20 de outubro de 2011
Meme Literário: Dia 20 - Você gosta de poesias?
Dia 20 – Você gosta de poesias? Qual o seu poeta ou poema favorito?
Não sou uma fã devota, do tipo que procura livros do tipo e sabe todos os favoritos de cor (apesar do fato de que sou capaz de me lembrar de memória de trechos dos meus favoritos), mas gosto sim. Curiosamente, meus favoritos são poetas que, a princípio, não parecem seguir a fórmula do ourives, na confissão de fé de Bilac – posso citar de imediato Drummond, Vinícius e Bandeira.
Desses, Bandeira é o que mais gosto; não por alguma ideologia ou filiação a uma escola literária, mas porque posso literalmente caminhar em muitos de seus poemas. Tenho um carinho especial por Evocação do Recife; ele faz parte da minha memória, das primeiras andanças que fiz pelo centro, sempre ao lado da minha mãe, ouvindo histórias da juventude dela ao mesmo tempo em que começava a viver as minhas próprias.
Já bati muita perna na Rua da União; por trás da Aurora há uma padaria que adoro; ali mais em frente eu ia comprar quadrinhos e conhecia uns tipos bem loucos. O Príncipe, a Treze de Maio, passando pela rua Direita, até o Forte e voltando pelos casarões históricos, pelo São José, até o Santa Isabel e dali olhar o cais, o rio, os pescadores, lá na frente o Alfândega...
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.
A Coruja
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Sobre
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Oi!
ResponderExcluirEu lembrei de vários poemas que li, escritos pelo Affonso Romano. Claro, não identifiquei-me com nenhum deles, pois a maioria são inspiradas em viagens europeias, e eu mal saio de minha cidade...
De certa forma eu achei muito bacana a sua identificação com a poesia e com o chão que pisa, pois traz lembranças com cheiros e cores. bom te ler. Abração!
Também adoro a poesia de Manoel Bandeira; para quem viveu no Recife, esse poema deve ser ainda mais emocionante.
ResponderExcluirLembro de ter lido sobre quando Bandeira e Vinícius se conheceram, foi em uma festa e começaram a conversar por causa de uma lagartixinha (de verdade!) que um deles tinha nas mãos. Poetas! :-)