2 de junho de 2009
Para ler: Mortal Instruments
Havia um garoto. Quando o garoto tinha seis anos de idade, seu pai lhe deu um falcão para que ele o treinasse. Falcões são caçadores de outras aves, seu pai lhe disse, os Caçadores de Sombras dos céus.
O falcão não gostava do garoto e o garoto não gostava dele também. Seu bico afiado o deixava nervoso, e seus olhos claros pareciam estar sempre observando-o. Ele o atacaria com bico e garras toda vez que ele chegasse perto: por semanas seus pulsos e mãos estavam sempre sangrando. Ele não sabia disso, mas seu pai havia selecionado um falcão que vivera selvagemente por mais de um ano. E assim, era quase impossível domá-lo. Mas o garoto tentou, porque seu pai havia dito para fazer o falcão obediente e ele queria fazê-lo orgulhoso.
Ele permaneceu com o falcão constantemente, mantendo-o acordado conversando com ele ou tocando música para ele, porque a uma ave cansada é supostamente mais fácil domar. Ele aprendeu o equipamento: os jesses, o capuz, as luvas, a leash que segurava a ave ao seu pulso. Ele deveria manter o falcão cego, mas ele não conseguia fazê-lo – em vez disso, tentava sentar onde a ave podia vê-lo enquanto ele a tocava e acariciava suas asas, tentando convencê-lo a confiar nele. Ele o alimentava de sua própria mão, e, a princípio, ele não comia. Mais tarde, comida tão selvagemente que seu bico cortou a pele de sua palma. Mas o garoto estava contente, porque era progresso, e porque ele queria que a ave o conhecesse, mesmo que ela tivesse que consumir seu sangue para que isso ocorresse.
Ele começou a ver que o falcão era belo, que suas finas asas era feitas para a velocidade do vôo, que ele era forte e rápido, feroz e suave. Quando lançado do chão, ele se movia como luz. Quando ele aprendeu a circular e vir ao seu pulso, ele quase gritou de alegria. Algumas vezes, a ave pousava em seu ombro e colocava o bico em seu cabelo. Ele sabia que seu falcão o amava e, quando ele estava certo de que não apenas o havia domado, mas perfeitamente também, ele foi procurar seu pai para mostrar a ele o que havia feito, esperando que ele ficasse orgulhoso.
Em vez disso, o pai tomou a ave, agora domada e confiante, em suas mãos e quebrou seu pescoço. ‘Eu disse que era para fazê-lo obediente’, seu pai disse, e largou o corpo sem vida do falcão no chão. ‘Em vez disso, você o ensinou a amá-lo. Falcões não são criados para serem amados animais de estimação: eles são ferozes, selvagens e cruéis. Esta ave não estava domada; estava quebrada’.
Depois disso, o pai deixou que ele chorasse sobre a ave, até que eventualmente mandou um servo levar o corpo do falcão e enterrá-lo. O garoto nunca mais chorou, e nunca esqueceu o que aprendera com aquela lição: que amar é destruir e ser amado é ser aquele que é destruído.
Descobri Cassandra Clare por puro acaso. Estava olhando o site Twilighted atrás de boas histórias para ler (um dia falarei sobre ele, mas não hoje) quando bati no mouse sem querer e fui parar no site da Amazon, direto em Cidade dos Ossos, o primeiro livro da trilogia Mortal Instruments.
Não sei exatamente o que me chamou a atenção no sumário do livro – talvez a menção de que era uma história de ficção fantástica – e acabei por voltar para o Twilighted, onde eu sabia ter visto alguma coisa falando dessa autora, embora nunca antes tivesse parado para ver o que era.
Tratava-se do anúncio de concurso de histórias originais e de uma entrevista com a autora. Foi então que descobri que Cassandra Clare começara como autora de fanfics, antes de ir parar na lista de mais vendidos do New York Times.
