28 de setembro de 2015
Quem Conta um Conto (Setembro): O Conto do Dé || Acabou...
Nova York, 15 de março de 1927
Ontem foi o casamento de Laura. Ela
parecia tão feliz! Gostaria que mamãe estivesse lá para vê-la.
Eu sei que deveria estar mais
feliz, afinal, não é todo dia que sua irmãzinha se casa. Contudo, não consigo
gostar de Charles... Nunca consegui gostar do atual marido de Laura. Aquele
homem sempre me deu arrepios, embora nunca tenha dado motivos verdadeiros. Sei
que Arthur teria concordado comigo neste ponto.
Mas Laura o ama, e no final a
decisão é dela. Só espero que ela esteja certa.
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Nova York, 27 de agosto de 1927
Laura veio me visitar pela
primeira vez desde o casamento. Parecem estar vivendo bem em Bangor, aonde
Charles tem um emprego como gerente de um hotel. Ela parece muito feliz, mas
acho que tem algo errado. Ela evita falar de como é a vida em Bangor. O máximo
que fala é que “a vida é boa” e Charles “cuida bem dela”.
No geral, conversamos amenidades,
lembramos do tempo com mamãe. Iríamos visitar papai, mas Charles disse que
precisavam ir logo. Ele havia comprado passagens no trem das 16:30, então
precisariam pegar logo o táxi para a estação.
Fico feliz e triste com esta
visita. Por um lado, Laura parece bem, mas me dói ver ela passar tão pouco
tempo.
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Nova York, 09 de fevereiro de
1928
Já tem quase 4 meses que não ouço
de Laura. Papai acha que ela nos quer fazer uma surpresa, acha que Laura está
grávida. Gostaria de partilhar do otimismo dele, mas fico temerosa pela minha
irmã.
É nestas horas que sinto falta de
Arthur. Ele sempre tinha algo de bom para dizer e me acalmar. Na verdade, acho
que foi isso que me atraiu nele. Quase 11 anos desde a sua morte e eu ainda
aqui, lembrando dele! Preciso me focar no presente.
Vou voltar ao trabalho, isso vai
acalmar minha mente. Laura deve estar bem, com certeza.
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Nova York, 20 de fevereiro de
1928
Laura finalmente deu notícias!
Ligou para papai, disse que estava bem, e feliz. Não estava grávida, como papai
pensava, mas haviam passado alguns meses sem telefone. Parece que algum
problema aconteceu com uma torre de transmissão na área dela, e as peças
demoraram meses para chegar da Europa.
Ela poderia ter escrito! Me
deixou louca de preocupação! Ela não me ligou, e papai precisou me passar o
conteúdo da conversa em minha última visita. Me pergunto por que ela ligou apenas
para o papai e não para mim.
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Nova York, 15 de junho de 1928
Mais meses sem notícia de Laura.
O que será que aconteceu? Ligar para a casa dela sempre foi um desafio. Nos
primeiros meses ela atendia, mas depois passou a deixar de fazê-lo.
Desta vez, papai também está
achando estranho. Ele também comentou que desde o casamento, Laura e Charles o
visitaram apenas uma vez. A mim também.
Eu gostaria de poder ir
visita-la, mas nunca me sobra dinheiro para as passagens. A pensão de Arthur e
meu trabalho só rendem o bastante para uma vida modesta. Vou tentar ligar para
o hotel de Charles amanhã. Qual era mesmo o nome? Sei que tenho anotado em
algum lugar...
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Nova York, 16 de junho de 1928
Agora eu estou me preocupando de
verdade. Liguei para o hotel que Charles disse ser gerente. Ninguém com aquele
nome trabalhava lá. O número da casa dela não apenas não responde, como foi
desligado!
É isso. Hoje mesmo irei falar com
papai, pegarei dinheiro emprestado no banco e vou para Bangor esta semana
mesmo!
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Bangor, 20 de junho de 1928
Tem algo muito errado aqui. O
endereço que Laura havia me dado está vazio a meses. Os vizinhos disseram que
um casal que bate com a descrição de Laura e Charles se mudou para lá ano
passado, mas em poucos meses venderam a casa e se mudaram, sem deixar o novo
endereço.
A polícia está procurando minha
irmã neste momento. Não quis dizer ao papai. Não sei como ele iria reagir
quando soubesse... Rezo para que minha irmã esteja bem, aonde quer que esteja.
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Bangor, 22 de junho de 1928
A polícia encontrou Laura! Ela
está hospitalizada no Eastern Maine Medical Center, em coma induzido. Segundo o
que dizem, ela foi deixada muito ferida na porta do hospital, por alguém em um
carro preto a jogou em frente ao EMMC e saiu em alta velocidade. A polícia já
está olhando o resgistro do veículo.
Quanto a Laura... Os médicos
dizem que a sua situação já é estável, mas o estado dela é grave. Ela apresenta
dezenas de hematomas; três costelas estão fraturadas. Ela também sofreu um
traumatismo craniano, provavelmente por conta de um golpe com o que a polícia
suspeita que seja um taco de beisebol.
Fora isso, há também os danos
internos. Ela precisou passar por uma transfusão de sangue e uma cirurgia de
emergência. Os médicos me perguntaram sobre a vida sexual de minha irmã e só
posso dizer que fiquei estarrecida: aparentemente o útero dela apresentava
tantas lesões e cicatrizes, decorrentes de abortos, que ela nunca mais poderá
ter filhos.
Digo tudo que sei. A polícia está
atrás de Charles a algum tempo, por sonegação de impostos e estelionato. Só
posso rezar para que peguem o desgraçado e ele apodreça na cadeia!
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Wilcox, 19 de abril de 1929
Laura está bem melhor. Ela já
consegue andar novamente, o que é excelente, porém a fala dela ainda é um pouco
arrastada. Ela nunca pode falar exatamente sobre o que aconteceu. Os médicos
disseram que ela poderia apresentar certa perda de memória, mas acho que é em
decorrência do trauma.
Nos mudarmos para a antiga casa
de campo de papai tem feito maravilhas para Laura. A distância de tudo e todos
tem feito bem para o espírito de minha irmã. Podemos viver bem aqui. Consegui
algumas clientes aqui, então consigo trabalhar o bastante para nos sustentar
relativamente bem, mesmo com as despesas médicas de Laura.
A polícia ainda não encontrou
Charles, o que me deixa preocupada, mas não comento nada em casa...
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Me preparo para sair para fazer
compras quando ouço o som de um carro se aproximando. Laura está dormindo no
andar de cima, então provavelmente não ouviu. O que pode ser? Provavelmente uma
cliente querendo um novo vestido.
Porém, minhas esperanças vão por
água abaixo quando saio para ver quem é. Uma pessoa que eu nunca mais esperava
ver: Charles.
- Aonde ela está? – Ele pergunta,
enquanto desce do carro.
- Vá embora, seu maldito! Você
não tem nada para fazer aqui!
- Me dê minha mulher que eu irei
embora. Não se meta nisso.
- Você não vai tocar na minha
irmã nunca mais, desgraçado! – Digo enquanto corro de volta para dentro.
Mas ele é rápido. Me pega pelo
pulso e com um puxão súbito me joga no chão do lado de fora. Tento me levantar,
mas ele pisa nas minhas costas, forçando meu rosto contra o chão.
- Olha, apenas me devolva a minha
mulher, que eu irei embora. Não precisamos deixar isto... desagradável – Ele diz,
pisando com ainda mais força, me tirando o ar e impedindo-me de respirar
direito.
Tento falar “Nunca”, mas ele
força meu rosto contra o chão de novo.
- Bom, se você não quer falar,
acho que as coisas irão ficar... desagradáveis, não é?
O pé dele sai das minhas costas,
mas sei que ele irá descer de novo. Com força. Tenho que reagir ou então...
BLAM!
- LARGUE A MINHA IRMÃ! AGORA
MESMO!!!
Me viro e vejo Laura, em pé,
segurando a Winchester de papai. E com ódio nos olhos.
- Toque na minha irmã novamente e
eu atiro! – Laura disse, apontando o rifle na direção de Charles.
Ele não esboça reação. Parece
calmo e sob controle, mesmo com uma arma apontada em sua direção.
- Vamos, querida. Não temos tempo
para brincadeiras. Vamos para casa.
- Nunca! Eu nunca mais vou para
lugar nenhum com você! Você acabou com a minha vida, seu desgraçado!!!
- AGORA, Laura. Não irei falar
duas vezes! – Ele disse, tomando um passo na direção dela.
Foi aí que cometi meu erro.
- Vá embora, Charles. – eu digo.
O chute dele vem tão rápido que
não tenho tempo nem mesmo de ver ele vindo. No momento que o pé dele faz
contato com meu estômago, vem o disparo.
BLAM!
Ele cai bem do meu lado, com um
ferimento na barriga.
Laura se aproxima lentamente.
Aquele ferimento é bem sério, Charles não vai sair dali. Em pouco tempo
recupero meu fôlego e consigo me levantar, mesmo com a dor. Laura está
impassível, apontando a arma diretamente para Charles.
- Você atirou em mim! Você
realmente atirou em mim! – Ele consegue dizer, a despeito do ferimento.
- Eu disse para você não tocar na
minha irmã.
- Sua vadiazi...
BLAM! BLAM! BLAM!
Laura descarrega a arma no rosto
de Charles antes mesmo que ele possa terminar o insulto. E continua a puxar o
gatilho, mesmo com a arma vazia.
*clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic**clic*
Eu a abraço e digo:
- Acabou Laura. Acabou...
O Bode
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Sobre
Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Muito bom! Li do começo ao fim por causa do suspense. Digo isso porque sou terrível pra ler, começo e fico no começo.
ResponderExcluirAbs.
Obrigado, Maria! Que bom que você gostou. =D
ExcluirMe diverti bastante escrevendo este conto, e fico feliz que outras pessoas se divirtam lendo. =D