25 de fevereiro de 2010
Direito ao Esquecimento
Já faz alguns dias que eu venho acompanhando o caso do blog Não gosto de plágio, e querendo escrever sobre o assunto aqui no Coruja. Por um motivo ou por outro, tive que adiar um pouco a publicação, uma vez que queria ver se encontrar mais informações... mas, enfim, estamos aqui.
Caso vocês ainda não tenham ouvido falar sobre o caso, aí vai um resumo dos últimos capítulos da novela: Denise Bottmann, a responsável pelo referido blog, publicou no mesmo provas demonstrando a existência de plágio nas traduções da Editora Landmark de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë e Persuasão, de Jane Austen.
A Landmark então decidiu mover uma ação contra a Denise e Raquel Sallaberry – responsável pelo blog Jane Austen em Português por calúnia, com pedido de indenização por supostos danos morais.
Para quem não sabe, caluniar, de acordo com o nosso Código Penal é afirmar, falsamente, que alguém – nesse caso, à Editora Landmark – praticou um fato que é definido como crime – nesse caso, plágio.
Pelo que li dos posts da Denise, que já recebeu a citação do processo, eles também requereram que o mesmo corresse em segredo de justiça e, bem como a concessão de tutela antecipada, com remoção imediata do blog Não gosto de plágio, invocando um tal “Direito de Esquecimento”.
Não posso fazer muitas conjecturas sobre o processo em si, até porque não é como se eu estivesse folheando os autos aqui. E, mesmo que assim fosse, não é como advogada que escrevo esse post, mas como leitora e como blogueira.
Do começo ao fim, o negócio me parece bem absurdo. Para começo de conversa, foi burrice do pessoal da editora ter entrado com essa ação – sejamos brutalmente sinceros: a comunidade de pessoas que lê Brontë e Austen no Brasil é reduzida e a repercussão da denúncia da Denise (que, aliás, escreve sobre o assunto não é de hoje), independente do que nós, leitores, pensemos, seria bastante restrita no “mundo dos fatos”.
Contudo, ao propor essa ação, a editora não apenas chamou a atenção dessa comunidade de leitores, mas também se enfiou numa baita enrascada ao defender, nada mais nada menos que a censura da internet. E, por isso, o juiz responsável pelo processo foi bastante feliz ao indeferir os pedidos de segredo de justiça e da antecipação de tutela.
Não tenho muita certeza do que seria este chamado direito de esquecimento - ao menos, não como colocado na presente questão. O que se deve esquecer afinal? Que a editora foi vítima de calúnia (ou, pelo menos, assim o diz)? Bem, se eu fosse a responsável pela editora e não tivesse plagiado nada, eu ia querer que todo mundo soubesse e ainda mandaria emoldurar a sentença que dissesse que sou inocente para colocar na porta da minha sala e calar todo mundo.
Esquecer então... que realmente plagiou, mas que, diante de todos os escândalos que vivem pipocando nesta terra brasilis, esta é uma contravenção tão pequena, tão mínima que o melhor é esquecermos esse episódio assim meio embaraçoso e continuarmos com nossas vidas do mesmo jeito de antes?
Ou talvez essa seja a reação da truculência, que não sabendo argumentar e sabendo estar errada, decide acertar o debate não pela força das idéias, mas pela força dos músculos, do poder econômico – “Sei que estou errado, mas sou maior que você, então curve-se diante da minha vontade” – usando o aparato da justiça para aplicar nossa idéia de Justiça?
O que seria, então, esse instituto do direito ao esquecimento? O perdão de todos os pecados? A anistia total, independente do que tenhamos feito? “Sou um réu primário, então, apague da minha ficha que fiz isso... e da próxima vez, continuarei a ser primário”.
Dentro dos direitos humanos, faz sentido essa idéia, mas, veja bem... aplicamos esse princípio quando o agente que cometeu o delito cumpriu sua pena e está tentando se reintegrar à sociedade - é o direito à reassocialização.
No caso presente, contudo, as coisas são muito diferentes. A editora, que se arvora inocente, exige o esquecimento de seu crime, num gesto algo como "fiz merda, mas você me pede desculpas e depois todo mundo esquece as besteiras que fiz, porque, ao final das contas, eu tenho o direito de ser reintegrado, reabilitado e até indenizado pelo fato de eu ter feito besteira".
