20 de abril de 2012
Na sua estante: cenas de um casamento - parte II
#117: Soneto de Fidelidade
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Música começou a fluir pelos corredores da igreja, anunciando o início da cerimônia. Ao seu lado, Luís sentiu Sofia inspirar devagar quase em tempo com a melodia. Ele se inclinou ligeiramente para observá-la e ela lhe respondeu com um sorriso.
Sem ter muita consciência do que estava fazendo, ele sorriu também – sereno, tranqüilo, como alguém que tem tudo o que poderia querer na vida.
E, de certa forma, ele tem. Sem querer, sem perceber, ele encontra não exatamente aquilo que pensara querer, mas exatamente aquilo que ele precisava. Porque às vezes nos deixamos embalar por ilusões e quem disse que os opostos se atraem obviamente não precisou ter de conviver com sua contraparte.
Luís sabe agora que a tormenta em que viviam seus pensamentos enquanto se torturava em silêncio achando que gostava de Beatriz não ia além do auto-engano. Não porque Bia tivesse alguma falta, mas porque desde o princípio ele a colocara num pedestal – e é impossível você amar alguém de verdade quando a imagem que tem dela é totalmente idealizada.
No final das contas, fora o gosto comum por arte e literatura, ele nunca chegara a se preocupar em sequer passar da superfície daquilo que fazia Beatriz ser quem era.
Ela era vibrante e impulsiva e estava sempre fazendo projetos e pulando de interesse em interesse. Ele era quieto e contemplativo, algo obsessivo naquilo que prendia sua atenção e fiel em sua paixão pelo desenho – linhas e cores e texturas.
Sofia enxergara tudo isso quase que num relance desde o começo e tentara chamar sua atenção para isso. E, embora pudesse ser cortante e ácida com suas palavras quando queria, em geral, ela era como ele, passional em relação à sua música, dedos, mãos e corpo perdidos numa melodia que batia em sua própria mente.
Os primeiros acordes da marcha nupcial vieram do fundo da igreja e quase de imediato as pessoas ao seu redor levantaram, olhando ansiosamente para entrada. Sofia estava agora a sua frente, meio inclinada para o corredor, mas ainda encarando-o.
Luís estendeu o braço. Sem palavras, ainda sorrindo ligeiramente, ela se deixou deslizar até que suas costas estivessem contra o peito dele, seus rostos no mesmo nível. E as palavras declamadas pelos cantores ecoaram ao seu redor “que não seja imortal, posto que é chama... mas que seja infinito enquanto dure”.
#118: Marcha Nupcial
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Tudo se resume a um único instante; um único perfeito instante que se estende do momento em que seus olhos se encontram de lados opostos do longo caminho até o altar até aquele em que o pai de Penélope lhe entrega a mão dela – pequena, firme, delicada – e Arquimedes sente o coração disparar com o sorriso com que ela o recebe – doce, contente, completo.
Então eles se voltam para o altar e dificilmente ele seria capaz de lembrar depois o que acontece nos minutos seguintes (e não é por isso que eles filmam essas coisas?), exceto que o padre fala algo e ele repete, ela repete e é hora das alianças... e o que Arquimedes sempre vai se lembrar é daquele perfeito momento de paz, claridade, absoluta felicidade quando o aro dourado desliza pelo dedo de Penélope e o padre diz “eu os declaro marido e mulher” e “pode beijar a noiva”.
Que é exatamente o que ele faz. Com grande alacridade e sorrisos, enquanto rouba o chão de sua – ele quase explode ao pensamento – esposa. Para todo o sempre, até que a morte os separe.
A Coruja
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Tá chegando ao fim... NÃAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAOOOOOOOOO!!!
ResponderExcluir*snif*
*-* Não consigo me desesperar pelo fim estar próximo porque estou embasbacada demais com o quanto isso ficou lindo.
ResponderExcluirEssa sexta-feira termina...
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