28 de março de 2011

Clube do Livro (Março) - Noites Brancas



Sim, Nástienhka, enganamo-nos, embora contra a nossa vontade, ao acreditarmos que a paixão verdadeira, autêntica, atormenta a alma, ao acreditarmos que existe algo de vivo, de tangível, nos sonhos imateriais! Mas que ilusão; veja, por exemplo: o amor avassalou o seu peito com toda a sua inesgotá¬vel alegria, com todos os seus extenuantes tormentos... Deite-lhe apenas um olhar rápido e convença-se daquilo que lhe digo! Bastará olhá-lo para acreditar, minha querida Nástienhka, que ele nunca conheceu realmente aquela que tanto amou no seu exaltado sonho? Será possível que apenas a tenha visto entre esses fantasmas fascinantes e que essa paixão não tenha sido para ele mais do que um sonho? Será possível que nunca haja estreitado as mãos dela ao longo de tantos anos da sua vida, sós, entregues a si mesmos, ignorando todo o universo e unindo cada um deles o seu universo, a sua vida, à vida do outro? Será possível que não tenha sido ela quem, ao crepúsculo, no momento da separação, se tenha reclinado, soluçante e desespe¬rada, sobre o seu peito, sem escutar a tempestade desencadeada debaixo de um céu lúgubre, sem ouvir o vento que arrancava e arrastava com fúria as lágrimas que brotavam dos seus cílios negros? Será possível que tudo isto não tenha passado de um sonho, este jardim melancólico, abandonado e selvagem, com as suas aléias povoadas de musgo, solitário e hostil, por onde tantas vezes passearam ambos, esperando, desesperando, amando, amando-se mutuamente, durante tanto tempo, tão longa e ternamente?

Fiódor Dostoiévsky - Noites Brancas


Levante a mão quem, ao ser interpelado com “ele livro é um clássico, você tem de ler” não torceu o nariz pensando com seus botões que é provavelmente um livro chato, complicado e cheio de palavras difíceis. Associe ao ‘clássico’ um ‘literatura russa’ e talvez a criatura a propagandear o livro seja taxada de esnobe, fresca, amostrada, 31 de fevereiro e outras variantes.

Não posso dizer isso de todos os autores russos, é claro, mas ao menos dois dos meus favoritos são escritores muito acessíveis e fáceis de ler – ao menos em questões de linguagem – Gogol e Dostoiévsky.

Desafio qualquer um a ler O Inspetor Geral e não rolar de rir. Ou a enfrentar o colossal Crime e Castigo e não sentir algo de muito próximo e verdadeiro nos dilemas de Raskólnikov.

A literatura russa – novamente, refiro-me apenas àquela que conheço – é uma literatura megalomaníaca, que tende ao trágico. Suas paisagens são bem presentes e eu, pelo menos, tenho inteiros roteiros turísticos que gostaria de fazer por Moscou e São Petersburgo seguindo os passos de diversos personagens literários.



Grandes histórias de amor são também características dos autores russos. Algumas das mais belas histórias de amor que conheço nasceram por lá – ainda que tendam a não terminarem em finais felizes – vejam Doutor Jivago e entenderão do que falo.

Noites Brancas é um exemplo dessa tradição. É um conto curto e, ao contrário do que costumam apregoar os detratores dos clássicos, de linguagem muito acessível.

A história segue o desenrolar do relacionamento do narrador, nunca nomeado, e a jovem Nástienhka, ao longo de quatro dias. Em quatro dias, os dois se conhecem, se tornam amigos, confidenciam todas as suas vidas um para o outro, apaixonam-se (mais ou menos...) e rumam para um final melancolicamente pungente.

O desenvolvimento todo acontece de forma muito rápida – algo de que sempre reclamo em bons contos (sempre quero que eles se estendam um tantinho mais...) – mas ocorre de forma tão singela, tão... gentil.

Sim, se tivesse de escolher um único adjetivo para Noites Brancas, seria a de um conto muito gentil. E, em seguida, extraordinariamente solitário – pois essas são as duas maiores e principais características do narrador.
— Claro! Mas... por amor de Deus, seja generosa! Lembre-se de minha maneira de ser. Tenho já vinte a seis anos... e nunca me relacionei com ninguém. Como poderia eu, de repente e sem qualquer preparo, sustentar um diálogo segundo todas as regras do bom convívio? Mas há de compreender-me melhor se eu lhe disser tudo francamente, se lhe abrir o meu coração. Eu não posso me calar quando o meu coração grita... Poderá acreditar-me? Nem uma mulher, nunca, nunca! Nem sequer um amigo! Apesar disso, todos os dias sonho que, finalmente, tarde ou cedo, encontrarei alguém. Ah, se soubesse quantas vezes me apaixonei, só em imaginação! .

É uma história sobre sonhadores, sobre aqueles que ficam para trás. Que sacrificam tudo o mais em troca de um único momento de felicidade. E que são capazes de sacrificar a própria felicidade por aqueles que ama.

Uma bela e delicada história de amor, para se voltar quando nos sentimos nostálgicos ou melancólicos com a lembrança de alguém a quem quisemos bem.
Meu Deus! Um momento de felicidade! Sim! Não será isso o bastante para preencher uma vida?




A Coruja


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2 comentários:

  1. Báh eu tinha o maior medão dos escritores russos, ai um dia li O idiota para o Clube do Livro que participava e me apaixonei completamente, ainda não li Noites Brancas, mas agora ele vai saltar da estante para a cabeceira hehehehe...
    estrelinhas coloridas...

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  2. Olá! Já tive a oportunidade de ler Noites Brancas e gostei bastante. Dizem que esta é a única obra romântica deixada por Dostoiévski. Não sei muito sobre esse assunto, mas me interesso por ele. De Gogol, li apenas O Capote e também vi boa dose de humor nessa narrativa.
    Gostaria de saber como funciona esse clube do livro do qual você faz parte.

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