7 de março de 2015
Gazeta de Longbourn: Evelina
Já tinha ouvido falar de Frances Burney antes – não por acaso, em conjuntura com o nome da Austen: ela é citada nominalmente como uma das autoras lidas por Catherine em A Abadia de Northanger. Assim é que, quando foi anunciado o lançamento de Evelina em português, eu imediatamente providenciei para colocá-lo na minha lista de leituras.Existe um pouco de melancolia em mim ao escrever um relato de nossas últimas aventuras em Londres. Contudo, como este dia é meramente apropriado a fazer malas e preparativos para nossa jornada, e como deverei em pouco tempo não ter mais aventuras para escrever, acho melhor completar meu diário da cidade de uma vez: e, quando o senhor tiver tudo junto, espero, meu caro Senhor, o senhor me enviará suas observações e pensamentos sobre ele a Howard Grove.
Evelina, a protagonista, é uma jovem de beleza estonteante (considerando o fato de que mais da metade dos personagens masculinos da história aparentemente se apaixona por ela antes mesmo que ela possa pensar em abrir a boca), com uma situação familiar um tanto precária, que, acompanhando amigos numa temporada em Londres, vê-se em uma série de situações constrangedoras e até mesmo estapafúrdias.
O romance é epistolar, com as cartas-diário de Evelina fazendo as vezes de narrativa em primeira pessoa. Considerando que em vários pontos a narrativa transcreve diálogos inteiros com um número de detalhes impressionante, o recurso das cartas por vezes me pareceu um pouco artificial – eu estou acostumada a escrever e receber cartas (sim, cartas, não e-mails), e quando vou narrar um ‘causo’ numa missiva, normalmente não desço às mínimas minúcias do que foi dito por cada conviva em cada situação, mas me concentro na essência do caso em questão.
Claro que não posso julgar a forma pela qual Evelina escreve suas cartas com as minhas... mas posso fazer a comparação com outro romance epistolar – no caso, Lady Susan, da própria Austen - e devo dizer que o estilo de tia Jane é muito mais crível como cartas trocadas entre vários personagens.
Evelina é ingênua, espontânea e sem artifícios: isso faz parte de seus encantos, mas também é a razão pela qual ela termina em tantas situações embaraçosas – ganhando com isso o desprezo ressentido de Mr. Lovel, a perseguição incessante de Sir Clement Willoughby (e, cá entre nós, vejo muitas semelhanças entre ele e o Willoughby de Razão e Sensibilidade) e a admiração sincera de Lorde Orville.
Para além disso, considerando que Evelina não dá um passo em Londres sem tropeçar em alguém conhecido ou importante para sua história – como quando a família que a está abrigando dá carona em sua carruagem para a hilariante Madame Duval, a avó de quem a jovem anda se escondendo – a impressão que se tem é que a sociedade por onde os personagens circulam é absolutamente minúscula.
Para o leitor de Austen, é possível encontrar muitos ecos ao longo das páginas do romance de Burney. Evelina lembra a ingenuidade de Catherine Morland, mas tem a perfeição da Emma de Os Watsons, com uma situação financeira e familiar até um pouco parecida. Desse mesmo romance, o nome de Lorde Osborne também não parece longe do de Lorde Orville. O escândalo representado por Madame Duval e seus planos para a neta fazem pensar na já citada Lady Susan. De Willoughby já falamos e o Capitão Mirvain me fez pensar numa junção mais desagradável do jovial Sir Middleton com o eternamente taciturno e resmungão Mr. Palmer, todos de Razão e Sensibilidade.
Com tudo isso, devo dizer que se você vai ler Evelina crendo que está lendo mais Austen, você talvez vá se decepcionar. Burney é divertida e entrega um bom romance, mas ela não se aprofunda em temas sociais ou sobre a situação feminina – ela está longe do realismo sutil que Austen imprime as suas obras.
Evelina tem bom senso, mas praticamente não dá um passo sem a permissão expressa de seu tutor. As figuras masculinas em sua vida, incluindo seu par romântico, estão sempre orientando suas ações, doutrinando-a. Ela começa e termina a história sem crescimento pessoal porque desde o começo é praticamente perfeita. Ela é fruto de sua época, uma das precursoras do chamado romance sentimental. Burney abriu caminho para Austen, mas as duas estão em patamares muito diferentes.
Não quero dizer com isso que Evelina não tenha seu charme. Eu me diverti muito com as mil e uma trapalhadas em que nossa protagonista se metia fosse por culpa de sua (dolorosa) ingenuidade, fosse por sua capacidade de atrair a atenção masculina em todo lugar que chegava. O romance é uma matéria-prima de primeira para uma novela de época para o horário das seis – há dândis sedutores, identidades roubadas, irmãos perdidos, fortunas herdadas, bailes, um capitão bonachão para servir de alívio cômico, uma heroína sem posses e um herói par do reino.
Eu certamente assistiria.
Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: Evelina
Autor: Frances Burney
Tradução: Gabriela Alcoforado
Ilustrações: Hugh Thomson
Editora: Pedra Azul
Ano: 2014
Número de páginas: 387
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A Coruja
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Estava lendo sua resenha e estava pensando no quanto esses livros de época podem gerar um bom debate. Já li todos os livros de austen (alguns várias vezes) e acabei de ler Pamela de Samuel Richardson, publicado em 1740, que também é escrito de forma epistolar. Não há como comparar estilos de narrativa quando a diferença entre os livros são de 80, 60 anos entre suas publicações, principalmente com suas cartas de agora. Nossa linguagem muda muito em 10 anos, basta ver os jovens hoje, que dirá em 30, 60, 100, 200 anos. O desenvolvimento do amor também mudou. No período destes livros, as pessoas não se conheciam, não sabiam nada, ou muito pouco sobre as outras pessoas porque todos se comportavam de acordo com um padrão. Não falavam abertamente, haviam pensamentos e atitudes inaceitáveis. A aparência era quase tudo. E o círculo onde a aristocracia convivia era minúsculo, mesmo em Londres. Outra situação que acho que influencia bastante era o fato de Austen ser solteira, o que acredito naturalmente a tornava mais sensível e crítica em relação a situação das mulheres. Enfim, gosto muito dos clássicos de época pois nos colocam a pensar. Como será que daqui a 50 ou 100 anos farão resenhas de nossos livros?
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