6 de agosto de 2016

Para ler: Harry Potter e a Criança Amaldiçoada

DUMBLEDORE: You ask me, of all people, how to protect a boy in terrible danger? We cannot protect the young from harm. Pain must and will come.

HARRY: So I’m supposed to stand and watch?

DUMBLEDORE: No. You’re supposed to teach him how to meet life.
Iniciando do exato momento que o epílogo de Harry Potter e as Relíquias da Morte nos mostra, Harry Potter and the Cursed Child nos apresenta um futuro em que Harry é um funcionário assoberbado do Ministério da Magia, enquanto seu filho, Albus, tem de lidar com o peso da fama e das expectativas advindas de ser filho de quem é.

Para tentar encontrar seu próprio lugar e valor, independente do pai, Albus toma algumas decisões bastante impulsivas e quase destrói seu próprio futuro, além de mudar toda a história da sociedade bruxa no processo. Entre desencontros e falta de comunicação, Harry e Albus terão de pôr suas diferenças de lado para lidar com o ressurgimento de um antigo inimigo.


Vou começar sendo bastante sincera: não estava me sentindo particularmente empolgada ou ansiosa por esse lançamento. Eu assistiria a peça se tivesse oportunidade para tanto e veria o filme, se fizessem - e, claro, li o livro. Mas não me preocupei antes em saber do que se tratava, em procurar detalhes e spoilers. Não criei expectativas. O final de Relíquias da Morte era redondinho, ainda que não particularmente perfeito, e não me deixou cheia de perguntas.

Além disso, embora a história tenha sido criada com a ajuda da Rowling, o roteiro não foi escrito por ela. O nome dela é o que vem em destaque na capa, mas o verdadeiro autor do livro é o Jack Thorne. Por tudo isso, eu não sabia o que esperar e nem estava preocupada com isso.

Dois dias depois do lançamento, me mandaram o livro… e comecei a ler um pouco antes de dormir, jurando que ia ver só o primeiro ato, porque no dia seguinte tinha de acordar cedo para o pilates… e aí que viro a última página e olho para o relógio e descubro que virei a noite lendo.

Acontece…

O fato é que, talvez justamente por não ter empilhado expectativas em cima de A Criança Amaldiçoada, eu me diverti com o livro. Algumas coisas me incomodaram e achei-o melodramático em certa medida, mas a questão é que se trata de uma peça de teatro. A dinâmica de leitura é diferente e não apenas porque você só tem diálogos, sem grande construção de mundo.

O que é teatral é frequentemente exagerado - não há um grande espaço para sutilezas quando é necessário que quinhentas pessoas na platéia consigam enxergar um palco. Não se pode esperar a mesma profundidade de introspecção de um romance ou a possibilidade de closes para capturar as minúcias da linguagem corporal de um ator. Se você for ler A Criança Amaldiçoada como o oitavo livro da série Harry Potter e não uma história completamente à parte e não tiver essa diferença de linguagem e ritmo em mente, vai se desapontar.

O livro continua a tradição da série de não saber escrever desenvolvimento romântico - na verdade, ele traz algumas coisas extremamente bizarras nesse aspecto, como Ron mandando de presente para o sobrinho uma poção do amor para ajudá-lo a se tornar mais popular, ou Albus, tendo usado a poção polissuco, tentar distrair Hermione dizendo que eles deveriam fazer um bebê.


Pode parecer algo inocentemente hilariante, mas não é. Poções do amor, no mundo da série, são um negócio sério, uma droga que tira a capacidade de escolha da pessoa. Ron, que foi vítima de tal manipulação em O Enigma do Príncipe não deveria achar graça nem considerar razoável que Albus lide com sua rejeição drogando alguma garota.

Da mesma forma, o uso da poção polissuco como é apresentado nos confronta com um cenário de vulnerabilidade que é angustiante. O que cargas d’água Albus teria dito se Hermione tivesse concordado naquele instante em ‘fazer um bebê’? Ou mesmo se ela corrrespondesse aos beijos com que ele tentou distraí-la?

