15 de junho de 2009

Como fazer uma tese

Então… amanhã eu vou defender minha monografia. Passei o final de semana debaixo de uma manta, lendo e relendo o que escrevi e pesquisei durante os últimos dois anos; tentando adivinhar que tipo de perguntas minha banca poderia fazer e como é que eu ia conseguir resumir todo o trabalho em dez minutos.

Tive até um sonho com isso. Do sábado para o domingo, eu sonhei que estava diante da banca e Eugênia perguntava sobre a correlação entre Branca de Neve e a Guerra, enquanto Leônio questionava a posição de Mário Souto Maior sobre o assunto.

Eu estava respondendo a pergunta da Branca de Neve (falando sobre como a bruxa e a guerra carregam em seus atos as sementes de sua auto-destruição ou algo do tipo) e tentando me lembrar o que Souto Maior – que, embora tenha se formado em Direito, é um conhecido folclorista, autor de vários livros sobre a sociedade pernambucana e o Cangaço – poderia ter dito sobre guerra, quando minha mãe me acordou. Minha primeira reação foi ficar brava com ela, porque eu estava quase conseguindo fazer a ligação entre os temas (de alguma forma que não consigo bem entender, citando Jane Austen) quando ela me despertou.

Foram necessários alguns confusos minutos em que eu tentava me lembrar exatamente qual estava sendo minha resposta no sonho quando me toquei que, certamente, não haveria perguntas sobre Branca de Neve ou qualquer outro conto de fadas na banca. E que, decididamente, eu não lera, nem escrevera nada sobre Souto Maior e a guerra. Muito menos, Mr. Darcy tinha algo a ver com o assunto.

Eu não quero nem saber o que meu subconsciente (ou inconsciente; não estou bem lembrada agora qual a parte responsável pelos sonhos) vai produzir quando eu estiver às voltas com uma dissertação de mestrado ou doutorado...

Ok, mas não é sobre meus devaneios absurdos que estou escrevendo hoje – haverá tempo para eles em outra oportunidade. O tema do post de hoje é “como fazer um artigo”, no espírito dos meus estudos; serei assim direta ao ponto e lhes apresentarei uma lista – porque não há nada para ser mais direto que fazer uma lista.

Vamos começar então...

1) O começo, é claro, é o início. Você precisa escolher um tema. Um tema pelo qual você se interessa o suficiente para ficar bastante tempo debruçado sobre ele. Pense assim... Você realmente quer passar dois, três anos da sua vida lendo e escrevendo sobre os efeitos de mascar chiclete demais nos cérebros de ratos? Ou sobre o impacto global da bolsa de valores de Timbuktu (considerando, é claro, que haja uma bolsa de valores lá...)?

Escolha algum tema que realmente lhe interessa, que você possa defender apaixonadamente, do qual você não se canse de falar tão cedo. Você precisará ter a mesma tenacidade de um fundamentalista iraniano ou um ecologista do Greenpreace que sai por aí caçando barcos baleeiros e pichando casacos de pele em pesquisá-lo.

Lembre-se, contudo, de duas coisas: um tema inovador demais dificultará sua pesquisa bibliográfica. Um tema muito batido fará com que você tenha um mundo de referências para pesquisar e provavelmente acrescentará pouco de novo ao que se já conhece do assunto. Tente escolher um meio termo. Se for corajoso, contudo, prefira sempre a primeira opção.

A emoção do desconhecido e a idéia de que está trabalhando em algo completamente novo e desafiante certamente ajudarão seu nível de empolgação (ou, pelo menos, assim se espera).

2) Decidido o tema, é hora de começar a procurar um orientador. Decida com cuidado, essa é uma decisão tão importante quanto a do próprio tema. Há orientadores que mais desorientam que qualquer coisa. Há outros que simplesmente só aparecem na hora da banca e, se brincar, nem lêem sua dissertação.

Bem, eu vi isso acontecer na federal, não sei como é em outras faculdades, mas nunca é demais alertar. Eu tive muita sorte com minha orientadora; ela foi praticamente uma mãe nesse tempo todo e, não à toa, entre eu, Davi e João (que tínhamos reunião todos juntos) começamos a chamá-la de tia Ângela e ela nos adotou igualmente como sobrinhos (a ponto de vir ao meu aniversário ano passado aqui em casa; meus pais a adoraram, bem como seu Pascoal e todos ficaram amigos).

Lembre-se que, assim como você terá de aturar seu tema pelo tempo necessário ao desenvolvimento da tese, também terá de aturar o orientador. Escolher alguém com quem você tenha alguma boa base de diálogo é sempre aconselhável.

3) Resolvidos o tema e a questão do orientador, surge o momento de realmente começar a colocar a mão na massa. Em outros termos, sentar a bunda na cadeira e procurar artigos, livros, revistas e outras mídias que tratem do assunto que você está pesquisando.

Uma tese não é simplesmente “eu acho”. Você precisa embasar seus argumentos e, para isso, tem de ir direto à fonte.

Quando comecei a pesquisar meu tema, eu já tinha mais ou menos uma idéia do que queria fazer e algumas leituras que me ajudaram – sempre fui uma grande amante de História, desde que era criança, lendo os livros de Monteiro Lobato, e esse conhecimento de história foi fundamental até para orientar a maneira como eu iria escrever o que queria escrever.

