20 de março de 2015

Quem Conta um Conto (Março): O Conto do Dé || Finalmente juntos


Hoje a vi novamente.

Como sempre, foi apenas por um instante, mas um instante a mais. Desde quando vivo assim? Desde que a vi pela primeira vez, é claro. E isto aconteceu a tanto tempo atrás quanto consigo lembrar.


Desde então passo meus dias esperando vê-la, por menos tempo que seja. Devo admitir que, por mais curtos sejam os períodos, vejo-a com relativa frequência. Mas precisei de muito trabalho para isso.

Logo no início, percebi que ela sempre aparecia ao redor de minhas criações, então tratei de espalhá-las, o máximo que eu pude. Comecei aqui, na Terra. Nos mares, mais precisamente, mas logo espalhei pelos continentes, e continuei a fazê-lo, a despeito de tudo.

Ah, mas como gostaria de mais! De tocá-la, trocar palavras com ela, tê-la por perto... Curioso, quando tento lembrar-me, ela sempre parece diferente. Hoje ela usava preto, um manto pesado, que cobria o rosto. Parece gostar dessa aparência, já que não é a primeira vez que a vi assim. Lembro-me uma vez, em que ela também usava preto, uma simples camiseta e jeans, com algo parecido com uma cruz prateada em um cordão. Pena que foi só uma vez, gostei daquela aparência.

Passo os dias pensando nela, mas não posso parar. Preciso continuar, até minha função estar terminada. Quem sabe então poderei encontrá-la...

*****

Ele estava lá. Parecia diferente novamente, como sempre.

Ele estava lá, parado, olhando. Olhando para mim. Como ele poderia estar olhando para mim!? Ele cria tantas coisas bonitas, e eu apenas as destruo.

No início, me interessei apenas pelo trabalho que ele fazia, já que desfazer tudo o que ele faz é o meu trabalho, mas aos poucos... Aos poucos eu quis conhecer o criador daquelas coisas, cada uma mais linda do que a anterior.

Eventualmente, eu o via. Pouco a pouco, desejei sua companhia, seu toque... Mas eu não podia. Não posso. Um dia, poderemos estar juntos, se ele quiser, mas não agora. Não logo, temo.

É engraçado, se penso bem sobre o assunto. No passado, por vezes tive a impressão de que ele criava suas maravilhas apenas para mim. Muitas das coisas que ele fez não foram feitas para durar, eram obviamente imperfeitas. A princípio achei que fosse pratica, uma espécie de rascunho para criações futuras. Todas as coisas que ele criou logo antes de uma das grandes mudanças? Ou quando as próprias criações dele foram a causa das mudanças?

Hoje eu penso... Será que não eram tentativas de ele chegar até mim? Um dia... um dia...

*****

Muito tempo se passou, mas finalmente posso parar. Criei minha última obra, e agora, basta espera-la.

*****

Está na hora. Aquela é a última obra dele, e está na hora de eu destruí-la. E... e lá está ele!

*****

- O que você faz aqui?

- Esperando por você, é claro.

- Você não deve.

- E por que não?

- Você sabe o porquê. Não podemos!

- Verdade. Eu não ligo. Não suporto mais isto.

- ...

- Desde o início, estamos nesta situação! Buscando vislumbres um do outro! Sem nunca podermos nos falar, nos tocar! Estou cansado! Meu trabalho terminou! Agora, só restamos nós.

- Você... não deveria...

- Por quanto tempo o “não deveria” nos manteve afastados? Chega! Basta você dizer “sim”...

- Eu...

- Entendo... Pode deixar... não a perturbarei mais.

- ESPERE! Eu... eu... Sim.

- Então... Posso me aproximar?

- Sim. Posso... posso tocar em você?

- Sim.

 - Finalmente juntos.

- E agora, para sempre.

O Bode


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