Aliás, a forma como usaram o Ron na peça foi uma das coisas que mais me irritou. Já falei antes sobre como detestava a maneira como os filmes o transformaram quase que exclusivamente em alívio cômico. Mas o que a peça faz com ele é muito pior; ele se transforma, realmente, num grande bobo sem qualquer papel prático na história.

A revelação sobre quem era o grande vilão da história e o fato de que Albus é uma cópia ainda mais revoltada e emo do pai em A Ordem da Fênix eram meio previsíveis, mas não chegam a me incomodar tanto quanto os dois pontos de que falei acima.

Em compensação, A Criança Amaldiçoada nos dá um dos melhores personagens para toda a saga de Harry Potter: Scorpius Malfoy é o verdadeiro grande herói da história e eu não me importaria de ler um livro inteiro só sobre ele. Scorpius é um sabichão, mas do tipo que se diverte em descobrir as coisas em vez de se preocupar com notas, é um amigo leal e uma pessoa razoavelmente bem resolvida - mesmo tendo perdido a mãe e sofrendo com bullying em Hogwarts.


Para completar, Scorpius é um sonserino, talvez, o único sonserino escrito em toda a série que não se encaixa no estereótipo de aprendiz de comensal da morte. Não à toa, uma das melhores cenas da peça é Scorpius interagindo com o Professor Snape - que ao menos de princípio foi um comensal, para então se tornar um dos mais complexos e interessantes agentes triplos que já conheci.

A relação do garoto com o Draco também me surpreendeu positivamente - especialmente a se considerar que boa parte da tensão do livro tem origem nos ‘daddy issues’ dos personagens centrais. Draco é um pai um tanto superprotetor, mas amoroso e preocupado - e, pelo pouco que vemos, é um pai bem melhor do que Harry, que quase me fez arrancar os cabelos quando encarnou o momento big brother 1984.

A Criança Amaldiçoada tem seus problemas, mas também seus acertos. No final das contas, ela se apoia muito mais no fator nostalgia do que numa história bem desenvolvida - o que, de novo, ao menos em parte se deve ao formato da narrativa.

Agora é esperar por Animais Fantásticos e Onde Habitam, para o qual estou com expectativas bem maiores como uma história mais madura e com mais tempo para desenvolver os personagens.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: Harry Potter and the Cursed Child
Autor: Jack Thorne
Editora: Scholastic Books
Ano: 2016

Onde Comprar

Amazon || Cultura || Saraiva


A Coruja


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3 comentários:

  1. Naa... e não é que eles resolveram capitalizar em uma sequência?

    Não posso culpá-los... lembro que o sétimo livro tinha ficado tão bacana depois das reviravoltas do quinto e do sexto que até eu queria escrever a minha sequência na época... Mas daí virou uma fanfic descerebrada...

    Coisas como Albus Severo (chamado assim pelos professores, encurtado para Ace depois pelos poucos colegas que ele arrumou...) virando um Slytherin depois de ser "enganado" pelo chapéu seletor... queria que fosse algo engraçado, mas nunca achei o tom adequado... dito que devia ser um "take that" para o que Harry disse para o seu filho sobre desejar do fundo do coração... isso quando veio do cara que foi trollado pelo próprio destino durante sete longos livros...

    Lá ele encontra uma realidade que seria bacana se eu soubesse trabalhar ela direito (o que não foi o caso)... O de uma escola em que ou você é um Griffyndor ou você simplesmente não é legal... Afinal estamos falando da casa do herói que suportou tudo o que a vida atirou nele e mesmo assim perseverou e se tornou aquele que baniu o bruxo das trevas de uma vez por todas... Eu queria invocar o clima da escola que Snape conheceu quando James estudava lá... O problema fica em torno do hype de ser um Gryffindor ser algo incomodo já que eles são a casa do campeão de Hogwarts sem ser algo nocivo e opressor para as outras casas... Algo que estaria para mudar porque os filhos do campeão retornaram a sua alma mater... Para o bem ou para o mal...

