17 de março de 2016

O Laboratório do Bode: Vírus


Recentemente, o país tem passado por uma época de alerta contra o mosquito Aedes aegypti, com as constantes chuvas, o calor e as condições de vida nas cidades. Este mosquito é perigoso por ser o vetor da dengue e, agora, também da zika e chikungunya.


Qual o problema com estas e outras doenças? Todas elas são causadas por vírus. E o que são vírus, você me pergunta? Bom, vírus são pequenas partículas capazes de desencadear uma variedade de infecções em organismos vivos. Percebam que não uso o termo “microrganismos”, e sabem por que? Por que vírus são um ponto delicado na pergunta “O que é vida?” O consenso entre os biólogos é que vírus NÃO são seres vivos, mas que estão “quase lá”. 

O motivo é que, embora possuam material genético e outras características de seres vivos, eles não possuem uma estrutura celular organizada. Este é o motivo pelo qual os vírus são parasitas obrigatórios: para que possam se reproduzir, os vírus precisam infectar uma célula saudável. Um vírus é, basicamente, um trecho de material genético (DNA ou RNA), envolvo em uma cápsula proteica e uma camada de lipídio, para proteção fora de uma célula. A partícula viral (como é chamada um vírus fora da célula, ou virion) penetra em uma célula e injeta seu material genético em seu citoplasma, aonde irá usar o aparato da célula hospedeira para replicar o próprio DNA ou RNA e proteínas. Este processo é repetido tantas vezes, que acaba por matar a célula hospedeira, liberando subprodutos metabólicos tóxicos, que causam as chamadas viroses.

Cada vírus é especializado em atacar apenas um tipo de célula. Então um vírus que ataca uma célula muscular, não irá atacar uma célula epitelial, por exemplo. Isso se deve, pois em cada cápsula viral contém uma série de proteínas, com a função de reconhecimento de membrana, que ligam-se especificamente à membrana da célula alvo. Mas, claro, como tudo em biologia, há exceções.

No organismo hospedeiro, quando os vírus são detectados, uma série de reações acontecem. A maior defesa de um organismo multicelular é a presença de um sistema imune, que reage à presença de corpos estranhos no organismo. O sistema imune reage criando os chamados anticorpos, que irão combater os vírus impedindo que estes se conectem às células, efetivamente impedindo a infecção. Estes anticorpos permanecem no organismo, reagindo mais rapidamente à novas infecções virais, efetivamente imunizando um indivíduo conta uma determinada cepa (como é chamada cada variedade de um vírus). Existem outros mecanismos de defesa contra vírus, mas os anticorpos são especialmente notáveis por uma razão em específico: vacinas.


Vacinas existem em duas variedades principais: aquelas com vírus atenuados, e aquelas com vírus inativos. Os vírus atenuados são exatamente isto, as partículas virais ainda vivas, porém enfraquecidas ao ponto da incapacidade de infecção em organismos. Estas vacinas tendem a ter eficácia muito alta, chegando na casa dos 95%. Contudo, alguns agentes infecciosos são perigosos demais para correr o risco de ter partículas vivas injetadas em um hospedeiro, e para isso existe outro tipo de vacina: vacinas com vírus inativados. Um bom exemplo de vírus assim é o da raiva ou a influenza. Estas vacinas são eficientes, mas são algumas das que precisam de diversas doses ou doses terapêuticas. 

Mas isto levanta uma outra dúvida: se cada vacina tem eficiência alta, e se a imunização por anticorpos é para o resto da vida, por que, por exemplo, é possível pegar gripe várias vezes? Ou dengue? Um dos motivos eu citei ali em cima, quando falei de cepas. Cada vírus pode possuir uma infinidade de variedades, e irei tomar aqui o vírus da Influenza A, a gripe aviária. Muitos de vocês devem ter ouvido este vírus ser chamado de H1N1, mas ouvi falar de pelo menos 12 outras cepas do vírus. Este vírus também é um ótimo exemplo de outra coisa, diretamente ligada à infecções múltiplas, que é a capacidade de mutação. Falei um pouco de mutação no Laboratório sobre evolução, e aqui ela exerce um papel. Como a maneira de reprodução viral é muito, por falta de termo melhor, precária, ela dá muita margem para mutações, e estas acontecem com uma frequência imensa. 

Esta grande quantidade de mutações pode contribuir para um fator extremamente perigoso em se tratando de vírus: a capacidade de mudar de hospedeiros. Quando eu disse que vírus são específicos para um tipo de célula, eu quis dizer que além disto eles são específicos de espécies. Todos os dias consumimos vírus de uma quase infinita variedade, especialmente de plantas, sem o menor efeito negativo. Porém, algumas vezes, um vírus pode passar a infectar um hospedeiro diferente do original, e recentemente tivemos um caso assim: o ebola. Creio que eu não preciso lembrar do que aconteceu poucos anos atrás, não é? Mas, originalmente, ebola era um vírus que circulava entre primatas africanos. Acredita-se que passou a infectar humanos através do consumo de carne de caça, comum na África.

Mas como se tratam as doenças causadas por vírus? Bom, na maior parte dos casos... não se trata. Vejam bem, medicamentos antivirais são uma criação relativamente recente, com o advento da engenharia genética e conhecimento sobre o genoma de vírus. Contudo, devido a todos os fatores que expliquei acima, vírus são uma classe de agentes infecciosos naturalmente difícil de combater. Atualmente, os antivirais existentes são voltados para o tratamento de HIV, herpes, hepatite B e C, e influenza A e B, mas esforços de pesquisa tem sido feitos para o desenvolvimento de drogas efetivas contra outros tipos de vírus. Para todos as demais viroses, tratam-se os SINTOMAS, tal como febre, ou queda em taxas de plaquetas. De resto, é dar tempo ao sistema imunológico agir. Por isto que a AIDS é uma doença tão terrível: ela ataca exatamente o sistema imunológico, reduzindo a resistência da pessoa contra outras doenças oportunistas, que frequentemente vem a matar o paciente.

Espero que esta pequena aula sobre virologia tenha sido esclarecedora, e que ajude para o futuro! Até a próxima aula!

O Bode


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