30 de dezembro de 2018

360º: Uma Jornada Muito Esperada || Parte IV - É uma Casa Portuguesa, com Certeza


Chegamos, finalmente, na última parte desse diário de viagem, dessa vez com Portugal. Para ser sincera, Portugal não estava realmente nos meus planos, mas, pesquisando as passagens, descobri que fazer o stopover que a TAP oferecia saía mais barato que o voo direto de Londres para Recife - mesmo considerando os gastos com hospedagem. Em sendo assim, porque não passar mais dois dias em Lisboa?

Da primeira vez que viajei à Europa, cheguei a passar quase uma semana na cidade, então, preparei-me para, mais uma vez, partir para o interior. Assim é que a Dynha ficou em Lisboa e eu segui para Sintra - que, embora eu já tivesse visitado antes, não tinha conhecido em sua totalidade… e eu queria muito ir até A Periquita comer o danado do travesseiro de amêndoas, que foi uma das sobremesas mais deliciosas que já experimentei na vida.

Eu me apaixonei por Sintra da primeira vez que fui. Que cidadezinha encantadora. Há muito de interessante por ver na cidade que, no passado, conquistou românticos como Lorde Byron. Meu interesse principal, contudo, era a Quinta da Regaleira, um palacete do século XIX cercado por jardins que começam bastante civilizados e vão ficando progressivamente mais selvagens à medida que você vai subindo os caminhos por trilhas que se estreitam até te transportar para bosques repletos de segredos. Grutas, lagos, fontes, poços decorados repletos de referências alquímicas, estátuas, torreões, minaretes… A Quinta da Regaleira parece um lugar feito sob medida para fazer a imaginação disparar e pensar em todo tipo de teoria da conspiração - ao mesmo tempo em que se impressiona com a natureza luxuriante (e perde o fôlego subindo ladeiras e escadarias cada vez mais verticais e/ou precárias).



Cheguei a Sintra de trem, saindo do Rossio em Lisboa, por volta das nove e meia - são pouco mais de quarenta minutos saindo de Lisboa -, e usei um serviço de ônibus que liga não apenas todos os principais lugares de interesse turístico da cidade como leva até Cascais. Passei a manhã inteira explorando a Quinta. Teria ficado ainda mais tempo, e perdido a noção de horário, não fosse o fato de ter começado a ficar meio tonta (quando olhei para o relógio, descobri que já passava de uma da tarde e minha pressão cai se não almoço na hora…). Depois de almoçar, completei minha lista de coisas por fazer em Sintra com a sobremesa: travesseiros!


Sim, eles são tão deliciosos quanto eu me lembrava. É uma massa folhada bem fina, com um doce de amêndoa e ovos que é uma coisa dos deuses. Comer quentinho, saído do forno é ir ao céu e voltar.

Depois de devidamente alimentada, peguei o ônibus que seguia para Cascais, passando pelo Cabo da Roca, o ponto mais ocidental do continente, considerado ‘o fim da Europa’. Meu plano era descer no Cabo, depois continuar rumo a Cascais, visitar a cidade e terminar o dia na Boca do Inferno, uma formação rochosa em que você aparentemente é capaz de sentir a força das ondas que penetram por grutas, uma violência que acompanha sons infernais.

Consegui chegar até o Cabo da Roca - a vista de lá é incrível - mas acabei por voltar de lá para Sintra. São quase quarenta minutos de ônibus, só entre Sintra e o Cabo, por estradas cheias de curvas, subindo e descendo colinas, e a tontura que senti na Quinta da Regaleira se transformou numa enxaqueca fulminante. Seria mais meia hora até Cascais e depois sabe-se quanto tempo até a Boca do Inferno, e depois, a volta. Descer do ônibus e respirar fundo o ar marinho ajudou com a náusea, mas não com o pulsar na cabeça.



