29 de junho de 2009
Coisas que aprendi na faculdade
Dizem que entrar na faculdade é um desafio, mas sair dela é que são elas. A formatura é um daqueles ritos de passagem em que nos sentimos melancólicos e quase tão velhos quanto o velho Matusalém.
Como meu humor está propício para nostalgia (acho que é a chuva), deixem-me falar um pouco sobre as coisas que aprendi na Faculdade de Direito do Recife – que junto com a do Largo do São Francisco é uma das primeiras do Brasil, casa de alguns dos maiores juristas de nosso país.
Aprendi, primeiro, que não existe linguagem objetiva no Direito.
Mais que conteúdo, o estudante de direito tem que dominar a retórica da lingüiça. Sua nota é quase sempre proporcional ao quanto você soube enrolar. Aliás, não é preciso só enrolar. É preciso saber usar palavras complicadas e, se possível, algum latim (mesmo que você não entenda lhufas do que está dizendo), porque a verdade é que quanto menos te entendem, mais sábio você é.
Aprendi que quanto maior e mais pomposo o nome – e a filiação – menos chances há de que você conheça a cara do sujeito. Mesmo que ele tenha sido designado para ser seu professor por um inteiro semestre.
Aprendi que num cinema pornô, é importante ter ar-condicionado perfeito e que a propaganda é a alma do negócio – como perfeitamente demonstra o anúncio em carro de som (na verdade, bicicleta) que passava todos os dias, por volta das nove, na Sete de Setembro, noticiando a programação do Cine Especial e assinando as perfeitas condições de seu sistema refrigerado.
Aprendi ainda que mais importante que seguir o programa da cadeira, é sempre mais proveitoso convidar a turma para uma excursão educativa a fim de ter certeza que o cinema não estava fazendo propaganda enganosa (defesa aos direitos do consumidor) e que a retórica da lapada na rachada e a filosofia de botequim também são conteúdos imprescindíveis numa boa educação de nível superior.
Aprendi que numa cidadezinha no interior da Alemanha, os anões participam da atividade econômica local como instrumentos de arremesso.
Aprendi que política estudantil é exatamente o que se espera do termo: política. Que não importa se são azuis ou vermelhos, há sempre intenções e promessas demais e feitos de menos.
Aprendi que na Casa da Justiça, o que mais há é injustiça (mas, para aprender isso, não é exatamente necessário possuir um curso universitário).
Aprendi que os poucos que levam a sério seu trabalho não são bem quistos pela maioria absoluta de votos (que, a bem da verdade, é a minoria, afinal, os votos dos alunos valem menos que os votos dos professores). E que não importa se você faz seu serviço bem-feito (ou se, ao menos, comparece para ele): o negócio é ter amigos.
Aprendi que Comissões de Inquérito Administrativas terminam da mesma forma que Comissões Parlamentares de Inquérito. Se bem que, se você tiver o amigo certo, enterram a Comissão antes mesmo de ela nascer e depois, você e seu amigo podem sair para comer pizza.
Aprendi que os autores que valem à pena ler estão, em sua maioria, mortos. Que você deveria ter sido aluno da faculdade uns vinte ou cinqüenta anos antes. E que, de cada dez páginas de teoria que você lê nos manuais, apenas meia página é útil de alguma forma (por regra, é aquele parágrafo em que o incensado autor citou um jurista mais antigo).
Aprendi que alunos são seres insignificantes, e que a faculdade estaria bem melhor sem eles; extintos os alunos, os professores poderiam se dedicar a atividades mais úteis e rentáveis, como seus escritórios/tabelionatos/faculdades particulares, além de super congressos internacionais.
Aprendi que, da mesma forma que a maioria dos professores ignoram os alunos, a maioria dos alunos ignoram os professores, num relacionamento saudável e bastante promissor. Que respeito é algo bastante relativo e que não há nada de errado em ler romances durante a aula ou jogar no celular (afinal, isso é importante para o polir da sua cultura geral).
Aprendi que em vez de lógica e raciocínio – coisas que eu relacionava ao Direito antes de entrar na faculdade – o bom aluno é aquele que sabe vomitar leis como quem declama poesia. Esqueça a doutrina: decore o Vade Mecum e você conhecerá o sucesso.
Eu poderia seguir nessa lista quase que infinitamente. Mas a verdade é que dez, vinte anos mais tarde, muito do que aprendi na faculdade terá sido confirmado pela experiência no mundo do ser (porque o dever ser ficou lá nas cadeiras dos anfiteatros e outros locais já quase insalubres em que você foi obrigado a assistir aula).
