15 de julho de 2011
Na sua estante: frustração
#072: Frustração
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Ele bufou quando a porta se fechou com um estrondo, ainda que tirando uma mínima satisfação ao batê-la com toda força. Largando a mochila sobre a mesa, André ergueu a cabeça a tempo de ver a irmã saindo do quarto com uma expressão fechada.
- Nós temos vizinhos, sabia?
- Dane-se. – foi o que ele respondeu, jogando-se no sofá e esfregando as mãos no rosto, para então repetir – Dane-se.
O semblante mal-humorado da irmã mudou para um de preocupação enquanto ela se sentava numa das cadeiras mais próximas a ele, observando-o com cuidado.
- O que aconteceu dessa vez, André? Você estava com a Mariana, não é? O bebê está bem?
- Eu... – ele parou ao erguer a cabeça e dar de cara com Sofia encostada à porta do corredor, de braços cruzados – Hã... Sofia... Eu não sabia que você estava aí...
- Nós combinamos de assistir um filme hoje, depois que eu pegar minha prima no curso de pintura, em uma hora. – ela respondeu.
Bia balançou uma mão, como se espantasse uma mosca incômoda.
- Não se preocupe com ela, Sofia sabe de tudo de qualquer forma. Você estava dizendo...
- Sofia sabe? – André perguntou num fio de voz.
- Eu não tenho segredos com Sofia. – Bia sorriu.
A outra apenas sorriu, dando de ombros.
- Pelo menos eu sei guardar segredos... Você parece estar precisando de um café, André. Ou talvez alguma coisa mais forte.
- Ele não precisa de nada mais forte. Da última vez que ele bebeu alguma coisa mais forte, ele acabou se metendo nessa situação. – foi Bia quem respondeu, não dando tempo para que o irmão se pronunciasse.
- Café então. – Sofia retrucou, desaparecendo na direção da cozinha.
Bia assentiu e voltou-se uma vez mais para o irmão.
- Então... você quer conversar? Esperar o café? Se empanturrar de sorvete e chocolate? Planejar um assassinato?
- Eu não sabia que além de se empanturrar de chocolate, você também planejava assassinatos quando estava deprimida. – André observou.
- Você não tem idéia de como isso é benéfico para levantar os espíritos. – Beatriz respondeu, sorrindo de orelha a orelha.
- Eu imagino que seja uma vítima freqüente nesses devaneios, não?
- Bastante.
André deu um suspiro resignado, escorregando um pouco no sofá, enquanto cruzava as mãos sobre a barriga e encarava o teto. Beatriz esperou pacientemente até que ele começasse.
- Eu fui conversar com ela hoje. Ela quer casar.
- Me parece uma conclusão mais ou menos lógica até aí, por mais que eu não goste da criatura. Quer dizer, você é louco por ela, não é? Ênfase no louco, por favor.
O rapaz lançou um olhar de esguelha para ela, ao que Beatriz apenas sorriu beatificamente.
- Ela disse que eu podia escolher ficar com ela de verdade... ou ela escolheria alguém que daria segurança para ela.
Beatriz respirou fundo.
- Não me diga que ela... ela ainda está com o outro cara?
- Eu não sei. – André deu de ombros – Não tive coragem de perguntar diretamente; no mínimo ela ia me acusar de alguma coisa e ia ficar tudo mais complicado.
Normalmente, Beatriz não teria escrúpulos em dizer exatamente o que pensava do irmão naquele momento, mas, dessa vez, ela se refreou. Ela o chamaria de pastel para baixo mais tarde – agora era hora de ao menos tentar torna-lo menos miserável.
Além disso, ela tinha coisas importantes para resolver. Muito importantes.
- Por que você não vai tomar um banho? – ela perguntou – Toma um banho morno, toma café... a Sofia trouxe biscoitos para nossa sessão de cinema, coma biscoitos também. Biscoitos são uma coisa boa. E depois, de barriga cheia, talvez as coisas pareçam um pouco melhor?
Era um testamento ao seu desânimo que André tenha apenas se levantado para obedecer, sem contestar a irmã. Quando afinal terminou o banho, incrivelmente, ele se sentia um pouco mais relaxado – o que significava que talvez devesse seguir o resto das recomendações de Bia que, aparentemente, sabia do que estava falando no final das contas.
Voltando para a sala, ele encontrou Sofia bebericando sua própria xícara de café, com uma expressão pensativa para a janela.
- Onde está a Bia?
Voltando-se para ele, Sofia estreitou os olhos.
- Ela não está com você? Achei que estivessem conversando lá dentro.
- Eu estava tomando banho. – André respondeu, já se virando para ver se a irmã tinha voltado para o quarto quando algo lhe chamou a atenção.
Sua mochila estava aberta... e a chave não estava mais na porta. Engolindo em seco, quase como se adivinhasse o que aconteceria a seguir, ele se aproximou da mesa, tomando a mochila e de cara percebendo o item que faltava ali: sua agenda.
Beatriz sempre fizera graça da forma quase obsessiva como ele anotava tudo na agenda, de provas e trabalhos a telefones e endereços. Ela achava hilariante que ele mantivesse um ‘diário’ quando ela mesma não tinha paciência de fazer um – e não adiantava dizer que aquilo não era um diário, ela nunca o escutava.
André registrava tudo ali depois de seu celular desaparecer duas vezes e deixá-lo quase pirado com todas as informações que tinha perdido. O endereço de Mariana estava anotado lá... e Beatriz, claro, saberia que ele teria anotado o endereço dela na agenda.
- Merda. – ele praguejou, imediatamente revirando a mochila atrás da própria chave.
- O que foi? – Sofia perguntou preocupada, parando às costas dele.
Ele se virou para ela quase desesperado.
- Bia foi para a casa da Mariana.
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A Coruja
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