11 de setembro de 2015

Heróis de Papel - Capítulo 18


Capítulo 18

Fins de Abril (Ano 3)

Alex,

Não sei bem por onde começar a escrever essa carta. Ainda me sinto extremamente confusa e surpresa com tudo o que ouvi nas últimas horas, mas agora que sei que está vivo e tenho um endereço onde alcançá-lo, não posso adiar fazê-lo.

A única coisa que posso dizer com certeza nesse momento é que me sinto incrivelmente aliviada em saber que está bem.

Desde que nos separamos, muita coisa aconteceu. Tivemos de vir para o interior quando se iniciaram os bombardeios; mamãe era frágil demais para ficar na cidade, escutando as bombas explodindo e o fogo a se espalhar, incapaz de correr para os abrigos quando tocavam as sirenes.

Acabamos por nos refugiar com um antigo amigo de papai. Ele nos levou para sua casa e deu todo o auxílio necessário quando o desgosto causado pelas mudanças forçadas e pela guerra levou mamãe a cair de cama.

O golpe derradeiro foi a carta oficial que recebemos informando sua morte. Não sei explicar como isso foi possível – creio agora que talvez houvesse alguém com o seu mesmo nome ou que tenha havido alguma outra troca de informações. Mando o comunicado com essa carta – de outra forma, não sei como você será capaz de acreditar em mim, e me perdoar.

Mamãe não resistiu. De forma que me vi órfã, completamente sozinha pela primeira vez na vida, numa casa estranha, sem ter idéia do que faria a seguir, para onde ir ou como me manter.

Foi quando Cecil me propôs casamento. Ele é um senhor já idoso e também não tinha família, ninguém que pudesse ficar ao seu lado. Ele ansiava por companhia, e, quando mamãe morreu, eu não podia simplesmente ficar em sua casa – por mais que houvesse os laços de amizade com papai no passado, minha presença como uma moça solteira sozinha desafiava todos os costumes.

Eu não tinha alternativas. Acreditava que você estava para sempre perdido para mim. Não havia nada pelo que voltar para casa. Nenhum motivo para dizer não.

Eu aceitei o pedido. Estou casada há quase um ano.

Até seu amigo aparecer por aqui, embora não pudesse dizer que era feliz, havia certo contentamento em saber que, pelo menos, eu tinha um lugar no mundo. Cecil exige muito pouco de mim, e me trata mais como uma filha que uma esposa.

Agora sinto como se o chão me tivesse faltado sob os pés. Todo esse tempo, Alex, continuei a amar sua memória. E todo esse tempo você estava vivo e tentando me encontrar. Sinto-me envergonhada por não ter tido mais confiança em você – mas que esperança eu poderia ter quando a fonte supostamente mais segura me dizia que você estava morto?

Não posso abandonar Cecil – não com tudo o que ele fez por mamãe e por mim. Mas o fato de você estar vivo muda as coisas. Não sei o que pensar nem o que fazer. Talvez eu devesse esperar um pouco, acalmar-me antes de escrever essa carta, mas há um senso de urgência em mim que não posso ignorar. Por um lado, gostaria de voar para junto de você nesse exato momento; por outro, não sei como serei capaz de olhar em seus olhos de novo.

Tudo o que posso fazer agora é pedir que me perdoe.

Alice.



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