25 de junho de 2010
Na sua estante: um encontro com Austen - Terceiro Movimento || Persuasão
Sentada no balanço da varanda, ela admirava a garoa fina que caía intermitente desde o início daquela manhã, os olhos perdidos no meio do jardim. Tão imersa estava nos próprios pensamentos que não o percebeu observando-a até que o balanço se mexesse devagar sob o peso dele.
Voltando-se, Sofia deu um meio sorriso.
- Oi, pai. O senhor chegou cedo hoje.
- Eu não sei se cedo é a palavra mais acertada, depois de um plantão de mais de vinte e quatro horas. – ele observou, desviando o olhar para o livro que ela tinha no colo – Ainda em Austen? Pensei que você já tinha entregado seu projeto da faculdade. Você não está de férias?
- É o último livro. – Sofia respondeu, dando de ombros – E, se cheguei até aqui, nada mais justo que ir até o final, não?
Ele aquiesceu, tomando o volume com cuidado, observando a capa por alguns instantes antes que um sorriso divertido cruzasse seu rosto.
- Sabe, eu sempre achei que sua mãe decidiu se casar comigo por causa desse livro.
A morena riu, balançando a cabeça.
- Eu desconfiei de algo do tipo, Capitão Frederico.
O homem suspirou, o sorriso tornando-se agora nostálgico.
- Persuasão era o livro favorito da sua mãe. Eu era Primeiro-tenente quando estávamos namorando e, quando a pedi em casamento, ela aceitou, mas disse que a cerimônia seria só depois que eu fosse promovido a Capitão, porque ela queria ser casada com um Capitão Frederick.
Sofia o encarou, surpresa.
- O senhor está falando sério?
- Nunca tive certeza se ela estava falando a sério, porque, na época, faltava pouco para a minha promoção. – foi a vez de ele dar de ombros – Mas eu não passaria por cima da possibilidade.
Sofia piscou os olhos.
- Minha mãe era louca e só agora eu descubro isso?
- Sua mãe não era louca, Sofia. – ele riu – Apenas uma grande romântica. Aliás, você também foi batizada por esse livro.
- Sofia Croft? – ela perguntou – A irmã do Capitão Wentworth? – ela coçou a ponta do nariz, pensativa – E eu jurava que era por causa d’O Mundo de Sofia...
- A princípio, sua mãe queria chamá-la Anne. – o capitão continuou – Mas decidiu que isso seria muito estranho, já que Anne e Frederick eram um casal, e eu sou seu pai. Como não há nenhuma menção aos filhos dos Wentworth, ela achou que a irmã era a escolha mais acertada.
- Em outras palavras, se mamãe tivesse conhecido um Mr. Darcy ela teria largado o senhor, já que se chama Elisa? – Sofia perguntou, arqueando uma sobrancelha.
- Quem sabe? Sorte a minha que não temos nenhum Mr. Darcy andando por aqui, não é?
Ela concordou com a cabeça, inclinando-se até encostar-se no ombro do pai, observando-o enquanto ele folheava devagar algumas páginas do livro.
- Isso é... bom. – Sofia observou baixinho – Nós nunca conversamos sobre a mamãe assim.
Recostando-se melhor contra o balanço, ele passou um braço livre pelas costas da filha, aconchegando-a melhor a si.
- Eu nunca tive muita certeza sobre como me aproximar do assunto com você. – ele confessou – Você já era uma criança tímida antes do acidente, Sofia, e, depois da morte da sua mãe... nem eu sabia exatamente o que fazer e você simplesmente se fechou em si mesma, evitando todas as coisas que formavam sua relação com sua mãe. De início, tentei conversar com você sobre o assunto, mas você sempre fugia ou irrompia em lágrimas e se recusava a falar... então eu achei que, com o tempo, você iria superar e que, se precisasse, viria conversar comigo. – ele soltou outro suspiro – Talvez eu devesse ter insistido um pouco mais.
- Não, pai. – ela meneou a cabeça, virando-se até poder encará-lo – O senhor tinha razão. Eu precisei de tempo para poder fazer as pazes com a idéia de que ela não ia voltar... eu tentava ignorar aquele vazio no peito... e, depois, acho que simplesmente me acostumei a não pensar nisso. E, no processo, acabei esquecendo também das coisas boas... das memórias que me faziam sorrir. – desta feita, foi Sofia quem deu um longo suspiro – Quando comecei a ler esses livros e a pensar que a mamãe também os tinha lido, foi como... como estender uma ponte para essas memórias.
- Estender uma ponte para as memórias. – ele repetiu, anuindo – É uma expressão interessante. Eu gosto dela. Bastante poética.
Sofia riu baixinho, voltando a recostar-se nele.
- “Ali trocaram eles de novo aquelas juras e promessas que outrora pareceram assegurar-lhes tudo, mas que tinham sido seguidas de tantos, tantos anos de separação e indiferença. Ali regressaram eles ao passado, mas intensamente felizes, talvez, na sua nova união, do que quando esta fora projetada pela primeira vez; mais meigos, mais experimentados, mais seguros do conhecimento do caráter, da sinceridade e do afeto um do outro; mais capazes de agir, com mais motivos para agir.” – ele leu em voz alta, passando a página para continuar – “E ali, enquanto subiam lentamente a colina, alheios aos grupos que os rodeavam, não vendo nem os políticos que por ali vagueavam, nem as governantas azafamadas, nem as meninas que namoravam, nem amas nem crianças, puderam entregar-se às recordações e principalmente às explicações do que precedera imediatamente o momento presente, as quais tinham um interesse tão intenso e tão infindável.”
- Acho que Persuasão também é meu livro favorito de Austen. – Sofia observou, quando o pai terminou o parágrafo.
- É mesmo? – ele perguntou, abaixando o livro – E por que seria isso?
- Porque esse é um livro sobre reencontros... e sobre uma segunda chance. – ela sorriu – E também, claro, porque meu pai é o Capitão Frederico.
Ele soltou uma gargalhada em resposta.
- Acho que é o meu livro favorito, também. – ele respondeu – Sua mãe praticamente me obrigou a lê-lo, embora, para ser sincero, eu já o planejasse fazê-lo sem a pressão dela. Você já terminou?
Sofia assentiu, ao mesmo tempo em que se levantava do balanço, espreguiçando-se.
- Tenho que mandar um e-mail para a Bia dizendo o que achei do livro. Ela está viajando nessas férias, mas me fez prometer que escreveria quando terminasse. E estou com o filme de Persuasão aí. Quer assistir comigo mais tarde?
- Claro. Eu providencio a pipoca. – ele respondeu, entregando o volume para ela.
Com isso, ela se voltou para dentro da casa, dirigindo-se até a biblioteca para guardar o livro. Naqueles últimos meses, ela voltara a freqüentar aquele cômodo específico, reencontrando ali o mesmo refúgio com que se acostumara quando era criança.
Com cuidado, ela empurrou o volume de volta para seu lugar na estante, o olhar fixo no porta-retratos sobre a mesa ao lado, onde a figura da mãe sorria, piscando um olho para ela.
Dando um último sorriso na direção da fotografia, ela desviou novamente a atenção para a estante. A coleção completa dos romances de Tia Jane e encararam de volta.
- Obrigada, Miss Austen. – ela murmurou, para então voltar-se para a saída, apagando a luz e fechando a porta.
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