23 de agosto de 2012

Para ler: O Relato de Arthur Gordon Pym


São raras as ocasiões em que um homem abandona seu instinto natural de preservação da vida, seu profundo afeto pela existência, que geralmente aumenta na mesma proporção do perigo que a ameaça.

Comecei esse livro pouco depois de ter assistido O Corvo esse ano – porque uma das coisas mais importantes que percebi assistindo o filme é que ainda não conhecia toda a obra de Poe. Assim é que após Arthur Gordon Pym, o próximo que vou atacar é Marie Rogêt.

Pois bem... O Relato de Arthur Gordon Pym é o único romance completo de Edgar Allan Poe, um escritor muito mais conhecido por seus contos – embora fosse também poeta, editor e crítico – e serviu como inspiração para autores como Verne e Melville, em especial na obra-prima desse último, Moby Dick. Por isso tudo, comecei o livro bem curiosa – afinal, para ter sido tão influente, o romance de Poe certamente seria interessante.

Curiosa continuei mesmo depois de ter terminado o livro. A história não fecha, encerrando-se abruptamente e deixando à nossa imaginação tentar descobrir o que aconteceu a Pym. Do começo ao fim, Poe brinca com as nossas expectativas, aumentando pouco a pouco o suspense – de início uma grande aventura que, estranhamente, me fez pensar no Tintim de Hergé, a história toma rumos mais sombrios, delirantes, monstruosos.

Tudo o que o jovem e melancólico Arthur Pym queria era partir numa jornada de navio, viver a vida de um marinheiro, um capitão do mar. Para tanto, embarca com a ajuda de um amigo – Augusto – como clandestino num baleeiro pertencente ao pai deste. O plano era se revelar quando já estivessem em mar alto e fosse impossível voltar à terra de pronto.

Assim, enfia-se Pym no porão do baleeiro, onde passa dias respirando o ar tóxico proveniente do óleo de baleia armazenado, entre sonos de delírio e pesadelo. Perde a noção do tempo e talvez tivesse perdido também a vida, tolhido pela fome, a sede e o ar envenenado não tivesse Augusto chegado quando chegou. Problema é que ele sai da ratoeira para cair na frigideira.

Houve um motim, muitos dos marinheiros foram mortos e o navio foi tomado por uma corja de assassinos sedentos de sangue. Considerando o que acontece na seqüência, teria sido mais misericordioso se Arthur tivesse morrido no porão. O que se segue é um quadro cada vez mais desesperador de traição, morte, canibalismo, navios fantasmas tomados por cadáveres, caracteres estranhos e a impressão de que se alguma lovecraftiana – talvez o próprio Cthulhu – aparecesse, não estaria fora do lugar.

O romance é elusivo, confuso – propositalmente confuso. E essa incapacidade de compreender totalmente o que está acontecendo é que dá o tom do livro. Nos sentimos tão perdidos, febris e delirantes quanto Pym e por um instante nos perguntamos se todos aqueles horrores não seriam sintomas da loucura causada por todas as privações que os personagens acabam sofrendo.

Muitos autores tentaram dar um ‘final’ ao romance, explicar a evolução de uma novela de aventura quase agradável para horror sutilmente sobrenatural. Não acho que isso seja realmente necessário; que para uma história ser aceitável ela tenha de dar todas as respostas. Pelo contrário, dar espaço para que o leitor imagine, pense, reflita, faça suas próprias conjecturas e chegue às suas próprias conclusões só faz crescer o valor da obra.

E agora, quais são suas conclusões?


A Coruja


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