Muito bom, realmente. Um grande exemplo a ser seguido...
Tenho absoluta certeza que qualquer bom ditador gostaria de importar a inteligência por trás desta adaptação de um direito ao esquecimento – que, somado à tentativa de impor a censura sobre o caso e tratar da coisa toda a portas fechadas realmente diz muito sobre o respeito da Landmark e seus responsáveis.
Gostaria de saber para onde vão, exatamente, o direito à informação; à liberdade de opinião e de expressão, a livre manifestação do pensamento e todas as outras garantias constitucionais atropeladas nesse caso.
Vamos ver no que isso vai dar ao final das contas...
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prezada coruja, obrigada pela divulgação.
ResponderExcluirNão deixa o Hugo Chávez saber desse tal direito! Ele vai ter orgasmos cósmicos com as inúmeras possibilidades que ele encerra!!!!
ResponderExcluirsó tem direito ao esquecimento aquele que tem culpa, né isso? tem culpa, foi julgado, condenado e pagou pelo crime. exigir direito de esquecimento, então, é meio que uma confissão de culpa, pois pois?
ResponderExcluirExatamente, Naomi, é quase uma confissão de culpa. Pelo menos, na forma clássica do que seja o direito ao esquecimento. A "coisa" que a Landmark inventou é um monstro jurídico estilo Lovecraft.
ResponderExcluirE, Denise... Um caso desses é para ser divulgado e discutido amplamente, inclusive pela imprensa (saiu alguma reportagem sobre o assunto?). De uma forma ou de outra, ela guarda uma enorme importância para o futuro da livre expressão dentro da internet.
Eis uma coisa difícil de se definir no Brasil de hoje... liberdade de expressão u.u Acho que os responsáveis pela divulgação de opiniões, idéias, informações já foram tão maltratados na história do país que ninguém mais sabe o que é o que em se tratando de comunicação. E quem sai ganhando nisso é quase sempre a censura ou aqueles que se aproveitam dela. ¬¬
ResponderExcluirDá uma tristeza saber dessas coisas quando se está querendo trabalhar com comunicação...
prezada coruja, deu no prosa online do globo, no link blog do estadão, no informática da folha de são paulo, uma nota na ilustrada tb da fsp, vamos ver.
ResponderExcluirtem mais essa:
raquel sallaberry, do blog jane austen em português, informa recebimento de uma carta de citação, dentro do mesmo processo movido pela editora landmark e pelo sr. fábio cyrino contra mim.
http://naogostodeplagio.blogspot.com/2010/02/landmark-e-jane-austen.html
Querida Denise,
ResponderExcluirBom dia! Estou tentando achar aqui non"nao gosto de plágio" uma passagem onde você diz que escreveu à Biblioteca Nacional e eles responderam que a coisa não era com eles...
Abraço
Veríssimo
Cara Coruja,
ResponderExcluirmuito obrigada pelo apoio e pela divulgação de forma tão clara de episódio quase kafkiano.
Um processo como esse, que não é apenas absurdo, mas que também fere direitos fundamentais de todo mundo que anda pela internet (ressucitando a lei da mordaça) tem que ter toda a divulgação possível.
ResponderExcluirLulu,
ResponderExcluirCitei seu artigo no Litteraria para os meus leitores entenderem um pouco sobre o tamanho do absurdo que foi esse tal de "direito ao esquecimento". E agradeço a você a divulgação do manifesto - eu não saberia dele se não tivesse lido aqui. =D
Até parece que foram "nossos" políticos que inventaram este tal do Direito ao Esquecimento. Já que eles são o "espelho" nesta inversão de papéis, onde se aproveitam de brechas jurídicas para befeneficiarem seus atos libidinosos, ferindo nossa capacidade de julgamento e gritando a todos os 4 cantos do mundo que somos idiotas (isto é o que eles pensam).
ResponderExcluirAtitudes corajosas como esta, de mostrar e apontar o errado, são capazes de fazer toda diferença no cenário sócio-político deste nosso lindo e querido Brasil!
Parabéns Denise!