O problema foi meio que uma conjunção de fatores. Eu deveria ter levado alguma coisa para lanchar enquanto caminhava e deveria ter me mantido melhor hidratada (minha água acabou no meio de uma das trilhas e em vez de voltar até a entrada da quinta atrás da lanchonete que tem lá dentro, continuei em frente, subindo e subindo…). A exaustão de quase vinte dias batendo perna pra cima e pra baixo pela Europa também tinha começado a se fazer sentir. Então, sim, fica a dica: não sigam meu exemplo, porque é meio assustador ter de descer por escadinhas instáveis e desniveladas, sem um corrimão em que se apoiar, pelo meio do mato, sem ver ou ouvir ninguém ao seu redor, enquanto sua cabeça parece girar e girar e girar. Leve mais de uma garrafa de água, barrinhas de cereal e pare de vez em quando para descansar em vez de ficar fascinado com tudo e perder o contato com a realidade.

Felizmente, tendo voltado mais cedo para Lisboa, tomado um remédio e descansado, no dia seguinte estava tudo tranquilo para nossa última grande aventura da viagem: uma excursão passando por Óbidos, Alcobaça, Batalha, Nazaré e Fátima. Fizemos esse passeio com uma empresa que encontramos na Viator, porque seria uma maneira de aproveitar melhor o trajeto e ver o máximo possível no tempo que tínhamos. É claro que, com tanta coisa para vez, não há muito tempo parar parar e aproveitar tudo, mas esse é o tipo de passeio para ‘abrir apetite’.

Óbidos me lembrou muito as cidades históricas de Minas Gerais e mesmo Olinda, aqui em Pernambuco. A gente meio que se sente em casa diante da arquitetura da vila, inclusive por sua muralha e seu castelo medieval. Passamos parte da manhã lá, e descobri que Óbidos é famosa por sua programação natalina (que começaria ao final do mês), pela feira medieval e pelo festival literário musical FOLIO. Ah, sim, também é um marco da cidade o licor de cereja, ou ginginha, bebida normalmente num copinho de chocolate (que você pode devorar após dar sua golada do licor).


De Óbidos, seguimos para o mosteiro de Alcobaça, primeira obra gótica em solo português, que guarda em seu interior os túmulos de D. Pedro I (não o nosso Pedro, mas um bem anterior a ele, no século XIV) e Inês de Castro. Só deu tempo de visitar a igreja e as tumbas - mas ainda hei de voltar para ver os mosteiros propriamente ditos. Alcobaça é considerada patrimônio da Unesco e também uma das Sete Maravilhas de Portugal (aliás, o Castelo de Óbidos também está nessa lista).


Meu interesse aqui era, claro, a trágica história de amor de Inês e Pedro, cheia de lances folhetinescos: Inês era dama de companhia da esposa de Pedro, quando este ainda era um príncipe. Os dois se apaixonaram e, quando a esposa faleceu, eles se casaram em segredo. Contudo, Inês era espanhola e a corte e o pai de Pedro temiam a influência que a mulher teria sobre o herdeiro do trono, de forma que ela foi assassinada - decapitada na frente dos filhos.



Dois anos depois, Pedro ascendeu ao trono. E aí ele mandou desenterrarem Inês, corou-a, vestiu-a como uma rainha e colocou-a no trono, forçando a corte a lhe prestar as devidas homenagens (lembra o ritual do beija mão do monarca? Pois é…). Também mandou matar os assassinos de Inês - fala-se que ele teria inclusive comido o coração dos assassinos, provando que o velho adágio de que a vingança é um prato que se come frio. E dessa história vem a expressão ‘é tarde, Inês é morta’, para significar que determinada situação é irreversível.

Nazaré foi nossa parada seguinte - na excursão, mais um respiro para almoço que um passeio propriamente dito. A principal atração de Nazaré são suas praias, com ondas enormes que turistas de todo o mundo buscam surfar; e o sítio histórico em que se encontra o Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, que fica numa espécie de promontório que não chegamos a visitar, só vimos de baixo. A praia em que nosso restaurante ficava era realmente bonita, mas receio não poder dizer muito mais sobre a cidade… Outro lugar para voltar futuramente.