A princípio, não encontrei muitas referências à evolução do conceito de guerra no direito internacional e o que encontrava era repetitivo. Foi quando me enfiei na parte histórica da biblioteca da faculdade e encontrei preciosidades como a primeira obra publicada pelo grande jurista Barbosa Lima Sobrinho, chamada “A Ilusão do Direito de Guerra”.

Tive assim um primeiro contato com a idéia dos juristas sobre a guerra em 1922 – pouco após o término da I Guerra – e, em Pessoa de Oliveira (que escreveu uma dissertação sobre o assunto), que escreveu em 1944 – pouco antes do final da II Guerra.

Claro que isso significou um certo sacrifício da minha parte... sendo livros raros, não podiam sair da biblioteca. E sendo extremamente antigos, tive crises alérgicas homéricas, indo terminar, inclusive na emergência sem conseguir respirar.

Mas valeu à pena. Os dois escrevem muito bem, o que só tornou a experiência prazeirosa. Eu teria me enforcado se tivesse que pesquisar só em manuais repetitivos e enfadonhos.

Por fim, minha principal fonte foi Eric Hobsbawn, o famoso historiador e escritor de A Era dos Extremos. Afinal, Hobsbawn tinha a mesma tese que eu e assim, devorei livros dele – e de Norberto Bobbio, outro grande escritor que tratou do meu tema – com toda a voracidade de uma traça de biblioteca.

Enfim... pesquise e leia muito. Essa é a chave para uma boa monografia.

4) Uma das coisas que mais me ajudou ao escrever meu trabalho foi ter, logo de início, fichado todos os textos que ia lendo para ele.

Em suma, eu comprei um caderno e enquanto lia, anotava as melhores citações, que corroboravam meus pensamentos, às vezes com a página exata onde fora encontrada, fazendo minhas próprias observações por cima.

Quando realmente me sentei para elaborar o projeto, eu tinha as citações e parte do desenvolvimento pronto no meu caderno de fichamento. Isso não apenas economizou muito também como também facilitou enormemente minha organização de argumentos.

5) Escreva, escreva, escreva, revise, revise, revise, volte às anotações, escreva mais um pouco, revise, pesquise, escreva, revise, escreva, escreva, escreva, revise e, quando finalmente terminar, arranje alguém para revisar de novo.

Dificilmente percebemos nossos próprios erros; é cientificamente provado que costumamos completar as palavras em nossa mente se tivermos apenas a primeira e última letra; digitando rápido e, algumas vezes, num súbito raio de inspiração, falhamos em perceber que comemos um caractere ou adicionamos outro.

Uma outra pessoa para revisar é, assim, sempre uma boa idéia, até porque não somos oniscientes, onipotentes e onipresentes, e sim completamente sujeitos a falhas. Fora que a opinião de outra pessoa sobre um trabalho tão importante sempre é uma boa idéia.

6) Antes da apresentação, faça um roteiro para sua defesa; sublinhe as idéias mais controvertidas, aqueles que mais possivelmente suscitarão perguntas da banca, e prepare-se para respondê-las.

Acima de tudo, defenda sua tese com unhas e dentes, mesmo que de repente, não mais que de repente, você tenha acordado e chegado à conclusão de que tudo o que pensava era uma absoluta perda de tempo e na realidade é tudo oposto ao que você escreveu.

Venhamos e convenhamos que se você deixou para chegar a essa conclusão no dia da defesa, há algum fusível queimado na sua cabeça.

Dito isso, creio que cobri as partes principais – ao menos, as que fizeram mais diferença para mim. Se quiserem ler mais sobre o assunto e sobre formas de desenvolver seu trabalho, aconselho “Como fazer uma tese” de Umberto Eco. Além de ser um livro prático e de leitura simples, tem o plus de ter sido escrito por Eco; um dos meus autores favoritos (sim, existe vida além da ficção fantástica). O estilo dele é sempre delicioso e, a bem da verdade, prefiro os livros “didáticos” dele a seus romances literários – embora também goste deles (com algumas ressalvas para O Nome da Rosa e Baudolino).

Agora só falta o professor de sociologia aparecer para marcar o dia de entregar o trabalho e terei acabado a faculdade, pronta para colar grau. Cuidado, mundo, vão soltar a Lulu!

Beijos!

A Coruja


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3 comentários:

  1. gostei muito do passo 4, acho que amanhã mesmo compro um caderno, que já to perdida nas minhas anotações espalhadas!
    estou no meio do 5!
    mas o meu é só iniciação científica, tese em mais uns 2 anos.

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  2. Que bom, o mundo terá a Lulu solta!!!
    Eu ADORO o Baudolino!!!! Hehehehe!
    Beijos e boa sorte!

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  3. HUAHUAHUAHUA! cuidado mundo vao soltar a lulu foi ohtimo! XD

    teremos q colocar grades em todas as janelas, portas e portoes pq o mundo nunca mais sera o mesmo... KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!

    lulu, amei esse artigo, ele eh bem sucinto, mas pratico e chega a inspirar a gente a enfiar a cara nos livros pra fazer essa bendita mono! ^^

    vou mandar pra colegas meus q estejam com dificuldades nas suas! ^^

    abços e mordidas! XD

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