Então, saudosamente, hei de me lembrar do que realmente interessa. Lembrarei das tardes discutindo a monografia e o direito internacional com a professora Ângela e da amizade e admiração que nasceram destes encontros.
Lembrarei dos trabalhos que Larissa Leal nos passou, o diálogo que fizemos entre o Fausto de Goethe e a Teoria Geral dos Contratos (e, depois, Hannah Arendt, Zygmunt Bauman e tantos outros livros que ela nos fez ler, tão interessantes quanto curiosos).
Lembrarei dos chocolates de Sérgio Torres e seus milhares de slides. Lembrarei particularmente dos meus professores de penal por aliarem realidade e insanidade e por seu jeito decisivo, intenso: Eleonora, Brandão, Anamaria.
Lembrarei da franqueza e da ironia de Eugênia e Leônio, de sua organização meticulosa e responsável, de suas críticas bem-feitas e seus comentários mordentes.
Lembrarei dos amigos que fiz, do processo de descoberta do mundo – repentinamente alargado do percurso casa-colégio até o vestibular –, das experiências nos estágios, do contato com o público e com a realidade.
Só então reconhecerei completamente a importância que essa época teve para mim, sua influência naquilo que terei me tornado duas décadas depois... Então provavelmente direi que essa foi a melhor época da minha vida.
Ou talvez não, já que não sou personagem em final de filme... mas vamos nos dar ao direito de romantizar um pouco os finalmentes. Pois, não importa qual seja o resultado final, o que aprendi na faculdade há de me acompanhar, para o bem ou para o mal, pelo resto da minha vida.
E essa é, provavelmente, a maior lição de todas as que aprendi nesses cinco anos na Casa de Tobias. O que vou fazer com ela agora, depende de mim. Vamos ver o que acontece daqui para frente, não é?
A Coruja
Como meu humor está propício para nostalgia (acho que é a chuva), deixem-me falar um pouco sobre as coisas que aprendi na Faculdade de Direito do Recife – que junto com a do Largo do São Francisco é uma das primeiras do Brasil, casa de alguns dos maiores juristas de nosso país.
Aprendi, primeiro, que não existe linguagem objetiva no Direito.
Mais que conteúdo, o estudante de direito tem que dominar a retórica da lingüiça. Sua nota é quase sempre proporcional ao quanto você soube enrolar. Aliás, não é preciso só enrolar. É preciso saber usar palavras complicadas e, se possível, algum latim (mesmo que você não entenda lhufas do que está dizendo), porque a verdade é que quanto menos te entendem, mais sábio você é.
Aprendi que quanto maior e mais pomposo o nome – e a filiação – menos chances há de que você conheça a cara do sujeito. Mesmo que ele tenha sido designado para ser seu professor por um inteiro semestre.
Aprendi que num cinema pornô, é importante ter ar-condicionado perfeito e que a propaganda é a alma do negócio – como perfeitamente demonstra o anúncio em carro de som (na verdade, bicicleta) que passava todos os dias, por volta das nove, na Sete de Setembro, noticiando a programação do Cine Especial e assinando as perfeitas condições de seu sistema refrigerado.
Aprendi ainda que mais importante que seguir o programa da cadeira, é sempre mais proveitoso convidar a turma para uma excursão educativa a fim de ter certeza que o cinema não estava fazendo propaganda enganosa (defesa aos direitos do consumidor) e que a retórica da lapada na rachada e a filosofia de botequim também são conteúdos imprescindíveis numa boa educação de nível superior.
Aprendi que numa cidadezinha no interior da Alemanha, os anões participam da atividade econômica local como instrumentos de arremesso.
Aprendi que política estudantil é exatamente o que se espera do termo: política. Que não importa se são azuis ou vermelhos, há sempre intenções e promessas demais e feitos de menos.
Aprendi que na Casa da Justiça, o que mais há é injustiça (mas, para aprender isso, não é exatamente necessário possuir um curso universitário).
Aprendi que os poucos que levam a sério seu trabalho não são bem quistos pela maioria absoluta de votos (que, a bem da verdade, é a minoria, afinal, os votos dos alunos valem menos que os votos dos professores). E que não importa se você faz seu serviço bem-feito (ou se, ao menos, comparece para ele): o negócio é ter amigos.
