando reflito sobre mitologias que conheço, não consigo pensar em nenhuma que tenha um final tão grandioso - e operístico - quanto a nórdica e seu Ragnarök. O Crepúsculo dos Deuses é um final épico e definitivo para um ciclo de histórias. Você enche a boca para falar RAGNARÖK. Desconfio que parte da culpa seja do Wagner e do Sturm und Drang, mas a verdade é que nenhuma outra mitologia mata seus deuses de forma tão definitiva e trágica quanto os nórdicos.
3. O Apocalipse, livro final da Bíblia. Eu sei que falei do ragnarök no item anterior, mas o apocalipse bíblico é outra Besta (pra começar, no lugar de Fenrir tem o Kraken). Na verdade, a Bíblia é um volume muito interessante, com o Antigo Testamento tendo quantidades inenarráveis de sangue (no Egito de Moisés são literais rios de sangue…); heroínas sedutoras capazes de vencer pela luxúria e pela espada (olá, Ester e Judite) e apostas com o diabo (o livro de Jó é uma coisa muito louca…) enquanto o Novo Testamento é de uma subversão jamais vista antes: amor, tolerância, empatia, ame o próximo como a si mesmo e atire a primeira pedra quem nunca pecou. Enfim, o Apocalipse é repleto de imagens incrivelmente belas e assustadoras, e é um final digno para um título tão variado e surpreendente como a Bíblia.
4. O final da trilogia Fronteiras do Universo, de Philip Pullman. Não vou dizer muito sobre o que acontece no final, mas olha, li esses livros adolescente e ainda hoje a despedida, a construção da ideia da “República do Céu”, a promessa de Will e Lyra - tudo isso ressoa na minha memória. Considero esse um dos mais dolorosos e corajosos finais literários que já li. Eu chorei, não nego, mas não acho que podia ter terminado de outra forma.
5. Na décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês, em 1918, foi assinado o armistício que deu fim à Primeira Guerra Mundial. A cena tem uma teatralidade surreal: comandantes dos dois lados reunidos num vagão de trem luxuoso, estacionado numa clareira da floresta de Compiègne, na França. Tudo bem que esse não foi um final tão definitivo quanto se queria - a Segunda Guerra é basicamente uma continuação da campanha de 14-18 e uma consequência direta do humilhante Tratado de Versalhes.
O memorial do evento foi destruído por ordens de Hitler - depois dele forçar os franceses a assinarem o que era basicamente sua rendição exatamente no mesmo lugar, em 1940. Após o final da Segunda Guerra, o local foi restaurado, inclusive com uma réplica do vagão onde ocorreu a assinatura. Esse memorial é um dos lugares que está na minha lista de futuros locais a visitar.
Ísis: Nossa! Adorei o tema e as opções da Lulu, e também adorei a ideia de colocá-lo em dezembro! Vai ser um pouco difícil, mas vamos lá!
… Foi o que pensei inicialmente, mas não importa o quanto eu pense, nenhum “final” que consiga imaginar é definitivo… Sua Majestade, não me execute, por favor!
Historicamente, não consigo visualizar NADA como final porque: 1) eu sempre tenho dúvidas do quanto realmente sabemos sobre os acontecimentos passados; e 2) bem, a humanidade continua, então muita coisa não teve exatamente um fim, vez que influências ainda existem, e nunca se sabe quando pode ressurgir um conflito ou evento baseado naquilo. Por exemplo, sei lá se os alemães não surtarão contra toda a pressão social internacional que passam por conta de Hitler e suas ações, e passam a negar que aconteceu - como muita gente nega COVID, por exemplo - e isso acaba desencadeando outro conflito. Sei lá se um dia a tecnologia nos permitirá alavancar navios bem afundados ou revelar novidades sobre noções que hoje são consideradas fatos históricos? Nunca se sabe…
E quanto a obras literárias, depois de “sofrer” um bocado com finais menos que estelares, tive que desenvolver uma mentalidade de que nenhum final seria definitivo porque sempre há fanfics e eu mesma posso (re)escrever ou mesmo imaginar algo. Claro, não é oficial, mas o que conta para cada um é o head canon, de forma que eu sou mentalmente menos agredida dessa forma. Ir contra essa ideia e “aceitar” o final oficial seria-me psicologicamente lesivo, então não o farei.