Continuamos rumo ao Mosteiro de Batalha, como Alcobaça, um legítimo exemplo de arquitetura gótica portuguesa, embora bem mais imponente. Batalha também é está na lista das Maravilhas de Portugal. Sua construção durou cerca de 150 anos, em razão de uma promessa do rei D. João I, agradecendo pela vitória da batalha de Aljubarrota, em 1385, que assegurou a Independência de Portugal. Na excursão, só deu para visitar a Igreja (queria tempo para ver o mosteiro!), então, como já sabemos… é outro lugar para o qual voltar.



E aí… terminamos nossa viagem em Fátima, um dos mais importantes santuários católicos do mundo, local de peregrinações e promessas.


Não sei dizer exatamente o que me levou a procurar um lugar para encaixar uma visita a Fátima em nosso roteiro. Não posso dizer que sou uma pessoa particularmente religiosa, ainda que tenha crescido numa cultura católica. Já fui bem ligada a isso, especialmente quando mais nova; mas estudando a História da Igreja, algumas decepções fizeram com que eu me afastasse. Não deixei de acreditar, mas não posso me apresentar como uma católica praticante.

A despeito disso, a visita a Fátima mexeu um bocado comigo. Não sei se é algo inerente ao lugar, aos acontecimentos ligados ao santuário; ou se a emoção coletiva que acaba passando de um para o outro. A arquitetura das duas basílicas, a capela das aparições, a grande praça com a via sacra, tudo isso é interessante de se ver, mas não é pela magnificência dos prédios que se faz essa visita. Fátima é um lugar que passa uma paz imensa, onde você respira fundo e parece tirar um fardo de si. Claro que visitamos num fim de tarde e não havia tanta gente no Santuário; não sei dizer se eu teria a mesma sensação se chegasse lá no meio de uma multidão.


Seja como for… foi um final perfeito para essa longa jornada - foram ao todo dezenove dias arrastando mala, andando para cima e para baixo, às vezes sem se dar fôlego antes de embarcar para o próximo marco no mapa… mas não me arrependo de nada, e não mudaria nem um momento do que passamos nessas férias. Houve momentos de pura magia, momentos de lágrimas, e de risos, de companheirismo e também de solitude. Tudo o que podia dar certo, deu certo e tudo o que podia dar errado… também deu certo. Quando a gente se perdia, era para achar algo que não sabíamos que estávamos procurando; quando o tempo estava contra a gente, era para nos dar oportunidades ainda melhores no dia seguinte; quando a gente não esperava e desconfiava, surgia alguém para nos dar de presente ingressos para um passeio de barco (aconteceu em Paris; pessoa tinha ganho ingressos de cortesia para passeio no Sena e não poderia ir… deu os ingressos pra gente simplesmente porque estávamos passando por ali…).

Entre coincidências e presentes do destino, e por mais cética que normalmente eu seja, é claro que não pude deixar de pensar muitas vezes que as coisas estavam acontecendo daquela maneira por influência de tia Marilu. A gente se deixa levar pela emoção, pelo calor do momento. Claro que houve uma boa dose de preparação e planejamento - como disse do começo, passamos um ano resolvendo os detalhes todos da viagem, pensando em tudo o que queríamos fazer, pesquisando, calculando, até medindo distâncias e horas de viagem. Mas sorte também está no pacote. E essa viagem teve muita, muita sorte.


Assim… terminamos esse diário de viagem. Se há alguma conclusão é que viajar é uma das melhores terapias que existe, um investimento incomparável em si mesmo. A gente volta renovado, mas também traz uma bagagem maravilhosa, que vai muito além das fotografias e souvenires. Enfim, espero que tenham se divertido com essas aventuras e que todas essas lembranças e dicas possam ser de alguma ajuda para alguém. Não sou uma especialista no assunto e há uma miríade de blogs de viagem por aí (peguei dicas de vários deles), mas qualquer dúvida… deixem aí nos comentários!


A Coruja


____________________________________

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre

Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.

Cadastre seu email e receba a newsletter do blog

powered by TinyLetter

facebook

Arquivo do blog