14 de maio de 2010
Na sua estante: Isso pode ser contagioso (ou a função metalingüística do texto)
#014: Isso pode ser contagioso (ou a função metalingüística do texto)
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- Ei, André... Você pode me dar uma carona até a casa da Sofia? Eu tenho um trabalho para fazer com ela. – Beatriz parou à porta do quarto do irmão, terminando de desembaraçar os cabelos ainda molhados do banho – Eu pediria para o pai, mas eu não encontro ele...
- O pai viajou de madrugada para encontrar a mãe, Bia, você esqueceu? – ele respondeu, desviando brevemente a atenção do computador para olhar para ela.
Beatriz bateu a palma da mão na testa.
- Eu tinha me esquecido completamente... Pior que eu pedi jantar para três. – ela suspirou para si mesma – Também, o pai e a mãe viajam tanto que às vezes a gente até se perde nos calendários deles.
Ela observou o irmão por alguns instantes. André já voltara a se virar para a tela do computador, não lhe dando maior atenção do que daria a um mosquito.
- Você sabe, isso me faz pensar em figuras arquetípicas e na Jornada do Herói.
Se Beatriz estava tentando chamar a atenção – ou chocar, como era mais provável – do irmão... ela acabara de conseguir.
- Do que diabos você está falando?
- Muito simples, oras. – ela sorriu – Se nós fôssemos personagens de uma história, talvez um folhetim dividido em capítulos que fossem ao ar todas as sextas-feiras; nossos pais estariam convenientemente afastados para permitir que vivêssemos nossas aventuras, e enfrentássemos nossa jornada rumo ao crescimento e amadurecimento espiritual e um “felizes para sempre”. E, claro, como personagens arquétipos, eles não teriam nome; seriam chamados apenas de mãe e pai.
André observava a irmã com olhos arregalados, completamente esquecido do que quer que estivesse na tela do computador.
- O que foi? – Beatriz perguntou finalmente, começando a se sentir estranhamente sem graça diante do olhar do rapaz.
- Do que você está falando? – ele repetiu, dessa vez pausadamente.
Ela deu um sorriso.
- Da função metalingüística do texto, é claro.
André respirou fundo, girando na cadeira, dando as costas à irmã.
- Não posso levar você, eu vou sair com a Mariana. – ele se levantou – De qualquer forma, eu não levaria você mesmo. Afinal... isso pode ser contagioso.
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
De duas, uma:
ResponderExcluir1- Bia é uma personagem que sabe que é uma personagem de uma história, e consegue quebrar "the fourth wall".
2- Ela é doida de pedra!!! xD
O que a criadora diz? =P
A criadora diz...
ResponderExcluirVocê nunca teve a impressão de que era um personagem de uma história? Quem dissea você que você não é um personagem? Não tem tanta gente que acredita em Destino? Se temos Destino, isso significa que temos um roteiro já escrito, portanto, somos todos personagens.
Por outro lado, eu mesma vivo dizendo (e conheço muito autor que diz isso também) que meus personagens muitas vezes se revoltam e tomam as rédeas de suas histórias nas próprias mãos.
Talvez meus personagens me vejam como Deus, uma vez que criei o mundo deles em seis dias e descansei no sétimo? Quem vai saber?
A verdade é que eu acho que a Bia é doida de pedra. E, como o André mesmo diz, isso pode ser contagioso...
Ah, sim, eu tenho uma terceira teoria!
ResponderExcluir3 - A Autora deste folhetim tem um senso de humor bizarro.
Eu acho que a resposta certa é a terceira. Mas ainda sustento a parte de sermos todos personagens escritos por outros personagens criados por outros personagens e assim ad infinitum.
Wow, essa teoria foi boa.
ResponderExcluirSe eu realmente for um personagem, vou ficar muito puto pq não fui criado em um cenário de fantasia medieval, especialmente nos dias que eu acho que sou o Chris.
E a teoria do senso de humor bizarro faz todo o sentido do mundo, ao meu ver. =P