6 de agosto de 2010

E foi dada a largada

Quem me conhece pessoalmente sabe que tenho o costume de dormir cedo - e acordar mais cedo ainda. Nem sempre funciono muito bem depois de um certo horário e sou a primeira a admitir isso. No entanto, quando soube do primeiro debate entre nossos excelentíssimos candidatos a Presidente, armei-me de toda a coragem (e cafeína) necessária para assisti-lo até o final.


Quem estava ontem no twitter acompanhou meus comentários em tempo real (e peço desculpas se disse alguma coisa sem pensar - como já falei, não funciono muito bem depois de um certo horário), então hoje vou só resumir minhas considerações finais sobre o assunto.

Até porque, vamos lembrar, o Debate contou com o jogo de Internacional e São Paulo (emocionante pelo que ouvi) como concorrente pela audiência e muita gente só assistiu o último bloco, com as considerações finais. Assim, vou dar meus dois cents à discussão e prestar um serviço de utilidade pública (obviamente eu não dormi o suficiente e meu filtro mental ainda não voltou a funcionar...).

O Debate

Em si, o debate foi meio morno. Nada de perguntas muito espinhosas ou escabrosas. Senti falta de questionamentos sobre os projetos principais dos candidatos, especialmente da história do trem-bala. Estava todo mundo muito educado, muito cordial, muito 'convergente'. Como bem disse o Plínio Arruda, "aqui há um exagero do bom mocismo".

Destaque para o técnico de som, que cortava o microfone toda vez que o tempo dos candidatos chegava ao fim. Adorei isso. Se houvesse mais técnicos de som como esse, o mundo seria um lugar melhor.

A grande vítima da noite foi a concordância verbal. Fora isso, entre mortos e feridos, nenhuma grande perda... mas também nenhuma grande vitória.

Marina Silva

Eu admiro a Marina. Acho que ela fala muito bem, é direta ao ponto, responde às perguntas com conteúdo e faz propostas baseada em dados e números. Fatos e não só aspirações.

No debate de ontem, contudo, ela estava um pouco apagada. Começou muito bem, respondendo às perguntas de forma bastante objetiva. Mas aí ela começou a pontuar suas propostas com referências ao seu passado de misérias e muito esforço e todo mundo estava esperando que a Dilma oferecesse um bolsa-família para a mulher.

Em algum ponto do debate, a Marina se perdeu, adotando uma posição mais passiva; suas perguntas eram muitas vezes inócuas. Não digo que era para ela chegar lá berrando e trocando farpas com todo mundo, mas um pouco mais (só um pouco) de beligerância teria sido benéfica - especialmente porque a Marina foi Ministra do atual governo e poderia ter explorado a forma como o Ministério do Meio Ambiente foi tratado, questionando mais profundamente a colega Dilma.

José Serra

Houve momentos do debate em que o Serra parecia estar em um piquenique. Ele estava excepcionalmente jovial e bem-humorado e, confesso, eu tive medo de ter pesadelos depois de vê-lo sorrindo tanto.

Gostaria também de dar parabéns ao cirurgião plástico dele. O que fizeram com as bolsas que o serra tinha sob os olhos foi absolutamente fantástico.

O Serra falou muito bem. Assim como a Marina, poderia ter sido um pouco mais beligerante - pelo contrário, foi até bastante cavalheiro, como quando repetiu a primeira pergunta feita pela produção para a Dilma, dando a ela oportunidade de terminar sua resposta.

Gostei particularmente de uma resposta que ele deu para a Dilma e que reproduzo aqui: "Acho que não se deve fazer campanha se olhando para o retrovisor. Penso diferente de você. Olho para frente".

Concordo plenamente com o sentimento e acho que essa idéia deveria dar o tom de toda a campanha.

Dilma Roussef

Houve momentos do debate em que a Dilma não disse coisa com coisa. Outro em que gaguejou, em que parecia ter perdido o rumo dos pensamentos, ou que esquecera o bem ensaiado discurso.

Três vezes ela falou na história dos 14 milhões de empregos com carteira assinada em seu período de gestão. E na indústria naval. Mais de uma vez ela tentou encaminhar o debate para uma comparação entre a gestão de FHC e Lula.

A questão é que os bons frutos do governo Lula hoje equilibram-se sobre a estabilidade que FHC nos deixou como legado. Sejamos cínicos e sejamos sinceros: o bom momento que o Brasil vive não é obra e graça de Lula, não importa o que ele e seus assessores possam acreditar. Existia Brasil antes de Lula assumir a Presidência e existirá Brasil muito depois de finda a existência do excelentíssimo companheiro.

A questão é que é moda falar mal de Fernando Henrique. Nos meus tempos de colégio, era meu professor de História que fazia isso (dito prefessor de História chorou emocionado quando Lula foi eleito pela primeira vez). Na faculdade... bem, na faculdade, acho que o único professor que tive que não falou mal de FHC foi um professor de economia que, por acaso, era também empresário.

Como bem lembrou o Serra, Palocci passou cinco anos no ministério da Fazenda elogiando a política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. E, realmente, ele tinha de elogiar, porque foi essa fundação que impediu o edifício de cair quando a crise mundial estourou.

Minha conclusão sobre a participação da Dilma no debate? Cara, eu preciso entrar para a Indústria Naval...

Plínio de Arruda

Se houve uma grande figura no debate, um 'vencedor', esse alguém foi Plínio Arruda. Admito minha ignorância: até ontem, eu nem sabia que esta criatura existia. Não fosse por ele, contudo, eu provavelmente teria ido dormir após o primeiro bloco de debate.

O cara polemizou até umas horas, soltando algumas verdadeiras pérolas, a começar pelo tom com que anunciou o "temos um quarto candidato!". Não nego que ele teve razão em algumas de suas acusações, mas para mim, ele foi meio paranóico, assim, quase teoria da conspiração com a história de que não lhe davam espaço.

Eu gostaria que o tom do debate tivesse sido o do Plínio. Ele não vociferou lá na frente e fez algumas declarações bastante estapafúrdias; mas teve coragem de fazer perguntas espinhosas, de interpretar as respostas de seus adversários, atacando-os de forma bastante maquiavélica (no sentido mais admirável do termo).
Ficou claro aqui. Aqui é uma Poliana. Aqui o bem deve ser feito e o mal deve ser evitado. Isso não quer dizer nada. Aqui ficou evidenciado que há um muro entre as suas aspirações e a realidade do país.

Nesse sentido, o homem tinha toda a razão. Só faltou no final todo mundo sair de braços dados em direção ao arco-íris.

Eu espero que nos próximos debate, o pessoal suba um pouco o nível. Porque esse não foi um debate de alto nível; não foi, sequer, um debate de nível. Não houve uma discussão das propostas dos candidatos, mas apenas castelos no ar.

Releve-se por hora - a propaganda política ainda não começou e, por conseqüência, o povo mesmo ainda não teve contato com os projetos políticos de cada candidato. No final das contas, o debate de ontem foi apenas um aquecimento, um ensaio.

Vejamos o que nos espera quando as cortinas abrirem...


A Coruja


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