14 de janeiro de 2011
Na sua estante: desafinado
#045: Desafinado
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- Procuro um amor que seja bom pra mim... vou procurar, eu vou até o fimmmmm...
Beatriz fez uma careta, tentando desesperadamente não comentar sobre o assunto da completa inaptidão que seu irmão demonstrava para a música: ela sabia que no momento em que reclamasse, André se tornaria ainda mais desafinado e dissonante (embora ela não pudesse imaginar como ele conseguiria tal façanha), apenas com o intuito de provocá-la.
Tinham acabado de deixar os pais no aeroporto – a mãe tinha uma série de reuniões marcadas em Nova York e o pai estava voltando para as escavações de qualquer que fosse a civilização perdida que tinham encontrado daquela vez – e estavam agora voltando para casa, o som quase no último volume, acompanhado das dolorosas intervenções de André.
O rapaz alcançou uma nota particularmente aguda que, Bia tinha certeza, acabara de lhe causar dano permanente nos ouvidos. A coisa não podia ficar pior que aquilo!
- Pelo amor de tudo quanto é mais sagrado, André, você deve ser a pessoa mais desafinada e sem ritmo que já conheci na vida. Por favor, POR FAVOR, seja um pouco caridoso comigo, eu estou quase morrendo aqui.
André virou-se para ela brevemente, piscando os olhos e abençoadamente calando-se por cinco minutos inteiros. Beatriz suspirou de alívio, relaxando no assento pela primeira vez desde que tinham voltado para o carro.
- Engraçado você dizer isso... – André comentou casualmente – Amanda disse que eu tinha; e essas foram as palavras exatas dela, “uma linda voz”.
Beatriz estreitou os olhos.
- Quem é essa?
- Uma colega de turma. Eu dei carona para ela um dia e ela disse que eu cantava bem.
Ruminando aquela idéia consigo mesma por alguns instantes, Beatriz encarou o irmão com cuidado.
- Bem, das duas uma... ou essa garota é surda, ou tem um objetivo escuso, como dar em cima de você, para fazer um comentário tão disparatado. Como não consigo acreditar que alguém seja capaz de mentir tão descaradamente e ainda encorajar você a continuar cantando, só posso pensar que se trata da primeira opção.
André deu um meio sorriso.
- Você acha que ela está dando em cima de mim? Ela não é de se jogar fora, para dizer a verdade...
A garota piscou os olhos.
- Eu pensei que você estava com a Mariana.
Ele deu de ombros.
- Ela tem um noivo.
- Momento conveniente para lembrar desse detalhe, hein, André? – ela observou, arqueando a sobrancelha.
O rapaz apenas sorriu.
- Eu me esforço para nunca ser um desapontamento para você, querida irmãzinha. E, como você sempre pensa o pior de mim... Embora, eu deva confessar, é muito difícil corresponder às suas expectativas. – ele abriu ainda mais o sorriso – Mas eu sempre me divirto tentando.
Beatriz abriu e fechou a boca como – com o perdão do clichê, mas não havia outra forma de descrever – um peixe fora d’água, obviamente tão indignada que lhe faltavam palavras.
André sorriu consigo mesmo, aumentou o volume do som... e voltou a cantar.
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A Coruja
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