17 de fevereiro de 2017

Pelas Barbas de Odin e o Martelo de Thor

“É justo,” disse Thor. “Qual o preço?”

“A mão de Freya em casamento.”

“Ele quer apenas a mão dela?” perguntou Thor esperançoso. Ela tinha duas mãos, afinal de contas, e poderia ser persuadida a desistir de uma delas sem muita discussão. Tyr o fizera, afinal.

“Ela toda,” respondeu Loki. “Ele quer se casar com ela.”

“Oh,” disse Thor. “Ela não vai gostar disso.”
Neil Gaiman é um autor cujos livros eu nem preciso saber exatamente do que se tratam para me pôr desesperada atrás. Qualquer que seja o gênero em que ele publique - ficção, não-ficção, infantil, quadrinhos, biografia, poesia… - todo novo título lançado é imediatamente cobiçado e tão logo chega em minhas mãos, ganha precedência sobre qualquer outra leitura. Assim é que não preciso explicar que comprei Norse Mythology quase seis meses atrás e no mesmo momento em que o livro chegou, já me pus a ler e só o larguei quando terminei a história. Aí deixei passar uma semana e comecei a reler minhas passagens favoritas, saboreando capa pequeno detalhe, porque, para mim, ler Gaiman é sempre um deleite.

Não há segredo sobre do que se trata a história, afinal, o título é bastante óbvio. Trata-se de uma coletânea de contos que adaptam para o leitor moderno os mitos originalmente narrados em dois manuscritos islandeses do século XIII: a Edda em prosa, compilada pelo político, historiador e poeta Snorri Sturluson; e a Edda em verso, de autoria desconhecida. As duas Eddas são as principais fontes que temos da mitologia nórdica, sem as quais essas histórias, enraizadas na tradição oral, teriam se perdido.

Nunca li as Eddas originais, mas tenho vários volumes sobre mitologia - incluindo a nórdica - na minha estante. Esse sempre foi um assunto que me fascinou, mesmo antes de Cavaleiros do Zodíaco ensinar à minha geração o panteão greco-romano. Gilgamesh e Hércules, Njall e Beowulf, Odin e Dagda dividem espaço numa prateleira toda dedicada a mitos e folclore. Dessas todas, tenho uma particular paixão pelos celtas e seus deuses que moram debaixo das colinas, mas esse é assunto que deixarei para outro dia. O fato é que muitas das histórias narradas aqui por Gaiman me eram familiares. O que não me era familiar, considerando que a maior parte dos textos sobre mitologia que temos hoje em dia são acadêmicos ou enciclopédicos, foi o tom que Gaiman usou para contar essas histórias.

É bom lembrar que as aventuras do panteão nórdico que nos chegaram (como em muitas outras mitologias, aliás) vieram de segunda mão, filtradas pelo cristianismo, compiladas por gente que acreditava em preservar tradições e História, mas nem sempre com talento para contar histórias, algo que tio Neil tem de sobra. Assim é que a Mitologia Nórdica de Gaiman se destaca pelo ritmo e pelo humor. São frases curtas, mas imponentes, às vezes um tanto escatalógicas - afinal o panteão nórdico não se leva muito a sério e está sempre disposto a comprar uma boa briga -, frases para serem lidas em voz alta, repletas de sabor e poesia.


Embora sejam histórias individuais, a maneira como Gaiman as colocou em sequência, do início do mundo "em gelo e fogo" ao crepúsculo dos deuses "em fogo e gelo", concentrando-se sobretudo em Odin, Thor e Loki, cria uma narrativa coesa, uma ordem cronológica, pontilhados de pequenos comentários que preveem acontecimentos futuros, criando um efeito de pressentimento, de como tudo há de terminar. A esse senso de continuidade soma-se o desenvolvimento das personalidades dos deuses, poderosos, imortais, vingativos, por vezes até mesquinhos, deuses que começam como bufões e terminam como vilões desejosos do caos pelo caos.

Gaiman conseguiu, nesse livro, resgatar a voz dos mitos, imprimindo a eles seu próprio humor e lirismo. É um trabalho admirável, que levou quase uma década para ser escrito e que, se ele não tivesse decidido se ater ao material original das Eddas, poderia ter rendido tantos contos originais, vislumbrados nas entrelinhas, que até me lamento de tal decisão. Mas, bem, existe sempre a possibilidade de ir reler Deuses Americanos, o romance em que Gaiman se apropriou desses mitos de forma absoluta (algo que definitivamente farei antes da estreia da série) e ficar na expectativa de que de fato haja um segundo volume das aventuras de Shadow, promessa antiga do autor.

Mitologia Nórdica é um livro para ser compartilhado, para ser lido em voz alta, à beira do fogo, cantado num salão medieval por um bardo com sua lira. Para encantar e fazer rir, para prender o fôlego, para torcer, para se envolver. Para se emocionar, como só o Príncipe das Histórias sabe fazer.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: Norse Mythology
Autor: Neil Gaiman
Editora: W. W. Norton & Company
Ano: 2017


A Coruja


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2 comentários:

  1. Também suspiro alto por Neil Gaiman! Eita homem que sabe contar história, não é verdade? Desde que eu soube do lançamento desse livro em português já o coloquei em minha lista de desejados. Sua resenha me fez ter ainda mais vontade de ler! Bjs!

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