8 de agosto de 2013
Para ler: Memórias Desmortas de Brás Cubas
Um ano atrás eu estava no aeroporto em Lisboa, esperando o vôo para Paris (metida, eu? Imagina...), fazendo de conta que não tinha ninguém me olhando estranho depois de ver de relance a capa do livro com que eu estava abraçada.– Caro amigo, devo lhe informar que eu devorei o seu cérebro. Sinto dizer, mas foi coisa do momento. Instinto, talvez. Aliás, você não devia ter me acordado daquele jeito. Por quê…?
Prudêncio fez esforço para articular a palavra, mas depois de algumas tentativas eu entendi: ele tentava dizer emplasto. Tive quase certeza. Mas poderia muito bem ser Jamaica. Depois de mortos, eles precisam de algumas sessões no fonoaudiólogo, fica meio difícil de compreender o que querem expressar. Mas era emplasto, decerto. Foi quando tudo se encaixou.
Ele estava atrás do meu emplasto. Da minha glória, o meu legado, a minha essência. Culpa minha ter mencionado a minha criação em frente àquela corja de interesseiros aglomerada junto ao meu leito. Passei-lhe um belo sermão, e Prudêncio, envergonhado, permaneceu o tempo todo cabisbaixo, choramingando. Ao fim, claramente arrependido, perguntou-me:
– Miiiioooolos?
– Decerto, velho amigo. Decerto.
Eram as Memórias Desmortas de Brás Cubas e não tenho bem certeza, mas acho que o ‘gajo’ sentado ao meu lado achou que eu era algum tipo de sociopata ou coisa do tipo pela combinação de escolha de leitura e risadas. Ou então que a qualquer momento eu me levantaria babando e dizendo ‘miolos...’
Memórias Desmortas de Brás Cubas continua de onde o clássico machadiano parou: após rememorar sua existência, Brás Cubas passa a contar como despertou no túmulo por obra e graça de seu magnífico emplasto; foi desenterrado por seu ex-escravo Prudência, que estava atrás da fórmula do mesmo e prontamente atacou o camarada e devorou seu cérebro.
Em morte, Cubas continua obcecado pelas mesmas coisas que dominavam sua vida: o emplasto ‘panacéia universal’ e Virgínia – e no caminho para chegar aos dois ele cruza com outros ícones do Bruxo do Cosme Velho (impagável seu encontro com o Alienista), produz uma horda de zumbis e um rastro de destruição bastante sangrento.
O livro é divertido e bem mais inteligente em seus trocadilhos, encontros e desencontros que Orgulho e Preconceito e Zumbis – que me parece ter sido o primeiro do gênero dos mash-ups. Isso porque não existe apenas um recontar da história original com o acréscimo de qualquer que seja a criatura sobrenatural de escolha, mas existe um enredo novo e Brás Cubas, conversando diretamente com o leitor, critica como suas memórias originais foram apropriadas por academicistas que tiram todo o prazer da leitura ao mesmo tempo em que forçam adolescentes sem maturidade a ler um texto denso e decorar fórmulas, traumatizando a criatura pelo resto da vida.
É, enfim, um volume bem divertido, que dá algo no que pensar, com um sem número de referências curiosas e marcantes. Só tenha cuidado para não escorregar no sangue e vísceras deixados pelo caminho...
A Coruja
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
AH que bom! Eu achava que seria algo como Orgulho e Preconceito e Zumbis que eu não achei tão bom. Esse livro é algo que eu estou curiosa pra ler.
ResponderExcluirMilla,
http://estanteaoreves.blogspot.com/
Opa, valeu pela resenha, Coruja! :)
ResponderExcluirFico feliz que tenha curtido e captado (mto bem) o espírito da coisa (com certeza a ideia foi se distanciar um pouco da fórmula do Orgulho e preconceito e zumbis).
Abs!