4 de março de 2014
Desafio Corujesco: O Circo Mecânico || O Circo da Noite
Na segunda rodada do meu desafio corujesco de limpar minhas estantes de livros parados há muito tempo na lista de espera, hoje teremos uma resenha dupla... dois livros que tenho aqui que têm algo em comum no título – no caso, meus dois escolhidos falam de “circo” e, curiosamente, ambos foram presentes (um de natal e outro de aniversário).
Começarei pelo O Circo da Noite, que está na espera há mais tempo...
Celia e Marco – os protagonistas da história – começam como duas crianças sendo moldadas para um grande evento, um desafio de magia. Ambos são aprendizes de dois grandes mágicos rivais: Hector, que esconde por trás de seus truques de ilusionismo real poder, e Alexander, que despreza aqueles que se revelam a magia sob o verniz de truques de salão.Você pode contar uma história que toma residência na alma de alguém, se transforma em seu sangue e identidade e propósito. Esse conto irá movê-los e inspirá-los e quem sabe o que eles poderão fazer por causa dele, por causa das suas palavras. Esse é o seu papel, o seu dom.
A princípio, eles não são mais que peças de um jogo, mas as coisas mudam quando acabam por se apaixonar.
Passei exatos dois anos para tirar esse livro da estante, o que é bastante curioso, considerando que quando o ganhei (um caso de presente escolhido a dedo...) estava super empolgada para lê-lo, visto ter sido ele indicado (e quase ganho) o prêmio de Melhor Fantasia do 2011 Goodreads Choice Awards. O caso é que outros volumes foram entrando na biblioteca e ganhando prioridade e ele foi sendo deixado pra trás.
Talvez por isso, quando finalmente comecei a ler, já não tinha mais tantas expectativas e nem me lembrava exatamente de como ele tinha chegado a mim...
A primeira coisa que se tem para dizer de O Circo da Noite é que eu não o indico indiscriminadamente. O ritmo lento, a construção das relações entre os personagens e do próprio circo não são características de um livro-unanimidade. Eu mesma, se o tivesse pego numa época em que me restava pouca paciência com o acúmulo de coisas que tenho na minha mesa, talvez o tivesse abandonado achando que a história não iria a lugar algum.
Mais ou menos a mesma coisa que aconteceu com Jonathan Strange e Mr. Norrell que hoje é um dos meus livros de fantasia favoritos de todos os tempos...
O Circo da Noite não chegou a se tornar um favorito, mas eu me apaixonei pela história. Pelas pinceladas cuidadosas, sombrias e encantadoras com que ela descreve o Circo. Pelo mistério, pela aura quase assombrada que permeia todas as ações, todas as histórias que se intercruzam no livro. Morgenstern tece um mundo inteiro de sonho e ilusão entre as tendas brancas e pretas, um mundo que parece constantemente envolto em penumbra.
Todos os personagens têm sua vez no picadeiro, todos eles são peças importantes no desafio sem regras, sem prazos, sem limites que colocam Celia e Marco frente a frente – e mesmo o desafio é apenas uma desculpa para descobrir e engrandecer o verdadeiro protagonista: o Circo.
As longas e detalhadas descrições de Morgenstern ajudam a compor a imagística do circo (e imagino que esses detalhes ficaram soberbos num filme – as cores, as texturas, os relevos; tatuagens e relógios e uma echarpe vermelha num fundo negro) e a criar essas impressões todas.
Não se trata de um livro fácil. Não é todo mundo que vai ter paciência de desacelerar o suficiente para acompanhar os intrincados encantos com que os dois ilusionistas se desafiam continuamente. Mas vale à pena desbravar o mundo de ‘Le Cirque dês Rêves’.