Se faltava alguma coisa para prender de vez minha atenção, agora não faltava mais. Como não estava assim tão convencida de que valia à pena importar o livro, saí catando por aí até achar os três livros em inglês para baixar e, quase imediatamente, pus-me a ler.
*Se você não quer saber do que se trata a história e prefere esperar até que alguma editora brasileira se interesse por trazer os livros, por favor, pule os próximos três parágrafos*
Ok, lá vai o resumo da história: Clary, uma garota aparentemente normal vê seu mundo virar de ponta-cabeça quando descobre a existência de demônios, meio-demônios e caçadores de demônios (mais conhecidos como shadowhunters); sua casa é atacada, sua mãe desaparece e ela então descobre que a mãe era uma caçadora renegada que tinha mexido em sua memória para que ela não soubesse nada desse “outro mundo”. No processo de tentar encontrar a mãe e descobrir a verdade sobre tudo que esconderam dela em seus quinze anos de vida, Clary vai topar com Jace, um shadowhunter por quem acabará se apaixonando – sendo correspondida. Ao longo do caminho, Clary descobre que o grande vilão da história, Valentine, é seu pai e que Jace é seu irmão.
Valentine também foi um shadowhunter, só que se revoltou com o mundo depois que o Conselho decidiu fazer um acordo de paz com os demônios menos perigosos. Ele então fez um acordo com os demônios maiores do Inferno para poder destruir o Conselho, os demônios menores e promover uma grande cruzada de “limpeza racial” contra qualquer um com sangue demônio. Para tanto, ele precisa da “Taça Mortal”, um dos três Instrumentos Mortais, a qual transforma crianças em caçadoras, de modo que ele possa criar seu próprio exército e marchar contra o mundo para fazer dele um lugar melhor.
500 páginas e um livro de angustiantes tentativas de reprimir seus sentimentos nada fraternos, Jace e Clary descobrem que não são irmãos, matam Valentine e vão de mãos dadas rumo ao pôr-do-sol.
Ok, sem pôr-do-sol, mas deu para entender a história por cima. Há qualquer coisa de familiar no plot?
Claro, há muito mais em Mortal Instruments do que meu super resumo de três parágrafos. Cassandra Clare tem seus momentos (como no trecho que abre esse artigo), especialmente quando usa de sarcasmo e seus personagens, embora não sejam lá tão profundos, são interessantes e razoavelmente bem construídos.
Apesar das óbvias semelhanças de Valentine e Voldemort, eu gostei de Valentine como vilão. Ele é um cara que sabe jogar xadrez; manipulativo e inteligente, cheio de táticas e extremamente carismático: todos os personagens da velha guarda que lutam contra ele um dia estiveram ao seu lado e o amaram profundamente, incluindo Lucien, um dos líderes de lobisomens, que, apesar de ter se apaixonado pela esposa de Valentine (mãe da Clary e que passa boa parte da história num coma magicamente induzido), sempre o viu como um seu irmão.
O que deixa a desejar na história é a confusão de personagens e “missões” – a busca pelos Instrumentos Mortais lembra algo das buscas pelo Santo Graal. O lado religioso, traduzido na história de que os shadowhunters surgiram quando um anjo misturou seu sangue com o sangue dos homens na Taça Mortal e depois lhes deu de beber dela, é meio forçado, especialmente se comparado ao trunfo que foi esse elemento em His Dark Materials.
Os elementos para um bom livro estão lá; só que meio jogados de qualquer jeito. Talvez isso se deva justamente ao fato de que Cassandra Clare começou como uma autora de fics, um estilo em que muito mais “brincamos” com noções e personagens que já existiam do que criamos algo de verdade. Falta a Mortal Instruments um sopro de novidade, de diferente.
Ainda assim, é um entretenimento razoável, garantindo algumas boas risadas diante das tiradas irônicas entre os adolescentes da trama. Enfim, uma boa pedida para a Sessão da Tarde.
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