Aprendi que Comissões de Inquérito Administrativas terminam da mesma forma que Comissões Parlamentares de Inquérito. Se bem que, se você tiver o amigo certo, enterram a Comissão antes mesmo de ela nascer e depois, você e seu amigo podem sair para comer pizza.
Aprendi que os autores que valem à pena ler estão, em sua maioria, mortos. Que você deveria ter sido aluno da faculdade uns vinte ou cinqüenta anos antes. E que, de cada dez páginas de teoria que você lê nos manuais, apenas meia página é útil de alguma forma (por regra, é aquele parágrafo em que o incensado autor citou um jurista mais antigo).
Aprendi que alunos são seres insignificantes, e que a faculdade estaria bem melhor sem eles; extintos os alunos, os professores poderiam se dedicar a atividades mais úteis e rentáveis, como seus escritórios/tabelionatos/faculdades particulares, além de super congressos internacionais.
Aprendi que, da mesma forma que a maioria dos professores ignoram os alunos, a maioria dos alunos ignoram os professores, num relacionamento saudável e bastante promissor. Que respeito é algo bastante relativo e que não há nada de errado em ler romances durante a aula ou jogar no celular (afinal, isso é importante para o polir da sua cultura geral).
Aprendi que em vez de lógica e raciocínio – coisas que eu relacionava ao Direito antes de entrar na faculdade – o bom aluno é aquele que sabe vomitar leis como quem declama poesia. Esqueça a doutrina: decore o Vade Mecum e você conhecerá o sucesso.
Eu poderia seguir nessa lista quase que infinitamente. Mas a verdade é que dez, vinte anos mais tarde, muito do que aprendi na faculdade terá sido confirmado pela experiência no mundo do ser (porque o dever ser ficou lá nas cadeiras dos anfiteatros e outros locais já quase insalubres em que você foi obrigado a assistir aula).
Então, saudosamente, hei de me lembrar do que realmente interessa. Lembrarei das tardes discutindo a monografia e o direito internacional com a professora Ângela e da amizade e admiração que nasceram destes encontros.
Lembrarei dos trabalhos que Larissa Leal nos passou, o diálogo que fizemos entre o Fausto de Goethe e a Teoria Geral dos Contratos (e, depois, Hannah Arendt, Zygmunt Bauman e tantos outros livros que ela nos fez ler, tão interessantes quanto curiosos).
Lembrarei dos chocolates de Sérgio Torres e seus milhares de slides. Lembrarei particularmente dos meus professores de penal por aliarem realidade e insanidade e por seu jeito decisivo, intenso: Eleonora, Brandão, Anamaria.
Lembrarei da franqueza e da ironia de Eugênia e Leônio, de sua organização meticulosa e responsável, de suas críticas bem-feitas e seus comentários mordentes.
Lembrarei dos amigos que fiz, do processo de descoberta do mundo – repentinamente alargado do percurso casa-colégio até o vestibular –, das experiências nos estágios, do contato com o público e com a realidade.
Só então reconhecerei completamente a importância que essa época teve para mim, sua influência naquilo que terei me tornado duas décadas depois... Então provavelmente direi que essa foi a melhor época da minha vida.
Ou talvez não, já que não sou personagem em final de filme... mas vamos nos dar ao direito de romantizar um pouco os finalmentes. Pois, não importa qual seja o resultado final, o que aprendi na faculdade há de me acompanhar, para o bem ou para o mal, pelo resto da minha vida.
E essa é, provavelmente, a maior lição de todas as que aprendi nesses cinco anos na Casa de Tobias. O que vou fazer com ela agora, depende de mim. Vamos ver o que acontece daqui para frente, não é?
A Coruja
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sobre
Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Bem, você terminou a faculdade. Daqui a menos de duas décadas olhará para trás e sentirá saudades dessa época do mesmo jeito que sentirá de episódios da sua mais tenra idade. É a época de ouro, onde achávamos que éramos gente adulta com determinação e idealismos que poderiam mudar o mundo se nos dessem uma chance e ao mesmo tempo ironicamente sem saber que o mundo já era nosso.
ResponderExcluirVocê está passando por uma fase de nostalgia. É Impossível viver tanto tempo atrelado a uma coisa, independente se for boa ou má, e não sentir falta disso num momento seguinte quando temos consciência de que já passou. É aquele caso clássico de quando vamos levar uma pessoa querida à rodoviária, e no meio do caminho já começamos a sentir aquela saudade agonizante mesmo com ela ali do nosso lado.
