12 de março de 2010
Na sua estante: Primeiro Dia
#005: Primeiro dia
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Primeiro dia de aula. Do meio de uma das estantes, enquanto organizava os livros devolvidos no último dia de férias, Penélope tinha uma vista privilegiada da entrada da biblioteca – um lugar de onde podia ver sem ser vista.
Volta e meia, ela levantava a cabeça ao ouvir passos, mas ninguém nunca chegava realmente a entrar. Podia ouvir fragmentos de conversas animadas do lado de fora –veteranos que se reencontravam e calouros admirados; funcionários apressados, professores fofocando, trocando farpas na política da faculdade.
A bibliotecária sorriu para si mesma. No mais das vezes, ela tinha a impressão de que vivia em um mundo à parte; ela e sua biblioteca.
Foi nesse preciso momento que ela entrou. Pequena e delicada como um bibelô, os cabelos claros caindo em cachinhos pelo rosto, olhos grandes piscando curiosos enquanto vasculhava o recinto.
Provavelmente estava perdida. Penélope observou enquanto a menina titubeava junto à porta, claramente hesitante de entrar na biblioteca.
Não seria a primeira. Ao longo dos anos, Penélope percebera que a maior parte dos alunos achava a biblioteca um lugar opressivo, em vez de – como para ela – um refúgio de tranqüilidade e conforto. Eles freqüentavam o lugar, é claro; mas muito mais por necessidade que por simples prazer.
Penélope deu dois passos à frente, saindo de detrás das estantes, revelando-se então.
- Bom dia. – ela cumprimentou – Posso ajudar em alguma coisa?
Alguma coisa na postura da menina mudou neste instante. Com passos curtos e rápidos, ela se aproximou. De perto, parecia ainda mais jovem do que Penélope julgara a princípio.
- Bom dia. – a menina respondeu, um pequeno sorriso flutuando nos lábios – A senhora é a bibliotecária?
Penélope quase suspirou ao ouvir o “senhora”, mas conteve-se a tempo, enquanto tentava sorrir de forma solícita.
- Sou eu mesma. O que posso fazer por você? Está procurando algum livro?
Ela meneou a cabeça devagar, para então estender a mão.
- Na verdade, eu vim me apresentar. Vou estar por aqui pelos próximos quatro, cinco anos e a senhora provavelmente me verá por aqui todo dia, então... – ela riu baixinho, embora o ligeiro rubor que colorira suas bochechas traíssem uma pontada de embaraço – Meu nome é Beatriz. Mas pode me chamar de Bia.
Penélope piscou os olhos, surpresa, demorando meio segundo a mais para apertar de volta a mão que lhe era oferecida.
- Penélope.
Bia assentiu, o sorriso tornando-se mais largo, revelando duas covinhas.
- É um prazer conhecê-la, Penélope.
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