O Circo Mecânico Tresaulti foi publicado originalmente em 2011 - curiosamente, no mesmo ano de O Circo da Noite - e indicado à época ao prêmio de melhor romance do Nebula, que é hoje um dos maiores prêmios literários para ficção científica e fantasia.Respeitável público, sejam bem vindos ao incrível Circo Mêcanico Tresaulti, o lugar para quem acredita no mundo mágico que nos rodeia. Permita-me conduzi-lo por uma viagem única através da luz e das sombras onde descobriremos juntos uma nova forma de ver tudo e a todos. Onde não existe limite entre o picadeiro e a plateia, onde tudo é real e o único limite é a nossa vontade de sonhar.
O mundo passou por uma grande guerra da qual não chegamos a saber os particulares, mas que resultaram num cenário pós-apocalíptico steampunk, em que as cidades que sobreviveram às bombas e radiação se fecharam. É por essas cidades-estado que viaja o Circo Tresaulti, recolhendo no caminho pessoas que não parecem mais ter escolhas, muitos ex-soldados que querem esquecer o sangue que levam nas mãos.
A história é contada como uma colcha de retalhos, sob diferentes pontos de vista – o que por vezes confunde um pouco o leitor, porque as mudanças são muitas vezes abruptas, saindo da primeira pessoa (Little George) para um narrador onisciente; do presente para o passado; do circo para a guerra.
Há poucas explicações e muitos mistérios. O mundo do circo Tresaulti é um mundo sujo, cruel, em que se quer esquecer o passado, mas o passado sempre o persegue. O quebra-cabeça que são as diferentes vozes que emergem ao longo da história faz eco aos destroços deixados pela guerra. É algo real e desesperado, cortante e ácido.
Tal como O Circo da Noite, não é um livro fácil – não pelo ritmo, que além de acelerado ainda é constantemente jogado para o passado em flashbacks; mas pela forma como você tem que ir juntando todas as peças, todos os pequenos detalhes para entender a figura geral que se apresenta.
Não posso deixar de observar também o projeto gráfico de ambos: da capa, às ilustrações - o branco e preto no O Circo da Noite; o dourado e branco no O Circo Mecânico Tresaulti - tudo nos convida a mergulhar nos mundos que os livros retratam. As editoras estão de parabéns.
Bônus: Comparando os dois livros, percebo que em ambos, os protagonistas são mais que as pessoas: são os próprios circos. Curiosamente ‘Le Cirque dês Rêves’, com sua elegância, seu cuidado com os detalhes, seu fechamento em si mesmo e seus ilusionistas que são verdadeiros magos é o exato oposto do Circo Tresaulti, com seus homens e mulheres mecânicos, com figurinos que são colchas de retalhos do que se pode aproveitar e seu relacionamento com o mundo em ruínas ao seu redor.
Minha preferência ficou com a elegância, a intriga e a penumbra do Circo da Noite, com suas tendas que são cartas de amor entre dois rivais cuja inteira existência gira em torno um do outro. Mas ambos são bons livros, repletos de imagens surpreendentes, assombrosas, dolorosas.
A Coruja
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Gostei bastante do circo da Noite, li por indicação de uma amiga escritora que considera ele seu livro favorito. Não me arrependi mas concordo com você em relação a narrativa, ela é bastante lenta mas em determinado momento você começa a sentir o circo e ele fica muito real. Até hoje consigo experimentar as maças carameladas ou entrar na floresta encantada.
ResponderExcluirÉ realmente surreal o quanto o Circo se torna... palpável. Eu indiquei ele para a Dani, porque acho que as descrições minuciosas do mundo do Cirque de les Reves certamente apelarão para a sensibilidade artística dela.
ExcluirEu adoraria ver esse livro transformado num filme; do meu ponto de vista ele nasceu já roteirizado...
Hum... no mês de livros com títulos parecidos só li livros no kindle :-)
ResponderExcluir"the jungle book" e "Miss Buncle's book"
As resenhas:
http://leiturasdelaura.blogspot.com.br/2014/03/miss-buncles-book.html
http://leiturasdelaura.blogspot.com.br/2014/03/the-jungle-book.html
Ótimo que você esteja participando do desafio, Laura! Tô indo lá ler suas resenhas!
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