    Nesse cenário James Sirius (Nunca achei um apelido legal para ele)... é a encarnação da casa de Gryffindor... Honesto, leal e carismático. Honesto que não saberia mentir para salvar a própria vida... leal que é capaz de perdoar uma deslize ou outro por parte dos seus fraternos de casa e carismático a ponto de ser o número um de sua casa... Inteligente e estudioso como o seu pai nunca foi, atlético e talentoso como não se via em décadas em toda Inglaterra... era como se ele fosse o filho favorito da deusa da mágica (se ela existisse neste cenário)... Ninguém o invejava (ou se o fazia escondia muito bem)... Uma dessas Mary Sue tão grandes que amadores tem de matar um por dia porque ficaram difíceis de lidar com o desenvolvimento do enredo... Ou isso ou ele vira alguém frustrado por não entender o sentimento dos fracos. Mas ainda assim a história não era sobre ele... então larguei esta ponta solta...

    Até onde eu idealizei a coisa toda... era sobre os encontros estranhos que assombrariam a vida do jovem Ace ao logo do seu primeiro ano... Como um terceiranista da Hufflepuff que era declarado o único rival de James quando nem magia direito ele era capaz de usar... a sua irmã que tem vergonha dele... e que é uma Slytherin... Rose e Hugh Weasley que acham veementemente que ele devia pedir transferência (e que por falta de atenção eu achava que fossem gêmeos)... Scorpius Malfoy (que eu nunca pensei direito o que fazer com ele)... Ou aquele mago que usou uma magia proibida de rejuvesnecimento, escapou do time de aurores de Harry e pretende usar o sacrificio de Ace para trazer um velho conhecido de volta...

    Tinha mais coisas bizarras como Dudley que já que não podia virar mago, achou que podia aprender Ki e começou a estudar artes marciais (era bacana no contexto eu juro)... ou um tio Valter (ainda é difícil me acostumar com Vernon)... que se tornou um avô coruja para a sua neta Riru/Lilu... ou mesmo uma professora Lovegood que só o deus da mágica (de novo ele) sabe como ela conseguiu o seu diploma... quando ela presta atenção na aula menos do que os seus aprendizes... Um Fred Weasley que assombra a bem sucedida loja de truques do seu irmão... eram tantos conflitos com o canône que eu nem tinha mais onde continuar... afinal o patrono de Ace era um Homem lagarto que parecia o Godzilla...

    Em algum momento eu mencionei que eu queria fazer um manga disso tudo?

    Até mais ver
    mr. Poneis

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    1. HUAHUAHUAHUAHUA... seu enredo ficou hilário. Gostei particularmente do Fred assombrando a loja do irmão. Melhor do que o Ron sendo gerente da loja como nesse livro...

      Acho que quase todo mundo quando terminou de ler ficou pensando no que aconteceria depois, né?

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    2. No pouco que eu me lembro do final do sétimo livro... Fora algo sobre confundir um instrutor para tirar uma carteira de motorista trouxa, eu achei que o Ron tinha enveredado pela carreira de auror, junto com o Harry e a Hermione... Pelo visto não fui só eu que fui contra o canône...

      ... ou eu estou sendo precipitado, Ron é sim um auror com toda popa e circunstância, só que a situação na velha Inglaterra não é das melhores e ele é obrigado a ter um segundo emprego e faz um bico na loja do irmão para pagar a escola das crianças (que deve ser mais cara que na época dele)...

      ... ou talvez o mais plausível... eu li errado e não faço ideia de que fim o Ron levou no final do livro... isso é, fora estar casado e com filhos...

      Até mais ver
      mr. Poneis

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