Posso afirmar que não as aulas, mas sim o convívio que teve com pessoas, mestres, professores durante esse tempo foi o mais enriquecedor para o seu crescimento. Vidas diferentes, experiências diferentes, uma gama inteira de conhecimento para ser absorvida através dos olhos de outra pessoa. Acredito que a faculdade por si só, independente do curso, é algo de grande valia para o crescimento e desenvolvimento de um indivíduo na sociedade.
A maneira como usaremos isso depende da índole de cada um. Até mesmo porque não existe vilão burro, normalmente são pessoas extremamente inteligentes que dão o azar de topar com pessoas mais espertas que ele e por fim em seus planos maléficos. A capacidade para o bem está lá assim como a capacidade para o mau, e isso vale para todos. O problema é que com conhecimento, o mau ganha requintes de crueldade.
Guarde com um carinho especial essa fase da sua vida que acabou de completar. Lute para não perder seu idealismo ou sua crença. Os estudos acabaram, mas verá que o aprendizado é algo constante em nossas vidas. Leia, assista, discuta, escreva, critique, ouça, mas de vez em quando para um pouquinho até mesmo porque o santo é de barro. Se permita a certos exageros, vegete num sofá comendo bobeiras, durma até um pouco mais tarde num dia, faça algo que te agrade, mesmo que seja um prazer puramente efêmero (mas não abuse muito).
Um abração e um beijo Lu.
Aaaah, que saudade que deu da minha faculdade :). A gente dizia brincando que os 5 anos de faculdade serviram pra ensinar uma única coisa: a se virar. E é verdade...acho que mais importante que saber é saber aonde procurar, é saber ter paciência e cara-de-pau pra aprender. Eu pretendo trabalhar em breve num ramo totalmente diverso do que estudei, mas não me arrependo nem um pouco desses 5 anos...serviram pra me mostrar quem eu sou e do que eu sou capaz.
ResponderExcluirEncerrar ciclos tem gosto de açúcar e café, definitivamente =P Eu só imagino como vai ser, daqui a uns anos, quando eu estiver terminando a faculdade... Não dá nem pra pensar no que ainda vem pela frente. Uma vez, uma pessoa conhecida me disse que fazer faculdade é um estupro, porque depois de passar por esses anos, o indivíduo alarga tanto o próprio mundo que não consegue de forma alguma ser o mesmo de antes. Aposto como você comprova isso fácil, nee, Lulu? Boa sorte na caminhada daqui pra frente, que ela ainda está no comecinho e ainda tem muito pra rolar no futuro... Beijos.
ResponderExcluirP.S.: O capítulo da Alice em Dark Years ficou esplêndido... Não lembro se eu comentei o primeiro, do Edward, mas eles estão ótimos, de uma forma ou de outra, parabéns!
Retórica da lingüiça, Lulu? Coisa feia, o nome certo da técnica é Jus Esperneandi!
ResponderExcluir(HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA)
Que engraçado - ou seria que trágico? - ler esse seu post e perceber que mesmo que minha formatura diste muitos anos da sua, eu aprendi nela a mesma coisa que você aprendeu!
Ninguém merece!!!!
Bem, o que eu guardei de minha faculdade foi: duas grandes amizades; as aulas que matei para freqüentar, na Faculdade de Letras, duas Semanas de Estudos Clássicos (uma de Literatura Grega, outra Espanhola); meus estudos particulares de Direito Romano por mera diversão (esses romanos são loucos!) e um Projeto de Iniciação Científica em Direito Internacional que é um tratado de História da América Latina, mas que não possui sequer uma linha de Direito e, mesmo assim, foi aprovado!...
Eu também aprendi que:
ResponderExcluir1. ninguém é pontual , nem os professores .
2. que os nerds existem mesmo .
3. que você pode ir pro bar com seu professor .
4. que todo mundo na verdade é um cachaceiro encubado .
5. que (quase) todo mundo fuma maconha .
6. que professor não da pontinho para você passar na matéria dele .
7. que a vida de colégio faz falta .
8. que quem organiza uma choppada ta pensando na grana que vai lucrar :x e quem vai , quer mesmo é ficar bêbado .
9. que todo mundo vira amigo de bar muito rápido .
10. que não se vai para sala para assistir aula , vai para receber presença .
11. que seminário é coisa de professor que ta de saco cheio de dar aula .
12. que até a formatura eu terei gastado em xerox o suficiente para comprar um apartamento , dois carros , um iate e uma viagem pela Europa (: