7 de janeiro de 2011

Na sua estante: Romeu e Julieta





#044: Romeu e Julieta
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- Então seus primos vão vir morar com você, é isso? – Bia perguntou com a boca cheia de pipoca, esquecendo por um tempo o filme para se concentrar na amiga – Isso é meio estranho.

- Não é tão estranho assim. – Sofia respondeu – Minha casa é grande, especialmente a se considerar que somos só eu e o pai e, na maior parte do tempo, ele está em algum plantão e eu fico sozinha. Além disso, a Dani é afilhada do pai. Uma vez que o irmão dela está vindo para começar a faculdade de medicina, meus tios acharam que era uma boa idéia mandar a Dani também para que ela começasse a se preparar para o vestibular, até porque na cidade deles só tem escola pública.

- Meus pais estudaram em escola pública. – Beatriz observou, pensativa – Mas, bem, na época deles, pelo que entendo, as coisas eram muito diferentes. Ainda assim, é estranho que seus tios simplesmente despachem os filhos para morar com vocês.

- Eles tinham pensado em comprar um apartamento para os meninos. Só que, entre largar dois adolescentes sozinhos na cidade grande, e deixá-los com um adulto responsável, eles preferiram a segunda opção.

- O adulto responsável sendo você? – Beatriz retorquiu, arqueando uma sobrancelha – Porque o tio Frederico vive mais fora de casa do que o contrário.

Sofia revirou os olhos.

- Vá assistir o filme, Bia.

Beatriz não chegou a responder, pois nesse instante um par de braços apareceu a sua frente e ela se viu subitamente aliviada da vasilha de pipocas em seu colo. Virando-se, encontrou a mãe encostada à traseira do sofá, os olhos escuros observando a televisão ignorada.

- Eu nunca consegui entender muito bem porque Romeu e Julieta são considerados o ápice do amor romântico ocidental. – ela observou.

- Talvez porque eles se amassem tanto que não concebiam a possibilidade de viver num mundo em que o outro não existisse? – Beatriz retrucou, encarando a mãe enchia a mão de pipoca e levava a boca.

- Você acha? – ela franziu o nariz – Eu posso entender que eles sejam um símbolo de paixão arrebatadora, mas não de amor absoluto. Quer dizer, Romeu diz amar Rosalinda até colocar os olhos em Julieta, que é ao menos um relacionamento mais possível que o primeiro, já que Rosalinda está para fazer votos religiosos. A rapidez com que ele troca de amores não o recomenda como alguém fiel. A verdade é que desde o começo, Romeu surge como um personagem deprimido; por tudo, ele faz um drama. Para ser sincera, não acho que ele tenha se suicidado por causa de Julieta; ela apenas lhe deu uma desculpa plausível para fazê-lo.

- E o que a senhora diria da Julieta então, tia? – Sofia perguntou, sorrindo.

- Basta analisar a época. – a mulher deu de ombros – Julieta já tinha dormido com Romeu; morto ele e descoberta sua farsa, ela estaria arruinada aos olhos da família e da sociedade. Se ela tivesse vivido, vocês realmente acreditam que os Capuleto e os Montecchio teriam feito as pazes e dito ‘que bonitinho, eles se amavam tanto...’? Claro que não! Os Montecchio teriam culpado os Capuleto por tudo, a vendetta entre as duas famílias se tornaria ainda mais violenta e Julieta seria posta para fora de casa ou coisa do tipo.

- Mãe, a senhora acaba de todo o romance da história e estragar uma das maiores obras-primas da literatura mundial.

- Não necessariamente. – a mulher observou – Vejam, Julieta tinha treze anos quando Romeu colocou os olhos nela; de acordo com a ama no começo da peça, ela faria 14 em duas semanas. Essa não é exatamente uma idade em que as pessoas tenham uma real consciência de amor ou coisa do tipo. Romeu devia ter entre 16 e 18, já que ainda era imberbe, uma idade em que, definitivamente, ninguém tem muita certeza de nada... o que também explica porque ele só vivia choramingando pelos cantos. Ao menos Julieta era decidida.

- E é por isso que eu sou sua fã, tia. – Sofia sorriu de orelha a orelha – A senhora é um gênio.

Ela sorriu.

- Obrigada, Sofia. Você deveria vir mais vezes aqui. É sempre bom encontrar jovens inteligentes com quem conversar.

- Ela vem mais vezes aqui, mãe. A senhora é que é uma presença mais rara. – Beatriz respondeu, ligeiramente emburrada, olhando para as malas que já se avolumavam junto à porta – E eu sou o quê? Ignorante, por acaso?

A mãe riu, afagando a cabeça da filha enquanto lhe devolvia a vasilha de pipoca.

- Não, querida. Você é apenas uma irremediável romântica.


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A Coruja


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