#052: O Exorcista
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- E quem não escuta a palavra do Senhor, não será salvo. Aleluia, irmãos! Arrependei-vos, pois o fim está próximo e apenas os escolhidos serão salvos pelo Senhor!

Beatriz parou de chofre, encarando o pastor aos berros no microfone, exatamente no meio da praça. Por alguns instantes, ela ouviu em silêncio a pregação, que misturava Apocalipse com Patriarcas e talvez sacrifícios humanos.

Sofia encarou a amiga, esperando que ela despertasse de qualquer que fosse a loucura que lhe passava pela cabeça, para que pudessem continuar seu caminho até a parada de ônibus. Para sua surpresa, contudo, quando Bia "despertou", foi para marchar na direção do pastor ainda aos berros.

- Desculpe interromper. - Bia soltou, tão logo o homem deu uma pausa para respirar - Mas o senhor está errado.

O pastor arregalou os olhos e, Sofia pensou consigo mesma enquanto se aproximava dos dois lunáticos, não parecia muito longe de começar a espumar pela boca.

- O que você pode saber disso, menina?

- Eu li a Bíblia. - Beatriz sorriu de forma quase simpática - Afinal, é um livro de História, se formos pensar bem, embora cheio de eufemismos e hipérboles. A questão é que o Apocalipse de São João não tem nada a ver com o fim do mundo, mas é sim uma alegoria, da mesma forma que o Gênesis, aliás. Fim do mundo o senhor pode encontrar no Ragnaröck, no Gehenna, nas profecias de Nostradamus. Na verdade, o Apocalipse é um dos livros mais belos e interessantes da Bíblia, e o senhor não deveria utilizá-lo para intimidar o povo. Para isso, seriam mais eficazes os relatos de Josué cercando cidades.

- Você fala heresias, menina! Cale-se, antes que a fúria do Senhor a fulmine e...

- Eu nunca vi ninguém ser fulminado por qualquer tipo de fúria. - ela piscou os olhos inocentemente - o senhor já?

Sofia suspirou, mantendo-se apenas próxima o suficiente para ouvir o diálogo e longe o bastante para não ser atingida quando o fulminamento começasse.

E pela expressão tresloucada do homem, ele estava prestes a começar.

- Vá de retro! Eu te esconjuro, demônio, a abandonar o corpo dessa criança! - ele levantou a mão, agarrando a cabeça de Beatriz com força - Eu te esconjuro, vá de retro, Satanás! Pelo nome do Senhor, eu te...

Foi neste preciso momento, quando já começava a se juntar uma pequena multidão em torno do espetáculo, que Beatriz recobrou a presença de espírito e, escapando das mãos do pastor, começou a correr.

- Volte aqui, menina! Temos de exorcizar este demônio que fala por você! - a essa altura, ele já corria atrás dela pela praça, com a Bíblia debaixo do braço, tomado pelo fervor religioso - Eu te esconjuro! Saia deste corpo que não te pertence, demônio!

- O senhor enlouqueceu! - Beatriz respondeu gritando, sem se voltar para trás e sem parar de correr, desaparecendo na esquina seguinte.

Sofia suspirou. Aparentemente, não seria naquele dia que Beatriz ia conhecer seus primos.


*****

Bem mais tarde, nesse mesmo dia...

André levantou a cabeça do sofá ao ouvir a porta se abrindo... e então pulou sentado, arregalando os olhos.

- O que diabos aconteceu com você?

Beatriz lhe lançou um ar de esguelha. Suas pernas mal se sustentavam, seus braços e ombros doíam do esforço de correr carregando sacolas e livros, e seu cabelo, a essas alturas, deveria se parecer com um ninho de ratos.

Não podia imaginar o que o pastor poderia ter feito se ela lhe tivesse revelado que o Cânticos dos Cânticos era um livro erótico...

Ela largou as sacolas no chão, pouco antes de se deixar escorregar pela parede, incapaz de dar mais um passo adiante.

- Fui exorcizada.

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