Assim, enumero minhas opções e o porquê de não as considerar definitivas.
6. A Cidade(-Estado?) de Atlantis, se é que existiu. Afundada, amaldiçoada, esquecida, inventada… quem sabe a verdade? Mas até que saibamos o que houve com essa cidade, não nos custa fantasiar. Quem sabe aquela história de que virou uma cidade subaquática ou de sereias seja verdade?
7. Titanic, a tragédia marinha mais famosa depois de Atlantis. Uns 2.200 passageiros e equipe a bordo, mas barcos salva-vidas para apenas um terço disso, e ainda assim apenas uns 700 foram salvos. A disputa sobre o Titanic continua até hoje: considerar como túmulo e, portanto, manter os restos em paz, ou escavar e recuperar alguns dos valiosos tesouros e pertences pessoais.
8. Seguindo o exemplo acima, inúmeras vidas perderam-se no mar ao longo dos anos, em épocas de guerras e mesmo nas de paz. Muitos navios e submarinos afundados já foram encontrados, e muitos outros permanecem escondidos por Iemanjá até hoje. Entre eles, o desaparecimento de Amelia Earhart e seu companheiro de voo, Frederick Noonan. Amelia fez muito pelo movimento feminista, inspirando mulheres a almejarem mais do que seus tradicionais papéis na sociedade. Até hoje, porém, não se sabe exatamente o que houve em seus momentos finais, mas as mais recentes hipóteses assumem que o avião chegou à ilha de Nikumaroro, onde algumas pistas foram encontradas. Independentemente disso, a influência desta admirável mulher continua, ou seja, não há ainda um fim.
9. A abolição da escravidão. Ai, por onde começar? No século XIX, vários países passaram a abolir e, mesmo abominar a escravidão dos negros africanos, e passaram a soltá-los. Para muitos, isso foi pior que uma sentença de morte, pois longe de suas origens e abandonados pelo mundo que conheciam, não tinham para onde irem. Muitos tiveram sorte de ter algum apoio, e outros começaram comunidades. De qualquer forma, a forma brutal como suas capturas ocorriam na África, e a falta de estrutura para apoiá-los mundo afora germinou a pobreza que assola a maioria de seus descendentes até hoje. É raro encontrar um negro rico ou bem de vida, e eu admito que sempre que conheço algum que tenha alcançado um bom patamar, sinto renovado meu espírito. Tristemente isso é algo raro, e é bem mais fácil ler sobre trabalhadores ou pessoas que trabalham em condições análogas à escravidão ou pior.
10. O ano de 2020. Eita, ano interessante porém horrível na história da humanidade, quando os interesses econômicos claramente superaram os de bem-estar, e a ignorância e negação da realidade causaram mais outras incontáveis perdas. 2020 acabará em 31 de dezembro de 2020, mas, infelizmente, as tragédias que trouxe e as maquinações sociais que se tornaram evidentes não cessarão ainda… Esse é o ponto negativo da ilusão de que uma construção social como “ano novo” apresenta: o ano é novo, mas a realidade não se altera por isso.
Nossa. Que forma triste de terminar o vertigem desse ano... Só tem coisas deprimentes. Contrário ao que Mrs. Smith afirma em “Senhor e Senhora Smith”, para mim só há um final quando ele é feliz, e como a morte é quase sempre algo de cunho INfeliz, nunca temos um final. Daí minha dificuldade nesse Vertigem. O ponto positivo é que muitos corações enchem-se de esperanças e energias para fazer diferente no ano vindouro; eu quero com todas as minhas forças que consigamos trazer mudanças em 2021 para podermos ter ao menos o que mostrar a 2020 que não decorreu em vão.
Até lá, por favor se cuidem. Lavem as mãos com frequência, lavem as roupas quando voltarem da rua, não saiam de casa se estiverem com algum sintoma - especialmente tosse e espirro. Acima de tudo, usem máscaras e vacinem-se, por favor. É chato pra caramba, mas é a melhor medida que temos para evitarmos uma tragédia ainda maior.
Feliz ano novo, da melhor forma como for possível celebrar de forma segura para todos que amamos!
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