6 de maio de 2014
Projeto Shakespeare: Romeu e Julieta
Era inevitável que, mais dia menos dia, eu falasse de Romeu e Julieta no meu Projeto Shakespeare. Ainda que todo mundo já conheça meus sentimentos sobre o Romeu...Qual é a luz que brilha através daquela janela? É o Oriente, e Julieta é o Sol. Ergue-te, ó Sol resplandecente, e mata a Lua invejosa, que já está fraca e pálida de dor ao ver que tu, sua sacerdotiza, és muito mais bela do que ela própria. Não queiras mais ser sua sacerdotiza, já que tão invejosa é! As roupagens de vestal são doentias e lívidas, e somente os loucos as usam. Deita-as fora! Esta é a minha dama! Oh, eis o meu amor! Se ela o pudesse saber... Está a falar! Não, não diz nada, mas quê isso importa? O seu olhar é que fala e eu vou responder-lhe... Sou ousado demais, não é para mim que ela fala. Duas das mais belas estrelas de todo firmamento, quando têm alguma coisa a fazer, pedem aos olhos dela que brilhem nas suas esferas até que elas retornem. Oh, se os seus olhos estivessem no firmamento e as estrelas no seu rosto! O esplendor da sua face envergonharia as estrelas do mesmo modo que a luz do dia faria envergonhar uma lâmpada. Se os seus olhos estivessem no céu, lançariam, através das regiões etéreas, raios de tal esplendor que os pássaros cantariam esquecendo que era noite. Vêde como ela apoia a cabeça em suas mãos! Oh, quem me dera ser a luva dessa mão para poder tocar o seu rosto!
A história dos amantes condenados à tragédia pelo ódio entre suas famílias é universalmente conhecida. Se alienígenas viessem à Terra, provavelmente haveria uma cópia dessa peça na cesta de boas-vindas para eles (não perguntem de onde isso apareceu...) – não apenas é um clássico, mas é também excelente para explicar relações humanas, e o exemplo por excelência da paixão.
Paixão, veja bem. Eu concordo com qualquer um que diga que Romeu e Julieta é a maior história de paixão já escrita. Mas não me falem de amor, porque não é disso que se trata a peça. Amor é algo que vem com o tempo, com a convivência e o conhecimento um do outro.
Entre o baile em que se conhecem, o casamento, a fuga de Romeu e a morte dele e de Julieta, não se passa talvez nem um mês. Tudo acontece muito rápido, num ritmo francamente febril.
Romeu começa a história profundamente enamorado de Rosalinda, isolando-se de tudo e todos, envolto em sua desesperança – vez que a mulher que ama fez voto de castidade – e miséria. É tentando forçá-lo a voltar à vida, a se desapegar desses sentimentos, que seu melhor amigo, Mercutio, e o primo, Benvolio, o convencem a ir à festa dos Capuleto, inimigos mortais de sua família, os Montecchio.
A idéia dos dois é mostrar a Romeu quantas outras belezas muito mais fáceis de serem cascateadas existem na cidade, ao que Romeu responde que ele não se importa porque seu amor é constante e aos seus olhos só existe Rosalinda.
Problema é que uma vez chegando ao bendito baile, o jovem dá de cara com Julieta, filha única do patriarca dos Capuleto... e Rosalinda desaparece da história. Porque, claro, é muito mais fácil gostar da mocinha filha do seu maior inimigo que da mocinha que quer ser freira.
Sério, Romeu estava sempre se sabotando ou é só impressão minha?
O caso é que, para a surpresa de todo mundo, Julieta também se apaixona à primeira vista pelo rapaz. E está disposta a ir até as últimas conseqüências por essa paixão: ela propõe casamento e logo depois eles estão se unindo secretamente sob as bênçãos do Frade Laurence, que vê na aliança uma forma de acabar com o ódio entre os Montecchio e os Capuleto.
Infelizmente, quando falo que Julieta está disposta a ir até as últimas conseqüências, não é uma simples figura de linguagem – após a morte de Teobaldo e da fuga de Romeu, ao se ver prestes a um segundo casamento forçado com Páris, ela está pronta para tomar a própria vida – e se primeiro ela se deixa convencer pelo Fraude, na segunda vez, ela não hesita em cravar um punhal no peito.
A prosa e poesia de Romeu e Julieta estão entre o que há de melhor no trabalho do bardo. Há uma fluidez e uma musicalidade que são fascinantes: o solilóquio de Julieta, as juras entre ela e Romeu (‘não jures pela lua, esta inconstante...’), a descrição de Mab por Mercutio, o duelo que termina com a morte de Teobaldo e Mercutio... É difícil escolher um único trecho da peça para chamar de favorito.
Não há nenhum personagem de ânimos calmos nessa peça. Todos são passionais e intensos. Sanguíneos. Eles estão sempre se deixando levar pelas emoções – pela luxúria, pela ira, pelo encanto, pelo ódio.
Então, porque é que eu vivo reclamando dessa peça? Mais de uma pessoa já me perguntou, achando que eu não gosto de Romeu e Julieta, o que não é verdade – eu a acho uma das grandes tragédias shakesperianas. Meu problema não é com a peça em si, que é toda ela uma jóia da retórica, mas é sim um problema pessoal com o personagem do Romeu, que na vida real seria alguém que eu detestaria.
Romeu é inconstante – como prova a forma como suas afeições se transferem de forma tão rápida de Rosalinda para Julieta. Ele já começa com uma tendência à depressão e ao suicídio, mesmo antes de sua paixão por Julieta – basta ver como Benvolio se exprime na abertura da peça para os tios. Ele é instável e precipitado. O único momento em que ele parece tentar se controlar é quando Teobaldo o desafia.
São suas ações que estão por trás de toda a tragédia da peça. Romeu nunca pára para refletir sobre as conseqüências de seus atos. Ele é como um trem desgovernado, ou uma perseguição alucinada – na versão cinematográfica de Baz Luhrmann, há uma cena de perseguição que pra mim define bem todo o caráter do personagem.
Dentro do texto, no universo de Verona imaginária em que se batem os Montecchio e os Capuleto, ele é perfeito. Só que para mim, em particular, seria difícil gostar de alguém como ele – na minha concepção, Romeu é um grande babaca. E isso sempre me faz pensar no que teria acontecido caso ele e Julieta não tivessem se suicidado: por todas as características de que já falei, minha impressão é que também não haveria final feliz, especialmente para Julieta...
A Coruja
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